Swat Lake City, por Rudy Gobert

Pivô francês fala do começo da carreira e conclama torcida para empurrar o Utah Jazz nos playoffs

Fonte: Pivô francês fala do começo da carreira e conclama torcida para empurrar o Utah Jazz nos playoffs

Por Matheus Prá (@blockpartty)

 

“Vinte e cinco. Eu quero que você se lembre do número 25.

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Esse foi o número de jogos que o Jazz venceu em 2014. Minha temporada de calouro.

É bem possível que você não saiba disso. A não ser que você seja um verdadeiro fã (grite, Swat Lake City) é bem possível que você não tenha passado muito tempo pensando sobre o Utah Jazz. Nós todos sabemos disso. Às vezes, ser esquecido é pior do que qualquer percepção negativa. Essa é uma das minhas memórias do meu ano de calouro. Eu me lembro da minha visão do banco — ou na verdade, do chão ao lado do banco de reservas, porque o banco estava cheio e eu era um novato. Eu me lembro como me sentia, tão perto do jogo, mas na verdade tão distante. Eu lembro como é o sentimento de perder 57 vezes, e como eu me sentia ao ouvir o estouro do cronômetro depois de cada derrota, e levantar e ir para os vestiários. O foco nunca éramos nós — as entrevistas após os jogos, os melhores momentos. Era sempre sobre os vencedores. Parecia que éramos invisíveis.

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Trinta e oito. Esse é outro número que eu quero que você se lembre.

No meu segundo ano na liga, nós vencemos 38 jogos. Eu joguei todos os 82 jogos naquele ano e tive muitos minutos. Minhas médias cresceram para oito pontos e dez rebotes por jogo. E o mais importante (!) Eu não estava mais sentado no chão ao lado do banco de reservas.

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Nós estávamos indo na direção certa, e acho que a razão principal era que nós tínhamos Quin. Era a primeira temporada do treinador Snyder conosco.

Quin realmente me surpreendeu na primeira vez que nos encontramos. Foi no treino de pré-temporada, em setembro de 2014. Eu passei o verão jogando a Copa do Mundo pela seleção da França. Para ser honesto, eu não sabia se o treinador me conhecia. Em uma das primeiras conversas que tivemos, ele veio até mim e disse que tinha assistido a todos os jogos da França na Copa do Mundo.

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Não era besteira — ele estava trazendo jogadas específicas de determinados jogos. Ele lembrava de como perdemos para a Espanha na fase de grupos — por 24 pontos — e ele se lembrava como enfrentamos eles nas quartas de novo e vencemos. Nós surpreendemos muitas pessoas. A Espanha tinha os irmãos Gasol, Serge Ibaka, Ricky Rubio, uma ótima equipe. Era considerado o melhor time da Europa. A França estava meio esquecida naquele ano.

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Eu lembro o que o técnico disse. Ele disse que queria que eu jogasse todos os jogos da mesma maneira que eu joguei contra a Espanha — até quando ele fosse o meu treinador, ele iria me forçar ao limite. Eu não o conhecia muito bem, mas posso te dizer que ele estava falando sério. Ele estava falando sério sobre como treinar o time e sério sobre construir um time em Utah que as pessoas não pudessem ignorar. Sério sobre trazer de volta o respeito e o entusiasmo que John Stockton e Karl Malone primeiro trouxeram aqui. “Se você jogar como jogou nesse verão, nosso time é capaz de fazer qualquer coisa”, ele me disse.

Ele perguntou se eu estava disposto a fazer aquilo. Eu assenti.

Por dentro, eu estava pegando fogo.

Meu objetivo na NBA, naquele momento, era o de apenas ter uma chance de competir. Ninguém sabia o meu nome no ano de calouro. Eu acreditei que, se eu tivesse aquela chance, as pessoas veriam. Eu precisava que alguém para me dar essa chance.

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Grite, técnico.

Dezoito. Esse é um número engraçado para mim. Eu acho que tinha 18 anos na primeira vez que eu realmente tive um corte de cabelo.

Antes disso, minha mãe sempre cortava meu cabelo. Ela é a pessoa mais trabalhadora que eu conheço. Ela sempre teve vários empregos de uma vez só. Ela cortava cabelo, trabalhava em restaurantes — basicamente qualquer coisa que ela pudesse fazer para sustentar meu irmão, minha irmã e eu. Cresci em Saint-Quentin, uma cidade de médio porte ao Norte de Paris. Nós sempre tivemos o suficiente para comer e um teto sobre nossas cabeças. Nosso apartamento era bem simples. Era muito parecido com os projetos que você pode ver nas cidades americanas.

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“Seja feliz com o que você tem” minha mãe sempre nos dizia.

Meu irmão e minha irmã eram mais velhos do que eu. Eu era o caçula. Minha irmã saiu de casa quando eu era muito novo. Meu irmão morou conosco até ir para a universidade, aos 19, e foi só quando ele saiu que eu consegui ter o meu próprio quarto. Até eu ter cerca de 11 anos, eu dividia o quarto com minha mãe.

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Olhando para trás, eu posso ver o quanto obviamente foi difícil para ela, trabalhando direto e tomando conta de nós, mas ela nunca me fez sentir como se eu fosse um incômodo — mesmo que às vezes eu fosse.

Eu tinha muita energia quando era criança. Quando era pequeno, eu estava envolvido em brigas na escola. Então, toda chance que ela tinha, ela colocava meu nome para praticar algum esporte depois da escola. Ela me colocou no karatê. Me colocou no atletismo. Ela me colocou no boxe. Quando eu tinha 11, ela me colocou em um time de basquete. Foi quando eu comecei a me apaixonar por esse jogo.

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De todos os esportes que a minha mãe me forçou a praticar, o basquete foi o que mais fez sentido para mim. Eu era maior que todas as outras crianças, e meu pai jogou basquete profissionalmente e pela seleção da França nos anos 80 e 90. Então, acho que o jogo é parte do meu DNA. De repente, eu encontrei um lugar para depositar toda a minha energia. Eu comecei a chamar a atenção na escola — começou a parecer que eu teria um futuro jogando basquete. E isso era algo muito raro para alguém de Saint-Quentin.

Fui para outra escola quando completei 12 anos. Ficava a uma hora do apartamento de minha mãe. Na maioria dos finais de semana, eu iria para casa. Ela cortava meu cabelo, perguntava como estavam as minhas notas. Essas são uma das melhores memórias da minha vida.

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Minha mãe — ela sentia muito a minha falta. Quando eu ia para casa ou falava com ela no telefone, eu tentava não demostrar que estava passando por uma situação ruim. Eu lembrava o quanto ela tinha que trabalhar direto para nós termos a chance de comer e ir para a escola, e de como ela chegava em casa todos os dias exausta. Ela estava feliz por sacrificar tudo para que os seus filhos tivessem um futuro. Tendo 12 ou 13 anos era difícil. Eu não queria preocupá-la.

Quando completei 15 anos, me mudei de novo — ainda mais longe — para a cidade de Cholet, cinco horas de carro da nossa casa, para uma escola onde eles tinham um bom time de basquete. Isso significava que eu não poderia ir mais para casa nos finais de semana. Eu falava com minha mãe pelo telefone quando podia, mas eu só podia ir para casa algumas vezes nas férias.

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Nos três anos seguintes, joguei basquete pelo time júnior de Cholet. Sei que foi difícil para a minha mãe lidar com a minha mudança para muito longe de casa tão novo — eu era o seu último filho, e eu era muito mais jovem do que quando meu irmão deixou a nossa casa. Ela se preocupava comigo direto — se eu estava quente o suficiente, se eu estava fazendo amigos, ou se eu tinha o suficiente para comer. Mas ela sempre entendeu que eu estava fazendo o que eu queria. E mais do que tudo, ela sempre me encorajou a alcançar os meus sonhos.

Em 2013, eu descobri que meu sonho se tornou realidade. A única coisa era que eu estaria me mudando para um lugar que eu nunca tinha ouvido falar.

Salt Lake City.

Antes de ir para Utah, tudo o que eu sabia sobre os Estados Unidos vinha da TV ou dos filmes. E eu não acho que um único programa de TV ou filme que assisti tenha algo a ver com Utah. Então, eu não tinha ideia do que esperar quando cheguei aqui. A única coisa que eu realmente sabia sobre todo o estado de Utah era que Karl Malone tinha jogado aqui.

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A primeira vez que me encontrei com Karl foi durante um treino no meu ano de calouro. Ele foi muito legal e me deu muito apoio. Ele disse que estava empolgado para ver o que eu poderia trazer para o Jazz. Nós conversamos sobre coisas de pivôs e ele se ofereceu para praticarmos em alguns treinos. Sua resistência nesses treinos foi uma coisa reveladora para mim. Quando penso nisso, só me lembro de seu antebraço. Eu estava marcando ele no poste baixo e ele colocou um antebraço em mim. Era uma rocha. Este pode ser o homem mais forte que eu já vi na minha vida. Karl Malone, 50 anos. A força com a qual ele deve ter jogado em seu auge – eu não posso imaginar isso. Ele me fez querer ser um defensor melhor.

Sei que mencionei a Copa do Mundo como um momento decisivo para mim, mas houve muitos momentos desde que cheguei a Utah que nunca me esquecerei.

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Eu vou sempre me lembrar de caras como Richard Jefferson, um mentor para mim quando eu era calouro e não conhecia ninguém. Na verdade, todo o time do Jazz quando eu cheguei aqui, em 2013, me ensinou como ser um profissional. Mesmo não tendo muito tempo de quadra, e não ganhando muitos jogos, eu não era tratado como um calouro (exceto pelo fato de sentar no chão ao lado do banco de reservas.) Uma vez escolhido no draft, eu era parte do time e era isso.

Me lembro do nosso primeiro treinamento de pré temporada, que na minha cabeça era como um treino militar. Foi uma das semanas mais difíceis da minha vida. Eu percebi, olhando para trás, o quanto eu precisava me ajustar vindo de uma equipe francesa para a NBA. Me lembro o quanto nós éramos ignorados e esquecidos nas primeiras temporadas. O técnico Quin sempre nos lembrava para continuar trabalhando nisso — continuar melhorando — e que, eventualmente, iríamos conseguir a atenção e o respeito das pessoas.

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Me lembro do último ano, durante o All-Star Game — de como me senti por não ter sido chamado. De como senti que merecia um lugar, mas não consegui. Parecia que ninguém fora de Utah estava falando de mim. Foi a primeira vez na minha carreira que me senti daquele jeito, e não é que eu não tenha feito parte da equipe, parece que eu não estava nem na conversa sobre uma vaga.

Me lembro do último ano, sendo varrido na segunda rodada dos playoffs. E da pós-temporada, quando todos estavam dizendo que a saída de Gordon Hayward significava que nós iríamos para um rebuild.

E me lembro de quando Donovan Mitchell chegou.

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Eu vi Donovan jogar pela primeira vez na Liga de Verão, e meu primeiro pensamento depois de vê-lo foi: ele pode jogar na defesa. Eu sempre vejo como um cara novo se adéqua na defesa – ele joga tão duro na defesa quanto ele joga do outro lado da quadra? Donovan joga. Respeitei isso imediatamente. Quando ele marcou 41 pontos no segundo mês na liga… caramba, eu sabia que ele seria especial.

Grite Donovan, nosso novato. Nosso cestinha. O novato do ano.

Mas o que mais me lembro é o conselho da minha mãe.

Seja feliz com o que você tem.

Eu ainda sou. Estou feliz com nossa equipe, nosso técnico e nossa cidade. Vocês são os melhores.

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Mas eu preciso fazer uma mudança na frase favorita da minha mãe. Espero que seja O.K., mamãe.

Seja feliz com o que você tem, mas saia e conquiste o que é seu.

No primeiro dia do treino de pré-temporada, eu disse que estaríamos de volta aos playoffs este ano. Talvez algumas pessoas achavam que era uma possibilidade remota. Nosso começo pode ter sido devagar. Machuquei um dos meus joelhos, depois o outro, tudo em um mês. Mas na minha cabeça eu sempre soube que nós surpreenderíamos a todos. Agora, estamos aqui e estamos saudáveis. Estamos tão confiantes também. Temos o melhor novato da NBA. Temos a melhor defesa da liga e temos um dos melhores treinadores. Mas ainda não temos o que queremos.

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Eu vou te deixar com um último número.

19.911.

Essa é a capacidade máxima da Vivint Smart Home Arena. Qualquer equipe que queira um pedaço de nós terá que vir para Salt Lake City e lidar com todos os 19.911 de vocês. Talvez ninguém mais acredite em nós, mas esse problema é deles. Sabemos que ainda estamos sendo esquecidos. Em Utah, as pessoas já viram isso antes. Agora é a hora de buscar o que sabemos que merecemos. Agora é a hora de nos certificarmos de que eles nos ouvem.

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E nós vamos precisar de todos vocês.

De cada um”.

 

Rudy Gobert

UTAH JAZZ

 

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