Por Diogo Santos
É tradicional na indústria de games: Em setembro teremos uma “nova edição” dos jogos de esporte. Seja FIFA, NBA 2K, Madden ou outros do gênero, há poucas coisas que são mais certeza na indústria do que o lançamento anual dessas séries. Infelizmente, quase tão certo quanto as edições anuais é a sensação de “mais do mesmo”, com mudanças tão sutis entre as edições que os consumidores ou sentem-se enganados ou aceitam conviver com o fato de que pagam por um jogo novo quando na verdade as mudanças são, basicamente, simples atualizações de elenco.
Felizmente, isso não acontece com NBA 2K20.
A edição 2019 da série da 2K foi uma das mais criticadas da história da série, sendo massacrada pelo público em sites agregadores de notas como Metacritic ou avaliações do Steam – mesmo sendo muito bem avaliada pela mídia “especializada”. Muito disso deve-se ao obsceno sistema de micro transações que a edição 2019 possuía, tornando a progressão do modo carreira – o mais popular da série – uma jornada extremamente injusta. Em pouco tempo, ficou claro que só era possível alcançar um overall acima de 80 do seu personagem jogando cerca de três temporadas completas (com 12 minutos por jogo). Se você quisesse adiantar esse “processo”, era possível: Bastava realizar a aquisição massiva de VC, a moeda do jogo, pagando com dinheiro real. Micro transações já são uma realidade da indústria a algum tempo, porém poucos jogos vendidos ao preço padrão de U$60 possuem micro transações que afetem o gameplay, e me arrisco a dizer que nenhum de forma tão agressiva quanto a edição 2019. O problema era tão grande que o modo online era povoado de jogadores com overall acima de 90 logo nos primeiros dias pós-lançamento, causando um imenso desequilíbrio entre quem queria seguir a progressão natural do jogo e quem pagava para progredir. Tornou-se, em pouquíssimo tempo, um game restritivo (no modo carreira) para jogadores que não queriam pagar por VC. Isso mudou bastante na edição 2020.
O modo carreira da edição 2020 é o melhor em muito tempo, tanto em storytelling quanto em progressão do personagem. Uma das grandes novidades alardeadas pela 2k para a edição 2020 era o My Player Builder, que prometia trazer a liberdade de montar seu personagem com as características e estatísticas que preferisse, saindo do modelo de tipos de jogador das edições anteriores. A mudança é positiva e inegavelmente há mais liberdade, abandonando os modelos pré-definidos de posições e estatísticas das edições anteriores, entretanto ainda longe da liberdade completa que havia até a edição 2014. Ao montar seu personagem, ainda há limitações como ter de definir estilo de jogo do personagem (slasher, defenders, shooters) que afetam quais as badges e estatísticas o jogador poderá ter. É uma evolução da fórmula, entretanto ainda é praticamente impossível montar um jogador com as mesmos estatísticas e badges do seu jogador favorito da NBA; ademais, há uma clara desvantagem para o arquétipo slasher, devido as suas principais características (enterradas, velocidade e controle de bola) serem facilmente atingidas por outros arquétipos.
A história saiu do melodrama característico das edições anteriores (quem não se lembra da vergonhosa história da edição 2K16 dirigida pelo Spike Lee?), trazendo para os holofotes a realidade de jogadores com talento, mas com quatro anos de NCAA, geralmente esnobados no draft da NBA. Seguimos o drama do Senior “Che”, um prospecto considerado de 1ª rodada no seu ano de Freshman, mas que decidiu seguir na NCAA e tornou-se um provável undrafted. A jornada mostra a relação do jogador com seus companheiros de elenco e treinador na NCAA, lesões e a decepção de ter ido de um dos principais prospectos do país ao risco de não ser draftado. Mesmo de forma sutil, soa uma crítica a cultura da NBA de privilegiar potencial, o famoso “teto”, ao talento já provado e que pode contribuir de imediato. Mantendo a tradição, a edição conta com atores famosos (Idris Elba e Rosario Dawnson, entre outros) interpretando os principais papéis, com grande destaque para Thomas Middleditch (Sillicon Valley) como o agente de Che, trazendo os melhores diálogos e cenas do episódio e destilando ironia sobre o mercado da NBA. É uma história muito mais realista e focada nos eventos reais da NBA, incluindo a inédita participação no draft combine e a inclusão (em uma curta edição) da Summer League. O final da história é obviamente conhecido, mas poucas edições foram tão prazerosas em acompanhar quanto a de 2020.
Apesar dos pontos positivos, mantêm-se velhos defeitos: A história é consideravelmente curta (cerca de 2h) e, se não fosse por comentários pontuais do clássico trio da série (Shaq, Kenny Smith e Ernie Johnson), seria totalmente esquecida no gameplay do modo carreira. A série ainda não alcançou o nível desejado nesse ponto, em que as decisões do jogador durante a história realmente afetem a continuidade do modo carreira. Ao menos um avanço nesse sentido ocorreu: Há (poucos) momentos em que você deve tomar decisões que afetam o gameplay (mais especificamente, sua posição no draft). Mais momentos como esse, e a continuidade das suas decisões na carreira do jogador, poderiam trazer um bem-vindo aspecto de RPG ao modo.
Evoluir no modo carreira é consideravelmente mais fácil do que em anos anteriores, principalmente porque, caso você seja escolhido na 1ª rodada do draft (o que não é exatamente difícil), irá ganhar 1000VC por partida. Esse valor, somado a uma cobrança menor para evolução das estatísticas, torna a progressão in game muito mais justa. É bastante satisfatório perceber que você irá evoluir conforme você joga, tornando seu personagem um jogador melhor ao mesmo tempo em que você mesmo se torna um jogador melhor. Essa particularidade não era alcançada em edições anteriores, porque devido ao número elevado de partidas que eram necessárias jogar, você conseguia realizar boas partidas mesmo com seu personagem ainda tendo baixo overall, devido a sua experiência e conhecimento do jogo em si. Obviamente, ainda há a opção de usar dinheiro real na compra de VC e pular todo esse processo, tornando seu rookie um debutante a G.O.A.T. É satisfatório, no entanto, saber que isso não é necessário – você poderá se tornar o melhor jogador da NBA jogando e evoluindo seu personagem.
Outra boa mudança é a redução da necessidade de uso do Neighborhood. Devido a uma interface de menus repaginada, acessar partidas ou treinos da equipe é possível sem a necessidade de passar pela famigerada vizinhança, poupando tempo considerável, já que os loadings continuam um problema. A estrutura do Neighborhood em si não sofreu grandes alterações, tendo como principal mudança um modo cassino que premia os jogadores (em troca de VC, obviamente) com benefícios in game para os diferentes modos de jogo.
Dentro de quadra, o gameplay trouxe sutis mudanças, mas muito benéficas para a experiência geral. A principal foi que a velocidade dos jogadores foi diminuída, tornando necessário trabalhar jogadas, rodar a bola e buscar espaço; ao mesmo tempo, jogadores com os maiores atributos em velocidade conseguem infiltrar com muita facilidade, bastando um simples bloqueio para conseguir o espaço necessário. Isso não é necessariamente ruim, valorizando e diferenciando essa característica dos jogadores que, de fato, as detém. Os bugs de colisão não apareceram durante os testes, tampouco os famigerados tocos impossíveis. Ainda é um pesadelo escapar de tocos de pivôs como Rudy Gobert, entretanto eles só ocorrem quando os pivôs estão bem posicionados. Dribles estão mais naturais nessa edição, sendo possível escapar de tocos e roubadas de bola usando os dribles pré-definidos de forma fácil. O controle de bola foi melhorado, o que torna a experiência de controlar os jogadores muito mais próximo da realidade.
A fidelidade aos jogadores da NBA continua impecável, valorizando o gameplay daqueles que, de fato, acompanham a liga. É muito mais fácil (e prazeroso) realizar movimentos de drible ou mudanças no ato do arremesso (valorizado pelo aprimorado sistema de controle de bola) com jogadores como Kyrie, mesmo que seja o mesmo comando para todos os jogadores. Tentar driblar com jogadores com péssimo controle de bola (como Andre Roberson) é um pesadelo, valorizando o gameplay e as características dos jogadores. Como é de praxe na série, é muito difícil jogar sem conhecer a NBA real, sendo um game pouco recomendado para novatos, entretanto o gameplay mais equilibrado, somado a um modo tutorial remodelado e robusto (2KU), torna a edição 2020 a mais fácil de ser introduzida a novos jogadores.
Mais surpreendente que o modo MyCarrer foi a evolução do meu modo favorito, MyGM. Apesar de sempre ter flertado com aspectos de RPG, isso nunca foi tão explorado quanto agora. Deixando de lado a bizarra história de conflito entre o GM, dono do time e seu filho das duas últimas edições, a 2K acertadamente decidiu focar no que importa: O gameplay. O modo foi bastante revitalizado, mantendo a base dos anos anteriores, porém com novo design e IA aprimorada. Agora há um sistema de pontos por decisão tomada, então se você quiser conversar com o GM, mudar o plano de jogo ou realizar uma troca, terá de ter pontos para isso. Como no início você tem cerca de três pontos por semana, suas ações devem ser muito planejadas, tornando inviável você desmontar um time com trocas (como sempre foi o padrão da série) ou recontratar todo seu staff. Praticamente todas as ações contam pontos, o que torna a progressão da dificuldade muito mais linear do que em qualquer outra edição. A ideia é simular o calendário de um GM, limitando o quanto você consegue fazer em uma semana normal. Conforme você evolui seu nível de experiência como GM (realizando trocas, resolvendo brigas internas, dando atenção ao staff…) mais pontos de ação são desbloqueados. Além disso, evoluir libera pontos para a compra de Perks, em um sistema de esfera que lembra DEMAIS Final Fantasy X. Ações que antes eram liberadas desde o início (como o fundamental Trade Simulator) ou disponibilizadas conforme evoluía nas edições anteriores (como descontos em renovação), agora devem ser “compradas” nesse sistema de evolução. Isso traz muito mais realismo ao jogo, tornando muito improvável que você consiga ser um super GM logo nas primeiras temporadas.
No geral, será melhor recompensado se focar em áreas específicas de evolução – você quer ser bom em negociações de contrato ou em trocas? Essa mudança de foco, somado a IA revigorada que não realiza mais trocas obscenas (conseguir uma pick é tarefa quase impossível), tornou o modo MyGM o mais fidedigno e divertido da série.
A defesa individual está menos poderosa, tornando viável escapar da marcação de grandes defensores individuais caso faça a jogada correta. A IA continua apresentando falhas, com o time adversário dificilmente seguindo um playbook, tempo de jogadores distribuído por posição e não stats dos jogadores, não há aumento ou diminuição do ritmo conforme o placar e oferecendo pouca – quase nenhuma – resistência para jogadas na zona morta ou para cortes laterais em direção a cesta. Talvez a maior falha do gameplay da edição 2020 seja a tendência dos times controlados pela IA em fazer marcação dupla nos melhores jogadores do seu time, ou caso o jogador esteja em modo “Takeover” (uma espécie de “pegando fogo” que melhora momentaneamente os atributos do jogador em suas principais características e que é preenchido conforme o jogador, de fato, “pega fogo – seja arremessando de 03 e acertando em sequência, fazendo roubadas de bola, dando tocos…cada tipo de jogador tem um “Takeover” que segue suas principais características”). A marcação dupla é facilmente superada através do passe para jogadores livres, algo consideravelmente simples de fazer mesmo para jogadores com stats baixo em pass accuracy. Apesar dos pesares, a defesa da IA melhorou consideravelmente na tomada de decisões, não fazendo mais trocas estúpidas e diminuindo a eficácia do pick and roll e pick and pop, sabendo reconhecer se o pivô do seu time chuta ou não para três; quando sim, eles esperam o movimento do seu pivô; quando não, correm para proteger o garrafão e fechar a infiltração.
Graficamente não houve grandes mudanças estéticas, entretanto é clara a melhoria na física do jogo, com menos colisões e movimentos mais realistas e fluídos. A trilha sonora mantém o padrão de qualidade da série, apesar de ser essa a edição menos diversificada na seleção musical, sendo majoritariamente de rap, hip-hop e R&B. Senti falta de bons hits de rock que sempre existiram em edições anteriores.
Por fim, talvez a maior novidade da edição seja a estreia da WNBA. Apesar de só poder ser jogado nos modos exibição e torneio, o tratamento dado foi digno da liga masculina. Todas as jogadoras são representações fiéis, tanto visualmente quanto em movimentos, dos seus pares reais. Há uma perceptível mudança de mecânica quando você controla as mulheres da liga, com um jogo mais cadenciado e focado no garrafão. Tal qual acontece na própria liga, há uma diferença gritante entre as melhores e piores jogadoras, portanto é fácil dominar partidas usando as estrelas (Breanna Stewart é imparável). Os sistemas de defesa possuem leves mudanças com relação a mecânica masculina, sendo perceptível mais marcações por zona e preocupações com infiltrações em detrimento a arremessos. No geral, é uma experiência gratificante e diferente do que jogar a liga masculina e foi uma adição muito bem-vinda a série. Esperamos que nas próximas edições seja possível jogar todos os modos em uma edição da WNBA.
Em um pacote robusto de novidades e melhorias, a série atingiu em sua edição 2020 seu ponto mais alto na geração, voltando a excelência de tempos anteriores. A entrada da WNBA trouxe uma nova visão para a série, abrindo caminho para mudanças maiores no futuro. A credibilidade da 2K foi renovada.
*Esse review é focado nos modos Exibithion, MyCarrer e MyGM/MyLeague