A ilusão e a decepção

Guilherme Gonçalves analisa Knicks e Timberwolves, times que prometiam antes da temporada

Fonte: Guilherme Gonçalves analisa Knicks e Timberwolves, times que prometiam antes da temporada

O Michaelis, reconhecido dicionário de língua portuguesa, diz que a ilusão é “um engano dos sentidos ou da inteligência”, espécie de “confusão entre uma coisa que aparenta ser e o que ela realmente é”, algo como “ação criada para enganar, iludir”. A decepção, todavia, pela mesma fonte, é tida como “sentimento de frustração ou descontentamento quando o que se esperava não acontece” ou até mesmo como “sentimento de tristeza, desgosto, dissabor”: desilusão, em suma. Tudo muito léxico, prolixo, pouco tangível: pra fins de resumo, ilusão pode ser denominada como Minnesota Timberwolves, decepção como New York Knicks.

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As diferenças entre estes dois substantivos são algumas, como anunciadas acima, mas há um ponto de convergência para com estes sentimentos amargos: a crença. Criar expectativas é a ação que toma o ser humano antes que ele se torne afeito com aquilo que lhe causa, a princípio, qualquer tipo de sensação positiva. Um amor idealizado, uma esperança em segredo, uma graça a ser alcançada: o processo até a conclusão da percepção que se tem sobre a coisa imaginada é tortuoso, gera expectativa, atiça a curiosidade. O sentimento desolador após o desgosto é durável, demora a perder a importância. É meio de temporada: a campanha 2016-2017 da NBA chega à metade, um mês antes da pausa para o All Star Weekend, e entre as agradáveis surpresas até aqui conhecidas, há algumas infelicidades reconhecidas.

O Timberwolves nos enganou até agora. O futuro parecia — de certa forma ainda parece — promissor para a franquia de Minneapolis. Antes da seleção de calouros de 2016 a equipe possuía em seu plantel as duas últimas escolhas número 1: o ala Andrew Wiggins e o pivô Karl-Anthony Towns. Dois pilares da linha ofensiva; atletas jovens e explosivos como Zach LaVine e Shabazz Muhammad; a concentração de atletas altos e fortes que poderia manter o time aquecido durante as partidas em Gorgui Dieng e Nemanja Bjelica; e o outrora armador-fenômeno que se esperava de Ricky Rubio. Adicione ao caldeirão um treinador experiente, que trabalha bem com jogadores jovens e que tinha um retrospecto de trazer de volta ao holofote o Chicago Bulls depois de anos de espera pós-Michael Jordan. Tom Thibodeau parecia a escolha perfeita, certeira, ponto de evolução na caminhada da equipe. A expectativa criada, a ilusão apresentada.

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O Timberwolves, hoje, ganha apenas uma de cada três partidas disputadas. O recorde da equipe na conferência Oeste da Liga só é melhor que os percentuais de Dallas Mavericks – em processo de adiamento para uma reconstrução que, mais cedo ou mais tarde, ou seja, após a aposentadoria de Dirk Nowitzki, terá de acontecer – e Phoenix Suns – este sim em fase de reconstrução, apesar de ser um processo aparentemente sem qualquer planejamento.

O time é o 24º entre 30 times no quesito de pontos cedidos a cada 100 posses de bola, o que demonstra uma defesa frágil. Apesar de Towns e Rubio terem bons números em aspectos defensivos (11,5 rebotes e 1,5 bloqueios de média para o pivô, e 1,8 roubo de bola por partida para o camisa 9), o sistema defensivo da equipe sofreu regressão entre a última temporada e atual. Dieng é tido como bom defensor dentro da área pintada e sua ação no jogo mais sujo, longe das estatísticas mais simples, é um alento para um time que precisa melhorar demais para almejar qualquer tipo de briga para a pós-temporada.  O selvagem Oeste é onde o 7° colocado Memphis Grizzlies está a duas vitórias de ter o dobro de pelejas vencidas que Minnesota atualmente ostenta, um abismo entre roer o osso esperando o filé a partir de abril ou somente jogar a cada duas noites.

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Towns, Wiggins e LaVine estão todos abaixo dos 22 anos de idade e todos eles marcam ao menos 20 pontos por partida. O núcleo ofensivo não é ruim, e sim, promissor. Entretanto, o Timberwolves que nos venderam entre o final da temporada anterior e o início desta destoa demais do que vemos em quadra. Muito se especulou que, com assim da chegada de Thibodeau ao time, o treinador traria atletas de sua confiança ao elenco com trocas que buscariam Jimmy Butler e/ou Taj Gibson vindos do Chicago Bulls. Butler e seu jogo dispensam comentários, bem como o Bulls hoje dispensa perdê-lo por pouco, e o pouco que Gibson ofereceria na defesa fatalmente ajudaria ao Timberwolves – para se ter noção do vazio defensivo que existe atualmente.

Imaturidade e falta de experiência são pontos a destacar, mas não podem ser desculpas para um time sem ambição e desejo de ganhar. O grave defeito em perder o controle das partidas no terceiro quarto precisou de ajustes e, ainda assim, há graves falhas nos momentos de definição como, recentemente, a derrota por 94 a 92 para o Utah Jazz após liderar por nove pontos com cerca de três minutos para o apito final: um dos muitos exemplos de perda de foco e controle de um jogo. Acreditar sim, até certo ponto. Tapar os olhos não, isto é iludir-se.

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Decepcionar-se é acreditar ter o último fio de esperança de que a junção de um ala altamente prolífico no ataque, mas preguiçoso na defesa a um armador que, tal como esse ala, possui ambas características – sabendo jogar apenas com a bola nas mãos – elevaria completamente o patamar do Knicks na conferência leste. Duas vitórias nas últimas 11 partidas disputadas, expulsões e lances capitais negativos protagonizados por Carmelo Anthony, o sumiço de Derrick Rose. Nova York não tem fé no seu time mais famoso, talvez o mais icônico do basquete mundial. O Knicks, hoje, mais uma vez, estaria fora dos playoffs ocupando apenas a décima colocação no leste, conferência mais fácil da NBA.

O Knicks trouxe Jeff Hornacek depois de sua dispensa pelo Phoenix Suns. Hornacek chegou a ser o segundo colocado na votação para treinador do ano em 2013-2014, mas sua atuação com o time do Arizona decaiu: ou, senão, ele ainda por lá estaria. A troca que trouxe Rose do Bulls também fez Joakim Noah trocar de uniforme, ocupando o espaço de Robin Lopez que fez o caminho contrário. A ascensão de Kristaps Porzingis soou como o elemento que faltava para fazer a torcida do Madison Square Garden um pouco mais feliz: uma superestrela, um armador outrora MVP da Liga, um ala com altura de pivô e arremesso de armador, e um pivô capaz de defender. A decepção, todavia, é gigante.

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Anthony começa a ver a curva de sua carreira apontar a descendente, tal como seu desempenho ofensivo e paciência. Energia e entrega defensivas nunca foram seu forte, tal como seu senso coletivo. Noah sempre foi um coadjuvante, assim sempre o será. Porzingis é o alento da reviravolta: draftado na 4ª posição no ano de 2015, ouviu vaias e viu na TV a cena do garotinho fanático chorando por conta de sua escolha pelo Knicks. De lá pra cá, hoje já pode ser considerado o melhor jogador de qualquer um dos times de Nova York, além de ser o mais promissor deles.

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O caso de Rose merece mais atenção: o camisa 25 não esteve em quadra contra o New Orleans Pelicans na segunda-feira, 9, porque simplesmente não o quis. Rose não se negou a entrar em quadra ou mesmo trocar de uniforme: o armador voou até Chicago, sem avisar a ninguém da franquia, para estar com a mãe e resolver questões familiares, segundo ele mesmo relatou a Noah somente após a partida: diretores, treinadores, torcedores e repórteres do Knicks souberam da boca dele apenas no dia seguinte. Multado, o atleta não deu maiores explicações, já retornou à linha inicial e a vida segue, como se nada tivesse acontecido. Claramente, faz e fará mais ou menos o que quiser, dentro e fora de quadra. E isso é prejudicial ao conjunto.

Rose sempre foi um armador voltado para seu próprio jogo, baseado em um explosivo primeiro passo que o levava com facilidade à cesta. Sem um arremesso de três pontos confiável, as lesões nos joelhos, a personalidade temperamental e os altos salários o minaram em Chicago, sua terra natal, o que o levou ao extremo leste americano para dividir a bola com Anthony: o que não tem surtido efeito.

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Rumores dão conta de que o atleta planeja pedir por um salário total de 150 milhões de dólares por cinco temporadas na próxima janela de transferências, quando se torna agente livre irrestrito. A Liga inteira já levantou os olhos, baixou as orelhas e finge, assim como Rose, que nada de importante se passou. Aos 28 anos, este deveria ser o segundo melhor ou talvez o mais polpudo acordo da vida de Rose, bem como, para começo de recuperação da atual decepção, o Knicks deve forçar com que também seja uma segunda equipe de Rose após deixar o Illinois.

Trocar Anthony para reforçar a equipe também não é tarefa simples, apesar de ser uma alternativa plausível: natural de Nova York e ídolo local desde a adolescência, seu gordo salário de mais de 24 milhões de dólares não interessa tanto assim vistos os 32 anos de idade. Além de tal, a devolutiva de qualquer equipe que desejasse agrupar o camisa 7 ao seu plantel seria uma série de escolhas no Draft com jogadores que compõem o elenco, nenhum deles capaz de ser o cavalo a puxar a carruagem. Brandon Jennings, Courtney Lee, Kyle O’Quinn e Lance Thomas já são os coadjuvantes mais notáveis da abóbora deste conto da Cinderela às avessas. Nada animador, de certo.

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Receita boa contra a decepção não envolve sopa de legumes ou mesmo amontoado de jogadores medianos. Mas, como em qualquer caso de cura para os males da alma e do coração, assumir a situação, mapear os pontos falhos e agir em busca de solução é necessário. No caso do Knicks, não seria antes tarde do que nunca: seria antes tarde do que mais tarde, até porque, como dito por aí, “decepção não mata, ensina a viver”… Só é difícil de aprender.

 

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