Award Show, mudanças nos pedidos de tempo e solicitações da liga para que estrelas não descansem são apenas alguns dos detalhes do grande plano de mídia da NBA. Não faço aqui uma crítica a isso, pelo contrário. A maneira como a liga se vende é algo que deve servir de exemplo para qualquer associação esportiva no mundo. O basquete nunca esteve tão popular, e a NBA e sua expansão global são responsáveis por isso.
Mas, a partir do momento em que o que mais interessa é o espetáculo, a narrativa deve seduzir o público, e para que isso aconteça, não tem outro jeito: tem que existir um vilão.
No ano passado este “vilão” foi Kevin Durant e seu Golden State Warriors, que supostamente acabaram com a competitividade da NBA. O herói que os combateu foi o “traído” Russell Westbrook, com uma atuação tão convincente que fez com que a liga mudasse seu critério de muitas décadas para o prêmio de MVP. Não muito tempo atrás, o vilão era Kobe Bryant, que depois se tornou herói. Enfim, exemplos não faltam, e na NBA do espetáculo estão cada vez mais frequentes.
Vivemos num tempo onde fatos objetivos não importam tanto quanto a impressão pessoal que cada indivíduo tem destes fatos, mesmo que isso contrarie a realidade estrita. É a já famosa pós-verdade. E numa era como essa, todos se sentem no direito de defender absurdos sob a bandeira de ter direito a uma opinião, mesmo que sem qualquer fundamento. No debate sobre o basquete, isso não é diferente, e acaba por originar um discurso intolerante e até mesmo surdo, eu diria, pois nem ouve opiniões em contrário, quanto mais as considera.
E é neste pano de fundo de narrativas e situações microscopicamente expostas e dissecadas por vozes críticas e julgadoras que chegamos à nova polêmica da NBA: o pedido de troca de Kyrie Irving.
O Cleveland Cavaliers de LeBron James ocupava um lugar especial na narrativa dominante. Seria o único time capaz de “salvar” a NBA do Warriors. Todos contavam com LeBron, o melhor jogador do mundo para nos impressionar mais uma vez.
Aí seu melhor companheiro de equipe resolve que não quer mais fazer parte disso e a comunidade da NBA entra em choque.
De um lado, aqueles que acham que ele está certo. LeBron estaria de saída mesmo no ano que vem, então Irving teria todo direito de querer abandonar uma franquia comandado por um dono explosivo que demitiu o GM no começo da offseason e não contratou praticamente nenhum reforço.
De outro lado, aqueles que acham Kyrie um “ingrato” por estar querendo abandonar o time e ainda fazer LeBron parecer um companheiro de time ruim neste processo.
Há argumentos para os dois lados, e francamente, existem muitos detalhes de bastidores desconhecidos sobre os quais não sabemos nem nunca saberemos para podermos julgar a história como um todo, mas isso não impede que vejamos as pessoas debatendo no mesmo tom agressivo de sempre, cada qual defendendo uma destas duas correntes.
Como estou pregando a livre opinião, bem como o direito à livre divergência, vou deixar claro o que penso. Para mim, a mentalidade de Kyrie é algo raro na NBA atual. Ele parece estar ciente dos riscos de deixar o atual “super time” para tentar ser o ponto focal em outra franquia. De certa forma, é algo louvável e mostra muita personalidade. Se eu fosse um jogador com tamanha habilidade, provavelmente desejaria fazer a mesma coisa. Só assim será possível descobrir o quão bom o jogador realmente é.
Mas, de qualquer forma, respeito e entendo quem pensa diferente. Só fico triste ao ver que este é só mais um assunto onde a narrativa, o espetáculo e a busca por um antagonista dominam a pauta. Só que agora, pelo menos por enquanto, ainda não decidiram quem é o vilão.