O Milwaukee Bucks, grande campeão da temporada 2020/21 da NBA, mostrou ao mundo que o garrafão ainda é a região mais importante do basquete. Tudo bem, vivemos na “era dos três pontos”, a cada temporada, a eficiência e o volume de arremessos do perímetro aumentam. Porém, ao contrário do que alguns pensam, a linha de três não é a região mais importante da quadra. Ainda é o garrafão. Sim, o jogo de poste baixo tem menor protagonismo atualmente e boa parte das estrelas, em 2021, se assemelham mais aos arquétipos de armador ou ala do que ao de um pivô.
Atualmente, o protagonismo do garrafão é mais centrado em sua região mais interior – a área restrita: dinalizações nesta região, em média, têm 64% de aproveitamento (sem contar o fato de ser amplamente a área que mais gera lances livres – o arremesso mais eficiente do basquete). Ser eficiente nessa parte da quadra comprovadamente faz maravilhas para o desempenho de uma equipe: nas últimas 11 temporadas, há uma correlação extremamente significativa entre o aproveitamento na área restrita e a eficiência ofensiva das equipes (aos mais interessados na parte técnica, foi encontrada uma correlação de Spearman de aproximadamente 0.67. O teste de significância apresentou p-valor menor que 10^-16). Essa relação se mantém nos playoffs (0.59 e também foi detectada significância).
O que aconteceu na última década é uma mudança de como o garrafão é alcançado, e não da sua importância. Não é coincidência que LeBron James, que entre muitos outros talentos, é um infiltrador geracional, tenha dominado a década. Nem que Stephen Curry tenha chegado ao nível de MVP ao melhorar sua finalização no aro. Nem a ascensão de Luka Doncic, que tem números absurdos de eficiência perto da cesta. E também não é coincidência o título do Milwaukee Bucks de 2020-21. Comparando a todos os outros 329 times no período (considerando cada temporada de uma equipe um time), o Bucks atual foi melhor finalizando no aro na temporada regular que cerca de 97% dos mesmos (e possui aproveitamento de 67.54% na área restrita). Nos playoffs, a equipe esteve no percentil 96% do mesmo período, com aproveitamento de 68.83%.
Para estar nesse nível, Milwaukee abusou de jogadas na transição (18% de suas jogadas de ataque na pós-temporada foram desse tipo, maior marca da liga), e também se destacou em cortes para a cesta (quinta maior marca) e putbacks – pontos vindos diretamente de rebotes de ataque (quinta maior marca).
Muito do título de Milwaukee passa pelo garrafão,- algo que também é simbolizado pelo fato de a equipe ter ido muito mal em bolas de três na pós-temporada. Seu aproveitamento foi de 32%, o terceiro pior dentre os 16 times nos playoffs e marca inferior às de todas as equipes na temporada regular. Ainda assim, o Bucks teve um ataque competente, ainda que não brilhante: eficiência ofensiva de 112, algo comparável a um time mediano na temporada regular, mesmo tendo chutado de forma horrível do perímetro e acertado apenas 40% da meia distância. Trata-se de um time histórico quando o assunto é colocar pressão na cesta.
Mas o ataque não foi o principal fator do título de Milwaukee. Afinal, ser mediano não leva uma equipe ao título. Na realidade, foi uma defesa magnífica. O Bucks teve uma eficiência defensiva de 106.8 ao longo da pós-temporada, melhor marca da NBA no segmento (e equivalente à #1 da temporada regular). Mas a marca da equipe não foi boa apenas para esta temporada. Se ponderarmos pelo desempenho do ataque médio e a variância dos ataques, a defesa de playoffs dos campeões de 2021 está acima da de 96% das equipes que disputaram a pós-temporada de 2011 para cá.
Para entender essa defesa, devemos novamente focar no garrafão, região em que o Bucks tira a maior parte de seu valor. Em termos de impacto estatístico, defesa de garrafão é a coisa mais importante para parar os adversários (novamente, correlação significativa na faixa de 0.6), e Milwaukee é uma equipe de elite nisso: a equipe não só cedeu o terceiro menor aproveitamento na pós-temporada aos adversários, mas também limitou suas tentativas em um nível histórico (nos últimos 11 anos, nenhum time cedeu tão poucas bolas no garrafão se ponderarmos pelo ritmo de jogo).
Sem pontos fáceis na cesta (méritos principalmente de Giannis Anteotkounmpo e Brook Lopez), os adversários acabavam tentando mais jump shots, mas principalmente das regiões menos eficientes da quadra, uma vez que Milwaukee também se focava em limitar as tentativas da zona morta por parte dos adversários. O Bucks foi a equipe que menos cedeu tentativas no corner por partida nos playoffs. Desse modo, restavam as bolas de três na parte superior do arco, e arremessos de meia distância, os mais ineficientes do esporte.
As bolas de três, por vezes, fizeram o Bucks sofrer, pois ainda são bem eficientes em geral, mas ceder a meia distância foi algo muito funcional. Sim, os adversários acertaram 47% nelas, uma marca alta para a região, mas ainda é bem menos eficiente do que bolas no aro (onde o aproveitamento médio passa de 60%) ou na zona morta (na faixa de 40% de três pontos, equivalente a 60% de dois). Inclusive, não se desesperar com os acertos de mid range de Devin Booker foi um ponto bem importante nas vitórias contra o Phoenix Suns.
Ao analisar números de playoffs, é importante considerar que trata-se de um conjunto de séries contra adversários distintos. Então, é também interessante ver os números por série.
Na primeira rodada, o Bucks demoliu o Miami Heat de maneira avassaladora, com uma ótima eficiência ofensiva de 115 (apesar do aproveitamento ruim do perímetro) e uma eficiência defensiva lendária para a NBA atual de 95.4. Não há muito o que falar dessa série. Os desempenhos foram extremamente desiguais na maioria dos quesitos.
Contra o Brooklyn Nets, o duelo foi mais complicado e o ataque de Milwaukee foi muito mal (só 104 de eficiência ofensiva). Em termos de saldo, o Bucks foi pior do que o Nets, mas sua defesa foi boa o suficiente para limitar a equipe que tinha acabado de quebrar o recorde de eficiência ofensiva da história da liga (117.3) a dez pontos abaixo de sua média. Sim, na série contra Milwaukee, o Nets teve um ataque com desempenho equivalente ao do Detroit Pistons na temporada regular.
As finais de conferência foram bem peculiares. Apesar da série ter sido relativamente longa, o ataque e a defesa do Bucks foram muito superiores aos do Atlanta Hawks. Os futuros campeões se sagraram vencedores da Conferência Leste com eficiência ofensiva de 116 e eficiência defensiva de 109.
Na final da NBA, o ataque foi pela primeira vez a chave da vitória. O Suns conseguiu, de certo medo, vencer a fortíssima defesa dos campeões e obteve uma eficiência ofensiva de 112, marca bem digna, especialmente considerando o adversário. Porém, Milwaukee fez 115 pontos por 100 posses, uma marca de elite, e que lhes deu o título.
O jogo do título foi marcado pelos 50 pontos de Antetokounmpo, que certamente será considerado o momento chave do astro na conquista do título. Mas os playoffs do grego foram absurdos como um todo: sua capacidade de chegar no aro foi lendária, a quinta maior dos últimos 11 playoffs (curiosidade, a quarta e a terceira também são marcas de Giannis em temporadas passadas), bem como seu aproveitamento COMPLETAMENTE SOBREHUMANO DE 78%! O número é ainda mais impressionante se considerarmos que a maioria dos jogadores altamente eficientes na região são pivôs como Javale McGee e Dwight Howard, que usualmente recebem a bola já perto da cesta em condições favoráveis. Antetokounmpo, por sua vez, tem boa parte de suas tentativas vindas do drible, com dificuldade muito maior, e, mesmo nelas, é muito eficiente: converteu 64% das tentativas em infiltrações, marca muito acima da média. Poucos jogadores na história da NBA foram tão talentosos em chegar na cesta e finalizar como o grego é hoje. Vale destacar também sua ótima eficiência como roll man no pick-and-roll (1.3 PPP) e sua ferocidade em putbacks (1.32 PPP). Isso sem contar sua capacidade defensiva, além de ser um excelente defensor de aro, a presença de Giannis permite uma defesa mais versátil do Bucks nos minutos sem Lopez, graças à sua capacidade de trocar a marcação.
Por outro lado, Antetokounmpo não é um grande jogador de mano a mano ou no poste. Desse modo é mais difícil gerar, nos finais das partidas, jogadas para o mesmo. É aí que entra Khris Middleton, a segunda estrela da franquia e principal criador de arremessos da equipe, se tornando praticamente o armador do time durante a pós-temporada. Ele quase dobrou o volume de pick-and-roll comandados em comparação à temporada regular, e, por mais que não tenha sido exatamente eficiente (0.9 PPP), ele ainda conseguiu ser ao menos digno nesse papel. Middleton também foi um dos 15 jogadores da liga que mais teve posses de mano a mano na pós temporada, e nelas foi relativamente eficiente (1.06 PPP, ótimo para uma jogada de meia quadra). No geral, os playoffs de Khris não foram muito eficientes, mas ele cumpriu o papel necessário de tentar os arremessos difíceis quando nada funcionava. E ele fez isso de modo que, ao menos, não comprometesse a equipe, algo que foi bem notório nos minutos finais de jogos, onde liderou a liga em pontos (43) e ainda teve boa eficiência de 1.13 pontos por arremesso.
Jrue Holiday, enquanto pontuador, teve um playoff muito ruim: angariou uma pífia True Shooting% de 48% e, em muitos momentos, seus arremessos forçados prejudicaram o time de Milwaukee. Porém, é necessário lhe dar méritos em dois sentidos. Jrue foi um ótimo passador na pós-temporada, gerando 8.7 assistências por partida, enquanto cometeu apenas 2.4 turnovers, e também foi um defensor esplêndido, sempre marcando o melhor armador adversário. Coube a ele marcar nomes como Trae Young, Chris Paul ou Devin Booker e Kyrie Irving ou James Harden (quando estiveram em quadra) por praticamente todas as posses em que jogou, e forçando uma infinidade de turnovers.
Dentre os demais jogadores, vale destacar a valiosa proteção de aro de Brook Lopez (junto de Giannis, o maior responsável pelo desempenho defensivo do time no garrafão), o aproveitamento de três do reserva Pat Connaughton (39%, melhor marca dentre os jogadores relevantes do time), os rebotes ofensivos de Bobby Portis (maior marca por posses do time) e a defesa de PJ Tucker (que conseguiu fazer com que Kevin Durant, ainda que pontuasse muito, tivesse uma eficiência apenas mediana, algo que salvou a série contra o Nets).
Também gostaria de elogiar Mike Budenholzer, que, apesar das críticas, em minha visão foi um ótimo técnico na pós-temporada, fazendo uma quantidade gigantesca de ajustes (a entrada de Tucker no time titular, o uso de formações com Giannis na 5, adoção de trocas defensivas contra o Hawks, adaptação na marcação de pick-and-roll contra o Suns, exploração da vantagem física de Giannis, aumento da minutagem dos titulares, etc). Sim, houve alguns erros (como a demora na execução de alguns dos ajustes), mas muito do sucesso do time passou por seu esquema, inteligência e ajustes. Vale lembrar que o Bucks não venceu só por talento, mas também por ter conseguido vantagens táticas consistentes em múltiplas séries, algo diretamente associado ao plano de Budenholzer.
Também gostaria de dizer que não compro essa de “asterisco” pelas lesões. Claro que jogadores se machucarem é lamentável, mas trata-se de algo recorrente e normal do esporte. Um jogador se contundir é, infelizmente, algo tão inerente ao basquete quanto arremessos errados, e ninguém diz que um time não mereceu um título porque seu adversário errou arremessos. É provável que o Nets tivesse vencido a série se estivesse com força máxima? Sim, muito. Mas para mim isso não desmerece o título e a qualidade dessa equipe de Milwaukee, que apresentou uma defesa lendária e um ataque competente, ambos centrados naquela que ainda é a região mais importante do esporte: o garrafão.
* Por Matheus Gonzaga e Pedro Toledo (Layups & Threes)
Siga o Jumper Brasil em suas redes sociais e discuta conosco o que de melhor acontece na NBA:
Instagram
YouTube
Twitter
Canal no Telegram
Apostas – Promocode JUMPER