Dia 4 de julho de 2016. No Dia da Independência dos Estados Unidos, Russell Westbrook postou em sua conta no Instagram uma foto de cupcakes, populares bolinhos doces, enfeitados com as cores da bandeira ianque, desejando aos seus seguidores um feliz feriado. Muitos milhões de seguidores, apenas uma pessoa em mente: Kevin Durant. Naquela mesma data, o ala anunciara sua decisão em deixar o Oklahoma City Thunder e assinar, agente livre irrestrito que era, com o Golden State Warriors. Àquela altura, o Warriors acabava de ser derrotado pelo Cleveland Cavaliers nas finais da NBA depois de liderar a série derradeira por três jogos a um e perder o campeonato: algo nunca antes feito. Poucas semanas antes disso, era o Thunder quem deixava uma liderança de três vitórias e uma derrota escapar frente ao Warriors nas finais da conferência Oeste da NBA. No episódio que já foi alcunhado como “a maior traição da história da NBA” ou como o “movimento mais covarde já feito por uma superestrela”, Durant declarou seu desejo, assinou com o time que manda seus jogos em Oakland e deixou Westbrook, seu antigo parceiro, sozinho a liderar uma nova campanha para a equipe de Oklahoma City. Ah, os cupcakes: era assim como o ex-pivô Kendrick Perkins, campeão com o Boston Celtics em 2008 e vice-campeão com o Thunder de Durant e Westbrook em 2012, chamava seus companheiros nos vestiários quando eles atuavam sem garra, sem vontade, quando agiam de forma soft, muito leve. Milhares de seguidores, apenas uma pessoa em mente: Kevin Durant.
Este não é um artigo em revisão ao que houve ou ao que levou Durant a não reassinar com o Thunder, time pelo qual ele ganhou o prêmio de MVP da NBA pela temporada 2013-2014 e onde ele era considerado o melhor atleta da curta história do time, advindo da transformação do artigo Seattle Supersonics. Ele era. Para muitos, ao menos. O espaço deixado por Durant, o vácuo da necessidade de um novo ídolo para uma comunidade carente de atenção e o ímpeto pelo holofote principal guiaram um impiedoso Westbrook a uma campanha em 2016-2017 que já o faz memorável na história da NBA, além de super-herói favorito em todo o estado de Oklahoma. Diante daquela que é possivelmente a mais acirrada disputa pelo prêmio de melhor jogador da temporada em todo o período de distribuição do prêmio (desde 1955-1956), os feitos de Westbrook não podem passar em branco, ainda mais pelos componentes além das quatro linhas. E não: este não é um artigo em defesa absoluta da premiação do camisa zero como MVP desta temporada, mas sim um recorte do tempo em que vivemos, do esporte que amamos e do inimaginável que acontece aos nossos olhos.
Ao tempo em que escrevo, o Houston Rockets já venceu o Thunder na primeira partida da série de primeira rodada entre ambos nos playoffs da conferência Oeste. O armador James Harden, que, ao lado de Westbrook, é o maior favorito à honraria máxima individual da Liga, fez uma partida monumental e novamente guiou sua equipe a um triunfo. Harden tem sido soberbo, monumental, supremo. Joga com facilidade absurda, com habilidade advinda de um dom e com um instinto vitorioso não antes visto em seu repertório. A terceira colocação em sua conferência na fase de classificação, além da terceira melhor campanha geral da NBA para o Rockets na temporada regular, contando ainda zilhões de estatísticas favoráveis a ele, das mais simples às mais elaboradas, corroboram sua indicação ao troféu Maurice Podoloff. Harden teve sua posição em quadra alterada, trabalha com seu atual técnico pela primeira vez na carreira, guia um sistema completamente novo para si e para os companheiros, e atingiu as melhores marcas de pontos e assistências por partida, duplos-duplos, barba mais respeitada do mundo esportivo, contrato com a Adidas que rendeu o tênis mais bonito e melhor affair com irmã Kardashian de sua carreira. O homem chegou lá. Ponto final. Não adianta muito discutir, não adianta muito reclamar, não adianta muito argumentar. Harden fez e aconteceu. Só que havia Westbrook.
Coisa de um mês atrás e eu não tinha qualquer dúvida. O camisa 13 do time texano era o melhor jogador da temporada, guiava seu time às tão importantes vitórias, realizava uma evolução no status do Rockets e imprimia a todos ao seu redor um ponto alto de suas carreiras: Ryan Anderson e Eric Gordon passavam de contratações contestadas a sólidos pontuadores, Trevor Ariza e Patrick Beverley deixavam de ser peças apenas defensivas, Clint Capela não era mais apenas promissor e Nenê voltara a ser extremamente importante para o garrafão de uma equipe que luta por título. O técnico Mike D’Antoni é, mais uma vez, favorito a ser escolhido como treinador do ano após campanhas muito decepcionantes no New York Knicks e no Los Angeles Lakers em anos anteriores: tanto que o que lhe havia restado é “meramente” a assistência técnica no Philadelphia 76ers. Harden, sim, fez e aconteceu. Só que havia Westbrook.
O ala Kawhi Leonard, do San Antonio Spurs, atingiu outro nível em sua carreira profissional. De promissor defensor de perímetro a possível melhor jogador da temporada, o camisa dois atingiu muitas das melhores marcas da carreira, guiou um Spurs carente da lenda Tim Duncan a segunda melhor campanha da NBA e atingiu reconhecimento mundial como estrela: o “assassino silencioso”, como é conhecido, ganhou fama merecida e muitos apelidos. Já LeBron James dispensa apresentações: melhor jogador de basquete do mundo, James agora descansa quando necessário e brinca de ser o melhor small forward da história a cada noite. Continuamos testemunhando sua grandeza a cada enterrada, a cada caixa de estatísticas recheada que ele propõe, a cada dominância sobre o adversário que ele impõe. Atual campeão, busca a sétima final seguida de Liga – seria a oitava de sua carreira de 14 temporadas – e ainda conseguiu imprimir muitas das melhores marcas de sua legendária trajetória nesta campanha. Só que havia Westbrook.
Eu não sou um legítimo fã de Russell ou da forma como ele joga. Durante muitos anos, o achei um jogador desequilibrado, afoito, propenso ao desperdício de bola e ao arremesso precoce e fadado ao erro. Tinha a noção que ele era um complemento satisfatório ao jogo de Durant e que ocupava bem seu papel como segunda força de um Thunder que chegou às finais da NBA perdendo para o Miami Heat onde, então, LeBron James atuava. Tinha a impressão que a temporada do Thunder sofreria para engrenar em razão da falta que faria um jogador futuro Hall da Fama do basquete, e que isso necessitaria de tempo até se chegar aos ajustes mais finos. Cheguei a duvidar que a equipe, também já sem o ala-pivô Serge Ibaka e recheada de atletas jovens e não tão experientes, pudesse chegar aos playoffs em uma conferência tão forte como é o Oeste. Só que havia Westbrook.
A questão principal é que me nego a não reconhecer a grandeza dos feitos de Westbrook em contraponto às especulações de que seus companheiros jogam muito em razão do crescimento de suas estatísticas pessoais; às discussões vazias das redes sociais que preterem um jogador em preferência de outro, deturpando o valor e a beleza de tudo aquilo que é realizado em outras equipes e por outros jogadores; e aos argumentos de que Westbrook prefere buscar os seus triplos-duplos a vencer partidas. Isso beira a desonestidade intelectual e desafia meu conhecimento como apreciador de basquete. Eu não quero crer que um atleta profissional, representante de uma comunidade, produto de uma conceituada universidade, rosto de marcas patrocinadoras de alcance global e ídolo máximo de uma franquia esportiva queira sujeitar seu maior bem, que é o seu nome, dessa forma na fogueira dos comentários negativos, voláteis e rapidamente fabricados para diminuir o que de mais puro pode haver um ser humano: sua paixão, seu desejo, seu trabalho. Westbrook ama o basquete. O basquete é sua vida. Ele dedica sua vida ao jogo. Podemos ver isso claramente.
Criança negra e pobre dos subúrbios de Los Angeles, garoto franzino demais para as peneiras onde os olheiros separam aqueles que poderão continuar sonhando com um futuro garantido com o qual todos sonham para a família, armador relegado ao papel coadjuvante na Universidade de UCLA e depois na equipe que ajudou a construir: Westbrook superou muitos desafios até chegar a um dos pontos mais desafiadores de sua vida e de sua carreira. Quando postou a foto dos cupcakes no Instagram, Russell começava a botar pra fora toda a raiva que o motivou à glória com que sedimentou a melhor temporada de sua vida: uma das melhores da história. Alcançar os 42 triplos-duplos em uma temporada e bater a marca anterior, de 41, do lendário Oscar Robertson, é cravar seu nome na eternidade do esporte. Alcançar médias de triplo-duplo durante toda a campanha é desafiar os limites físico, biológico, emocional e psicológico de seu corpo e mente: mais que isso, é vencê-los, é ir além do “apenas” humano. Westbrook quebrou recordes não antes possíveis de ao menos se obter aproximação, contabilizou milhares de horas dentro de ginásios em preparação, evolução e execução da própria história, da história da Liga, da história do jogo. Há clichês e há dizeres populares que sugerem que só há jogadores assim de 50 em 50 anos: houve Westbrook, há Westbrook.
O comparativo que o afasta da consagração como most valuable player é o fato de Harden ter guiado o Rockets a uma melhor campanha enquanto registrou uma das temporadas ofensivas mais fantásticas já guardadas; é a noção de que James é um dos melhores e mais completos esportistas americanos de todos os tempos, em todas as modalidades; é o reconhecimento da execução mais que perfeita de Leonard em todos os fundamentos ofensivos e defensivos de um jogo que prima pelo que é feito dos dois lados da quadra. Se qualquer uma dessas coisas pode afastar Russell Westbrook de ser coroado como o melhor jogador dessa temporada da NBA – e seu sucesso ou fracasso nas fases preliminares dos playoffs certamente pesarão para isso -, nada, entretanto, poderá extirpar seu nome das marcas de recordes, dos livros de histórias, das memórias daqueles que acompanharam a debandada de Durant para outra equipe, enquanto o Thunder se remontava, se encolhia e se voltava para o seu camisa zero. Westbrook foi mais que o necessário para o time de Oklahoma City: ele foi o remédio para a dor momentânea daquela cidade, o antídoto contra qualquer investida de rebaixar a franquia e seu poder de fogo, a resposta para qualquer dúvida. Quando menos se esperava e quanto menos se acreditava, houve Westbrook. Não se pode mais crer que não. Não se pode mais duvidar dele ou do que ele possa fazer. A ver Westbrook, pois ele ainda há de haver.