O mundo ao contrário (ou Quanto vale o show?)

Guilherme Gonçalves volta ao Jumper após sete anos para falar sobre os atuais contratos da NBA

Fonte: Guilherme Gonçalves volta ao Jumper após sete anos para falar sobre os atuais contratos da NBA

Sete anos. A minha última lembrança é de varar a madrugada e ir pra cama às 6h depois de acompanhar a final olímpica do basquete masculino de Pequim-2008, fazer o resumo do jogo e achar a foto perfeita para a postagem que foi ao ar no NBA Jumper, hoje mais conhecido (e bota mais conhecido nisso!) como Jumper Brasil. Os Estados Unidos venciam a Espanha e retornavam ao trono do basquetebol masculino mundial. Entre janeiro de 2007 e agosto de 2008 o Jumper foi um filho pra mim – daqueles que te fazem ir dormir sempre tarde, e que te deixam sempre com sono, mas sempre feliz – e eu gosto de dizer aos meus amigos que foi a minha banda de rock da adolescência: pouca gente sabia o que fazíamos, mas importava mesmo era fazer, e fazíamos para satisfação pessoal. Fiz parte de um grupo fantástico que segue – em grande parte – até hoje no site. De alguns que eram colegas ou meros colaboradores me tornei fã… Meio sumido, meio distante, mas sempre fã. Sete anos depois eu retorno. Se aceitarem que sete anos não foi tanto tempo assim, quem sabe pra mais que este mero artigo.

Uma vez Nando Reis escreveu que “o mundo está ao contrário e ninguém reparou”. Parece que não mesmo! Volto à escrita pra me indignar e pra fazer coro a você que deve imaginar o mesmo: o que diabos acontece nessa primeira semana de assinatura de contratos dos agentes livres da NBA? Meu amigo, que desespero: pior que o preço da picanha do churrasco de domingo ou que ver a Seleção Brasileira recorrer a jogadores que migraram para os excêntricos mercados chinês e árabe (até porque, infelizmente, já nos acostumamos com Ucrânia e a cota Shakhtar Donetsk há muitas convocações) é ter de ver um caminhão de dinheiro despejado em jogadores, digamos, apenas comuns. Com muito boa vontade encontra-se um muito bom jogador por cifras outrora aceitáveis. Mas, feito Jack, o Estripador: às partes.

A explicação para tal prática libidinosa é mais ou menos a seguinte: a NBA assinou seu último acordo de transmissão das partidas com as televisões norte-americanas no ano passado e este acordo, válido por nove anos e com início na temporada 2016-2017, prevê um substancial aumento de cotas para a liga, algo que, consequentemente, alterará – em muito e para cima – o teto salarial das franquias. É natural que em acordo coletivos, praticados nas ligas esportivas americanas e, em alguns casos no futebol, como na Premier League britânica, todos os times ganhem de forma equivalente em face de uma das razões de ser de qualquer esporte: o entretenimento voltado para o público. Nada mais normal. O caso da NBA, entretanto, ainda é mais específico, já que com a abertura da liga para os quatro cantos do mundo em termos de marketing, atração de jogadores para os Estados Unidos e maior captação de patrocínios, como nos nomes das arenas desde os anos do comissário David Stern e agora sob a batuta de Adam Silver, a venda dos direitos de transmissão adquire um valor comercial, estratégico e até mesmo político de grandeza nunca antes obtida.

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O problema advindo com essa situação, todavia, é algo com o qual os amantes do ludopédio nacional já se acostumaram nos últimos anos no Brasil. Com a implosão do Clube dos 13 em 2011 e a assinatura individual dos clubes com a televisão dona dos direitos de transmissão da maioria dos campeonatos de futebol no país, houve, basicamente, um aumento nos honorários de jogadores e treinadores sem que se prestasse atenção à qualidade destes mesmos e do espetáculo que produziam. Infelizmente, é natural de se escutar que um atleta hoje ganha R$ 500 mil mensais sem ao menos já ter sido campeão pelo clube que defende. Quando eu era moleque – e isso só tem uns quinze anos, apesar dos meus já brancos cabelos – quem ganhava 500 mil reais a cada trinta dias era o Romário: o Romário, meu caro! Se você não viu o Romário jogar em alto nível, eu lamento muito por você… Muito mesmo! Campeão do mundo, melhor jogador do planeta e alguém que largou as tapas em Barcelona pra jogar futevôlei em Ipanema. Romário podia. Hoje, é quase obsceno saber que o Cristian (!), volante (!!) reserva (!!!) do Corinthians em final de carreira (!!!!) ganha esse montante e tudo isso passa desapercebido. E olha que eu sou corintiano (sem clubismo, hein?!). A NBA está prestes a ver um movimento muito parecido com o passar dos anos e isso soa muito estranho aos fãs da bola laranja que já acompanham o basquete norte-americano de outrora. Você duvida? Duvide não, meu rei… Não diga que eu não o avisei.

Senão, vejamos. O primeiro dia de assinaturas de contratos para os agentes livres foi quarta-feira passada, dia 1º de julho. Eu não tenho a mínima ideia do momento em Vossa Excelência está lendo esse texto, e se já chegou até aqui apesar de todas as besteiras acima descritas, só me restam duas palavras: muito obrigado. Mas, até agora, a última novidade é que o jogador mais procurado por 31 entre 30 franquias da liga, o ala-pivô LaMarcus Aldridge, que era irrestrito ao Portland Trail Blazers, assinou por quatro anos com o San Antonio Spurs e vai ouvir belos gritos – no bom e no mau sentido – do genial Gregg Popovich. Dwyane Wade já renovou com o Miami Heat, Kevin Love já renovou com o Cleveland Cavaliers e LeBron James deve fazer o mesmo: é o que se espera…

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Por falar em James, duas notícias me chamaram muita atenção nessa semana e me motivaram a aqui escrever: levantamento da ESPN ianque mostrou que o ala já recebeu, somente em salários em sua carreira de 12 temporadas na NBA, cerca de 150 milhões de dólares. A comparação deste levantamento mostrava também que o boxeador Floyd Mayweather Jr., o atleta mais bem pago do mundo, recebeu uma bolsa equivalente a cerca de US$ 220 ou US$ 230 milhões por sua luta contra o filipino Manny Pacquiao, naquela que ficou conhecida como a “luta do século”. James, assim, foi recrutado pelo Cavaliers em 2003, levou sua equipe às finais da Liga em 2007 e 2015, foi campeão liderando o Miami Heat em 2012 e 2013 e carrega seu time nas costas rumo à terra prometida das Finais nas últimas cinco temporadas: quatro com o time da Flórida, a última com o time de Ohio. Mayweather lutou por cerca de 36 minutos, foi campeão unânime – por pontos – e embolsou praticamente 700 milhões de reais pela cotação atual, caso ele queira converter isso em reais pra garantir umas geladas do tipo Glacial ou Bavária em solo brasileiro.

Sem querer comparar os esportes, a audiência e o retorno financeiro entre basquete e boxe ou James e Mayweather, a segunda notícia me deixou pensando ainda mais. O muito bom ala-pivô Anthony Davis, do New Orleans Pelicans, decidiu ficar na equipe na qual foi recrutado à NBA por mais seis temporadas pela bagatela de US$ 145 milhões: arredondando, 29 milhões de dólares por temporada. Volte umas poucas linhas, querido e estimado leitor: James angariou US$ 150 milhões em salários por 12 temporadas, uma média em torno de 12,5 milhões de doletas a cada ano. É claro que o camisa 23 do Cavaliers é um atleta extremamente rico, embolsa rios de dinheiro com patrocínios e outros negócios, mas repense bem: LeBron já foi eleito por quatro vezes o jogador mais valioso da NBA, chegou a seis finais, é bicampeão olímpico e… angariou em 12 anos o que Davis ganhará com seu novo contrato em seis, a partir da temporada 2016-2017. Contrato este o mais rentável já assinado na história da NBA! O mais alto valor por temporada, entretanto, pertence a um certo Michael Jordan que em 1997 assinou por mais um ano para ganhar seu sexto título com o Chicago Bulls por módicos US$33 milhões.

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Floyd Mayweather

Mayweather relaxa: tal qual na NBA, dinheiro não falta ao atleta mais bem pago do mundo

É justo?

Não é uma questão de justiça, e sim uma questão de análise de mercado e da nova era de negociações. Damian Lillard, talentoso armador do Blazers que é profissional desde 2012, ficará em Oregon por mais cinco anos sob o ordenado de US$ 125 milhões: 25 milhões de dólares para cada ano que liderar seu time na selvagem Conferência Oeste. Dwyane Wade, entretanto, acaba de assinar o contrato mais vantajoso de sua vida: US$ 20 milhões ele receberá pela próxima temporada no sul da Flórida. Claramente, já estamos falando de um jogador em período descendente em sua carreira, marcada por glórias mas também muitas lesões. Wade, todavia, é três vezes campeão da NBA e o maior jogador da história do Heat. O valor que Lillard receberá por temporada a partir do ano que vem nunca foi alcançado também por gênios da bola, como Tim Duncan (cinco vezes campeão pelo Spurs e, para muitos, o melhor ala-pivô da história) e Dirk Nowitzki (outro campeão e para tantos outros o melhor estrangeiro a já pisar na NBA), jogadores que passaram suas vidas defendendo apenas uma equipe e também os melhores atletas de sempre em seus respectivos uniformes.

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É justo?

Vindo para o campo dos atletas mortais, veja outra comparação. O armador Goran Dragic assinou um novo vínculo com o mesmo Heat acima descrito na casa dos US$ 90 milhões por cinco temporadas. O esloveno, 29 anos de idade, faz possivelmente seu último grande contrato na liga para carregar a bola por Miami, onde Wade e o ala-pivô Chris Bosh serão as primeiras opções de ataque, depois de passar vários anos no Phoenix Suns, onde iniciou a carreira sendo reserva do lendário Steve Nash. O ala Kawhi Leonard, do Spurs de Duncan e agora também de Aldridge, fechou contrato com o time do Texas por iguais valor e período. A diferença é que Leonard é cinco anos mais jovem, foi eleito MVP das Finais de 2014, escolhido como melhor defensor da temporada 2014-2015 e tende, com as iminentes aposentadorias do camisa 21 de San Antonio e do argentino Manu Ginobili nos próximos anos, aprimorar ainda mais seu bom poderia ofensivo por maiores chances e tentativas.

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E agora: ainda é justo?

Inúmeros novos contratos estão sendo negociados, saltando aos olhos de jogadores, da imprensa e de fãs em geral. Como a NBA possui seus restritos 30 times e os elencos possuem um número reduzido de jogadores, a fatia generosa deste bolo de dinheiro será distribuída entre atletas de uma forma até anos atrás inimaginável para quem acompanha o melhor basquete do mundo. Os tempos são outros, jogadores são cada vez mais vistos como produtos a serem explorados em diversas áreas para retornos midiático e financeiro e, assim, desejam um retorno para si cada vez maior. Isso, sim, é justo: não há, sobremaneira, que se desmerecer ou relegar os ganhos ou vantagens de ninguém, muito menos desses atletas que dedicaram suas vidas para chegar ao sonho de jogar no melhor e mais difícil basquete do mundo.

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O novo contrato de direitos de transmissão de partidas da NBA para a televisão começa a valer somente na temporada 2016-2017: especialistas alegam, inclusive, que LeBron James, o melhor jogador do mundo, guarda para depois dessa data, em 2017-2018, baseada em projeções de teto salarial, uma tentativa de contrato em mais de US$ 200 milhões por cinco anos, o que o tornaria o jogador com contrato mais rentável e de maior salário anual na história da Liga.

Todas as análises e comparações acima não têm o interesse em denegrir nenhum jogador ou atleta, nem mesmo embaraçar qualquer um deles em decorrência de seus ordenados ou ganhos, trazidos à luz por publicações especializadas, tal qual a Forbes ou sites e periódicos voltados para o basquetebol. O que quero aqui é considerar a mudança dos tempos, a passagem dos anos, os valores exorbitantes que envolvem um esporte, que determinam vidas, que escrevem a história do mundo. Um mundo em constante movimento e em rotações cada vez mais rápidas, tal qual a bola laranja. Tudo acaba dependendo do ponto de vista e da situação que se apresenta, mas… Parafraseando o gênio televisivo – o homem, o mito – Silvio Santos e seu icônico Show de Calouros: e pra você, quanto vale o show?

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