
Muggsy Bogues: enquanto jogador (à direita) e em viagem ao Rio de Janeiro durante o NBA Global Games 2015 (à esquerda)
Muggsy Bogues é, por natureza, um alvo dos mais fáceis para trocadilhos e “tiradas” na NBA. Mas, deixando de lado qualquer figura de linguagem, ele foi um grande jogador. O atleta mais baixo da história a atuar na liga foi muito mais do que apenas uma curiosidade, um “baixinho” em um mundo de “gigantes”.
Com apenas 1.60m de altura, o armador trilhou uma carreira de 14 temporadas e quase 900 jogos na maior liga de basquete do planeta. Bogues é considerado o melhor armador que já vestiu a camisa do Charlotte Hornets e conduziu a franquia a duas das quatro semifinais de conferência que disputou em sua história. Deixou as quadras como o 16º jogador com mais assistências em todos os tempos na NBA (6.726). Ele é, simplesmente, dono de uma das trajetórias de sucesso mais improváveis e fantásticas que a NBA já viu. Trajetória que, na semana passada, foi homenageada no Rio de Janeiro durante o Global Games Rio-2015.
À convite da rede Marriott, marca de hotéis parceira oficial da NBA em eventos ao redor do mundo, o Jumper Brasil foi recebido no camarote do Marriott Rewards para entrevistar com exclusividade Muggsy Bogues. Ricardo Stabolito Jr. conversou com o icônico armador, conhecido pela fala mansa e enorme simpatia, sobre a passagem pelo Rio de Janeiro, o início de carreira, sua história na NBA e no Hornets, o estado atual da liga, um “quase filho” que brilha na NBA hoje em dia e um possível próximo representante da família Bogues a brilhar no basquete profissional. Confira:
Jumper Brasil – Primeiramente, quais são suas impressões sobre o Rio de Janeiro após esses dias por aqui?
Mugssy Bogues – Tem sido uma experiência inacreditável. Todos nos receberam de braços abertos, com muita hospitalidade. Foi ótimo participar das clínicas com as crianças, ensinando o basquete ao mesmo tempo em que passamos as mensagens do NBA Cares sobre vida saudável e confiança. Foram dias realmente espetaculares.
JB – Muggsy, você é um cara único. Ter uma carreira como a sua na NBA com 1,60m de altura é uma das histórias mais impressionantes da liga. Olhando para trás, quais foram as habilidades que permitiram que tivesse uma carreira tão bem sucedida em um ambiente tão fisicamente desafiador?
MB – Todos falam que eu tinha excelente controle de bola e velocidade, por exemplo. Tinha mesmo. Mas foi a inteligência e compreensão da dinâmica do jogo que colocaram-me em outro patamar comparado a outros jogadores mais baixos da liga. O modo como eu jogava, observando meus companheiros o tempo inteiro para passar a bola e entendendo quais eram meus pontos fortes, fazia com que minha presença fosse sentida em quadra e todos pudessem tirar vantagem das minhas habilidades.
Aqui está algo que muitos não entendem: você precisa ter um domínio técnico sensacional para atuar na NBA, mas foi o conhecimento e inteligência sobre o jogo – entender como as coisas funcionam dentro de quadra –, que proporcionaram-me aproveitar meus talentos ao máximo.
JB – Com seu tipo físico, eu só posso imaginar quantas pessoas falaram para você: “Muggsy, esquece o basquete!”. Como foi conviver e superar esse tipo de desencorajamento?
MB – Foram muitas pessoas que falaram isso ao longo da minha carreira. Muitas mesmo. Mas queria provar que estavam erradas diariamente. Por sorte, desde muito jovem, eu fui um cara decidido e durão para transformar todo o criticismo em motivação. Vindo de onde eu vim [dos subúrbios de Baltimore, Maryland], acreditava em mim mesmo e tinha confiança naquilo que era capaz de fazer. Até porque, no fim das contas, ninguém mais acreditava. Sempre estive preparado para mudar o pensamento das pessoas e foi com essa mentalidade que cheguei até aqui.
JB – Voltando ao início de sua carreira, existia algum armador que você admirava e em quem espelhava seu jogo?
MB – Ninguém no basquete profissional era como eu, sabe? [risos] Era difícil encontrar alguém para emular, porque ninguém era ou jogava como eu. Provavelmente, o jogador mais baixo da NBA quando comecei era “Tiny” Archibald, que tinha algo como 1.85m. Ele até que era bem alto e o esporte não tinha caras baixos. Eu não tinha alguém para seguir. Mesmo alguém como Calvin Murphy [atleta de menor estatura a ser eleito para o Hall da Fama], que havia atuado antes de mim, possuía uns 15 centímetros a mais do que eu e estilo absolutamente diferente do meu. Na verdade, havia um cara na minha vizinhança que batia uma bola com a gente e sempre atuou mais ou menos como eu. Ele acabou virando meu modelo. Sei que não é glamoroso, mas foi assim comigo.
Bogues é celebrado por Larry Johnson, Alonzo Mourning e Dell Curry, companheiros de Charlotte Hornets no início da década de 1990
JB – Você jogou em alguns dos melhores times da história do Hornets, Muggsy. A equipe de 1993, por exemplo, é uma que não sai da minha cabeça e sempre achei subestimada. Tinha Alonzo Mourning, Larry Johnson, Kendall Gill no melhor momento da carreira. Aquele foi o melhor time em que você jogou?
MB – Olha, eu acho que sim. Aquele time, com Alonzo e Larry, colocou Charlotte no mapa da NBA e tenho muito orgulho disso. Tivemos alguns ótimos anos lá. Era realmente divertido jogar com aqueles caras e todos me respeitavam como um líder lá. Infelizmente, nós sofremos algumas contusões em momentos cruciais daquelas campanhas que evitaram que pudéssemos dar mais um passo e sermos reais candidatos ao título. Tivemos muito sucesso chegando aos playoffs com regularidade e ganhando a atenção do país, mas lesões fazem parte do jogo e algumas delas, no período específico em que aconteceram, limitaram nosso potencial como grupo.
JB – Alonzo agora está no Hall da Fama e você jogou com alguns outros caras que estão lá. Dá para falar em quem foi o melhor jogador com quem você jogou?
MB – Foram muitos grandes atletas. Eu posso te dizer que tive muita sorte com meus companheiros de time. Quando fui draftado pelo Washington Bullets, eu joguei com o saudoso Moses Malone e Manute Bol, por exemplo. Fui para Charlotte e tive o privilégio de atuar com Alonzo e Larry. Depois, tive Glen Rice e Vlade Divac ao meu lado. Olhando para trás, eu vejo que tive muita sorte nesse sentido.
JB – A posição de armador mudou muito nos últimos anos, Muggsy. Os jogadores de hoje em dia parecem muito mais atléticos, agressivos e menos orientados para passar a bola – em especial, quando comparamos a alguém como você, que está entre os 20 maiores assistenciadores da história da NBA. É estranho para você ver como os armadores jogam atualmente?
MB – Quer saber, a questão é que o basquete mudou. Certamente temos mais armadores orientados para a pontuação hoje em dia comparado ao meu tempo, mas acho que o jogo atual exige isso. As regras da NBA mudaram e, por não termos tanta permissão para o jogo físico, acredito que os atletas mais agressivos com a bola nas mãos são recompensados. E ainda mais importante é que acho que temos alguns jogadores mais clássicos por aí, como Chris Paul. Chris é muito bom. Há jogadores aparecendo na liga e revolucionando a posição a cada dia, como Stephen Curry – com sua habilidade de arremessar e passar a bola em velocidade saindo do drible.
O ponto principal para mim é que, independente das mudanças, o basquete continua sendo praticado em altíssimo nível. Nós temos vários tipos de armadores com diversas habilidades diferentes, de Kyrie Irving a Tony Parker a Elfrid Payton. Isso é a NBA, atletas do mais alto nível trazendo diferentes qualidades para causarem impacto em quadra.
JB – Falando em Elfrid Payton, nós vimos você batendo um papo com o armador do Magic nos treinamentos da última sexta-feira. O que você acha dele e que tipo de dicas deu para passar ali na conversa?
MB – Elfrid é um ótimo garoto, um dos grandes jovens talentos da posição hoje em dia. Ele está se desenvolvendo como um líder em quadra e acho que tem tudo para ter um futuro brilhante na NBA, pois sempre está disposto a ouvir e aprender. No treino de sexta, eu dei algumas dicas sobre longevidade e como estender sua carreira, porque essa é uma liga repleta de lesões e que exige resistência – física e mental – dos nossos jogadores. Por esse ponto de vista, fazer uma carreira na NBA é muito mais difícil do que quem vê de longe imagina.
https://www.youtube.com/watch?v=PXTHy4BoMyA
JB – Muggsy, você jogou com o Dell Curry por mais de dez anos. Quase sua carreira inteira, na verdade. Então, você deve ter visto muito do garoto Stephen Curry…
MB – É, vi mesmo. Pode-se dizer que eu ajudei a criar Steph [risos]. Dell e eu sempre fomos grandes amigos e nossos filhos andaram bastante juntos quando crianças, mesmo nos vestiários após as partidas. Eles cresceram juntos, aprendendo a jogar conosco. Steph claramente absorveu muita informação daqueles tempos e foi capaz de aplicar em quadra agora. Gosto de pensar que ele aprendeu algumas coisas comigo, sabe? Está atuando no mais alto nível hoje em dia.
JB – Deve ser muito louco pensar que aquele garoto que você ajudou a criar é o MVP agora, né?
MB – É loucura, cara. Ninguém esperava isso quando Steph era criança, mas eu vou dizer algo a você: não poderia estar mais feliz e orgulhoso por ele. Tenho muito orgulho da forma como ele aprendeu o jogo ao longo dos anos, desde quando brincava com meus filhos. Steph sempre foi um ótimo garoto.
JB – Desculpa, Muggsy, mas vou te colocar contra a parede. Quem é melhor arremessador: Dell ou Stephen?
MB – Essa aí é complicada [risos]. Steph é o melhor arremessador saindo do drible que já vi na NBA. Na vida. Ele é realmente especial. Mas Dell tinha uma mecânica de arremesso que era absolutamente perfeita. Cara, eu tenho que dar a vantagem para meu amigo Dell porque tudo começou com ele, sabe? [mais risos]
JB – E, falando em crianças, a sensação do momento na família Bogues é o seu neto, né? Samartine virou uma sensação no youtube nos últimos meses. Ele parece ser um ótimo garoto e muito habilidoso também, como o avô. E aí, podemos esperar mais um Bogues na NBA em breve?
MB – Eu espero que sim. Eu realmente torço para que sim, cara. Ele ama jogar basquete e nós estamos ensinando o esporte aos poucos para Samartine. Mas quer saber o que é mais legal? Ele é um talento natural, nasceu para estar em quadra. Como eu, ele possui uma inteligência e compreensão do jogo muito alta para um garoto da sua idade. Nós estamos muito felizes por Samartine, mas ensinando-lhe aos poucos, mantendo seus pés no chão e focado nos estudos, que é o mais importante. Vamos ver. Quem sabe ele não aparece na NBA, quem sabe…
PS: Nós fechamos a entrevista agradecendo mais uma vez à rede Marriott, através do programa Marriott Rewards – e, especialmente, à Verônica Petrelli – pela oportunidade única de conversar com Muggsy Bogues enquanto esteve no Rio de Janeiro.