Chaves da Formação #3: Dannyel Russo, do Basquete Cearense, reflete sobre basquete no nordeste

Treinador de base é o único remanescente de maneira ininterrupta desde a fundação do projeto do ‘Carcará’, em junho de 2012

Fonte: Treinador de base é o único remanescente de maneira ininterrupta desde a fundação do projeto do 'Carcará', em junho de 2012

Nas últimas décadas, a elite do basquete brasileiro tem se notabilizado por um cenário absolutamente centrado na região sudeste. Em 2008, na primeira edição do Novo Basquete Brasil (NBB), doze das 15 equipes participantes se dividiam entre os estados de São Paulo (oito), Rio de Janeiro (um), Espírito Santo (dois) e Minas Gerais (um). Os outros três participantes se distribuíam entre a região sul (dois) e centro-oeste do país (um).

O primeiro representante nordestino adentrou ao NBB apenas na temporada 2012-2013, na quinta edição: o Basquete Cearense. Desde então, embora pouca coisa tenha mudado na composição geral do principal torneio de basquete do país (12 dos 16 participantes da última edição estão Sudeste), o ingresso do “Carcará” abriu uma avenida importante para o fomento do basquete no nordeste. A Unifacisa, agora, também está na elite nacional, por exemplo.

É sobre esse cenário de busca por uma maior inserção do nordeste que centramos nosso bate-papo na terceira edição da série “Chaves da Formação”: o convidado da semana é o hoje coordenador das categorias de base do Basquete Cearense, Dannyel Russo. Trata-se do único membro remanescente de maneira ininterrupta desde a fundação do projeto, há oito anos.

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Durante o período, o treinador de 47 anos – graduado em educação física e especializado em fisiologia do exercício, atividade física, nutrição e saúde – passou por todas as categorias de base do clube, da escolinha ao sub-22, até ocupar o posto de técnico principal do “Carcará” nas duas últimas edições do NBB.

Muito antes de ingressar no projeto, porém, Russo já desbravava os mais diferentes níveis do basquete regional e estadual, passando pela função de assistente técnico das seleções brasileiras de base em diversas ocasiões, bem como comandando a seleção cearense ao longo dos últimos 20 anos. É com a experiência e a expertise de um profissional laureado como treinador mais vitorioso da história do estado do Ceará, com mais de 50 títulos, que ele discutiu com a Central do Draft o atual estágio e os próximos passos da formação de atletas no país – sobretudo, no nordeste. Confira:

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Central do Draft – Como você avalia o atual estágio do desenvolvimento do basquete do nordeste? Não apenas como fornecedor de ‘mão de obra’ com os talentos que se deslocam da região para brilhar em outras praças do basquete nacional, mas também no que diz respeito à estruturação das equipes da região – dentre as quais o Basquete Cearense é referência.

Dannyel Russo – O desenvolvimento de atletas no Nordeste está cada vez mais evoluindo, conseguimos notar a melhora nos trabalhos dos estados nordestinos nos eventos de base estaduais e nacionais (LDB/CBC/Jogos escolares nacionais), técnicos mais preparados e consequentemente melhores atletas no cenário. As estruturas dos clubes do NE também estão melhorando, ainda mandamos jogadores para os grandes centros, mas a tendência é que, em pouco tempo, isso diminua e acabe que eles fiquem e continuem na caminhada até chegarem na categoria principal no clube onde se formaram.

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Atualmente na equipe profissional do Basquete Cearense, contamos com quatro jovens atletas formados da base do clube, Gabriel Fernandes (23 anos), Rafael lassanse (21 anos), ambos com quatro anos na equipe principal, Bruno Luiz (22 anos) e João Gabriel (18 anos), com três anos de time profissional.

Trabalhamos hoje com um grupo chamado de “Desenvolvimento de Talentos”, que jogam campeonato cearense adulto, CBC/LDB, mas que não existe tanta cobrança nos resultados, o que queremos é que tenhamos, em breve, mais jogadores cearense com condições de estarem no grupo dos profissionais.

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No comando da equipe principal do Basquete Cearense, Russo buscou dar oportunidades aos garotos da categoria de base

Central do Draft – Conversamos informalmente sobre o biotipo dos atletas da região nordeste, sobretudo os garotos do estado da Bahia, onde existe uma abundância de jovens de tipo longilíneo – físico propício para o basquetebol. O que falta para transformarmos essa aptidão física ‘crua’ em jogadores de basquete de bom nível técnico? Como os clubes de mais estrutura para a formação podem prospectar nesses locais para dar o suporte necessário para um desenvolvimento físico e técnico?

Dannyel Russo – A criação de projetos sociais de qualidade, com gestores da área do esporte, seria uma excelente alternativa. Elaborar peneiras nos clubes e escolas, divulgando nas periferias e realizações de camps, clínicas técnicas, etc.

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A federação local entrando com algumas ações ajudaria muito na popularização, massificação do esporte e também no seu desenvolvimento. Conheço um pouco da Bahia e sei que lá é aonde tem o maior potencial físico do Nordeste e, com certeza, um dos maiores do Brasil.

Central do Draft – Outra questão que você comentou em uma conversa que tivemos, foi sobre seu ‘esforço consciente’ para ceder espaço para jogadores locais na categoria de base do Carcará. Na sua visão, qual a importância sobre essa visão de priorizar o desenvolvimento de atletas sem necessariamente colocar um foco muito grande em títulos da base?
Dannyel Russo – Conseguir desenvolver atletas da base e que sejam capazes de compor um elenco na categoria profissional é mais interessante do que conquistar títulos nas categorias de base, minha opinião, mas lógico que queremos os dois, mas muitas vezes precisamos de um trabalho em longo prazo para conseguirmos as duas coisas.

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Jogar, participar de campeonatos é essencial para esse desenvolvimento, ganhar e perder também, nós aqui do Basquete Cearense, trabalhamos muito para que esses garotos tenham condições de ficarem na equipe principal da nossa cidade, seria um orgulho enorme, mas se não for possível, que tenham possibilidades de integrar uma equipe profissional em outros centros.

Central do Draft – Os clubes têm dado suporte para vocês treinadores implementar essa abordagem de ‘primeiro desenvolvimento, depois resultado’ ou a pressão por resultados acaba prejudicando esse trabalho mais de longo prazo?

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Dannyel Russo – Vejo que a maior pressão de vencer não é dos clubes, mas sim dos próprios técnicos. Quando isso acontece, os técnicos da base acabam dando uma maior atenção na parte tática do jogo e nas condições físicas, pois isso pode gerar resultados mais rápidos e infelizmente acabam diminuindo os treinamentos de técnicas individuais / fundamentos gerais e também diminuindo os estímulos para resoluções de problemas no jogo, tomadas de decisões e acabam precisando e dependendo muito do técnico na hora do jogo.

Se você tem boas condições de trabalho e um tempo suficiente, você vai ter bons resultados certamente. O ganhar e perder não podem ser os primeiros critérios ou os mais importantes para analisar um trabalho, muitas vezes quando você perde, nem por isso seu trabalho está ruim ou errado, esse trabalho tem que ser avaliado a longo prazo.

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Central do Draft – Descreva algumas das principais características que te chamam a atenção nos jovens jogadores de cada uma das posições.
Dannyel Russo – armadores – boa defesa, grande acervo de fundamentos, jogar em pelo menos duas funções, liderança, comunicação, bons passes, leitura de jogo, boas e rápidas tomadas de decisões, controlar o jogo, sempre atento no placar, tempo de jogo e tempo de posse, bom equilíbrio defensivo.

alas-armadores – boa defesa, grande acervo de fundamentos, jogar em pelo menos duas funções, iniciativa de contra atacar sempre, conseguir armar o jogo quando necessário, bom equilíbrio defensivo, bom finalizador em varias posições da quadra.

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alas – boa defesa, marcar homens grandes e pequenos, bons fundamentos gerais, jogar pelo menos em duas funções, jogar de frente e de costas, efetivo nos rebotes, marcar muitos pontos de todas as distâncias da quadra, brigar nos rebotes.

alas-pivôs – boa defesa, marcar homens grandes e pequenos, bons fundamentos gerais, jogar pelo menos em duas funções, jogar de frente e de costas, efetivo nos rebotes, marcar muitos pontos de todas as distâncias da quadra, fazer bons bloqueios, pegar muitos rebotes.

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pivôs – boa defesa, bons fundamentos gerais, jogar pelo menos em duas funções, jogar de frente e de costas, efetivo nos rebotes, marcar muitos pontos perto da tabela, mas também em zonas de média e longa distância, fazer bons bloqueios, especialistas em pegar rebotes, “ganhar posição”

Central do Draft – Que questões permitem que os atletas se destaquem nas categorias de base, mas que – não necessariamente – se transferem para o basquete profissional?

Dannyel Russo – Tenho receio daqueles atletas mais maturados/forte fisicamente na base e que conseguem muita vantagem com isso e também nos especialistas apenas em fazer pontos ou mesmo aqueles garotos maiores que jogam quase sempre embaixo do aro, na base eles podem se destacar, mas talvez no adulto não consigam.

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Central do Draft – No outro lado da moeda, quais são as características que te indicam que um jogador de destaque na base vai conseguir traduzir esse bom desempenho para o próximo nível?

Dannyel Russo – Tem que ser um prospecto, ter uma vantagem física e técnica em relação aos demais. Se destacar pelo comprometimento e mentalidade forte para treinos e rotinas de trabalhos duros, resiliente, para quando tiver que enfrentar dificuldades e dúvidas sobre seu futuro, se manterem firmes, persistentes e sempre com o foco para continuar sua caminhada. Ter um espirito competitivo sempre, espírito de nunca desistir, de vencedor, o atleta tem que querer vencer sempre que entrar em quadra, tem que se incomodar com as derrotas, mas também saber virar a chave na hora correta e seguir em frente.

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Central do Draft – Pra você, quais são as principais lacunas dos jogadores formados no Brasil – que deveriam receber mais atenção dos responsáveis pelo desenvolvimento dos jovens atletas do país?

Dannyel Russo – Os jogadores que saem da base e chegam ao adulto, precisam de um tempo para se adaptar com a rotina dos adultos, precisa de uma atenção maior por parte de toda a CT, preparador físico, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos e técnicos. Ações como, conversas individuais, ajustes pós-treinos, edições dele treinando e jogando, treinos específicos técnico/táticos e físicos.

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Necessitam também de tempo de quadra, mais espaços no time profissional para evoluírem, se não for assim, não tem sentido ter esses jovens na equipe, sem jogar ou jogando apenas alguns segundos, acredito que a quantidade de estrangeiros atrapalhe esses jovens nessa fase de desenvolvimento, falando de NBB, Liga Nacional.

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