Chaves da Formação #10 – Cristiano Grama analisa os desafios de oportunizar a subida de jovens à equipe profissional

Treinador comandou o Minas Tênis Clube no NBB com um elenco composto por oito jogadores da categoria sub-22

Fonte: Treinador comandou o Minas Tênis Clube no NBB com um elenco composto por oito jogadores da categoria sub-22

A disposição e a segurança para conviver com os altos e baixos de um jovem jogador recém-chegado à equipe principal é um dos principais dilemas dos treinadores da equipe adulta.

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Constantemente pressionados pela direção para conseguir resultados, esses profissionais são, muitas vezes, impelidos a optar por jogadores em fim de carreira, sem o atleticismo e a margem de crescimento de outrora, mas dotados da consistência de quem está há anos ao redor do jogo.

Existe ainda a opção por jogadores estrangeiros sedentos por uma oportunidade de mostrar seu basquete no âmbito individual a fim de, quem sabe, buscar voos maiores na carreira aqui ou no exterior.

Esse cenário que, segundo o treinador do Praia Clube de Uberlândia-MG, Cristiano Grama, representam um empecilho importante para a consistência do basquete brasileiro no âmbito da renovação de talentos foi um dos principais temas da entrevista do técnico à Central do Draft.

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Grama, que comandou as seleções brasileiras sub-15 e sub-16 entre os anos de 2013 e 2015, chegou a disputar o NBB de 2015/16 com uma equipe majoritariamente sub-22 em sua passagem pelo Minas Tênis Clube, feito que, segundo ele, só foi possível graças à abundância de bons jovens talentos sem oportunidades consistentes no basquete nacional e ao entendimento de que a criação de uma identidade formadora é fundamental para as equipes que não compõem o núcleo restrito de favoritos do principal torneio de basquete do país.

Além dessa temática, o treinador contou detalhes de sua passagem pelo basquete boliviano e compartilhou alguns dos principais conceitos que adota em sua atuação cotidiana como formador.

Confira abaixo a íntegra da décima edição da série ‘Chaves da Formação’:

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Central do Draft – No Praia Clube, você teve a oportunidade de montar uma equipe quase que estritamente sub-21 na disputa da divisão de acesso do NBB. Qual a importância de expor jogadores ainda em fase de formação às particularidades de uma competição profissional, contra adversários adultos – fisicamente já formados?

Cristiano Grama – Não chegamos a disputar o torneio de acesso por causa da pandemia, mas montamos uma equipe sub-22 com essa intenção. Quando estive no Minas, jogamos o NBB praticamente assim (oito jogadores sub-22 e quatro adultos). E creio que a divisão de acesso será muito importante para colocar esses jogadores de transição da base para o adulto nesse tipo de confronto.

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Infelizmente, vejo que cada vez menos equipes estão interessadas nesse processo de revelação de atletas. Já que times estão sendo montados com muitos adultos, muitos estrangeiros e poucos jovens. E se não tivermos equipes com a identidade de revelar, sofreremos muito em um futuro próximo com a renovação.

Com certeza os jogadores sub-22 sentem a diferença de jogar contra jogadores adultos, mas isso já era previsto por nós, que já ingressamos no processo sabendo que o objetivo principal de buscar revelar jogadores.

Cristiano Grama comandou o Minas Tênis Clube no NBB com um elenco composto por 8 jogadores da categoria sub-22

Central do Draft – Fico curioso pra saber como se deu a formação do elenco de vocês na competição. Essa montagem foi feita estritamente com jogadores que já pertenciam à estrutura das categorias inferiores (sub-15; sub-17; etc) do clube ou vocês puderam atrair jogadores da categoria de base – que talvez não tivessem espaço em suas equipes – servindo como uma espécie de ‘vitrine’/’estágio de experiência’ para esses atletas?

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Cristiano Grama – Na verdade nossa equipe foi montada basicamente com jogadores de fora de Uberlândia (tínhamos apenas dois das categorias de base do clube, já que nossa última categoria é o sub-17). A ideia seria a de dar espaço para jogadores que acreditávamos serem prospectos e com potencial de jogar no adulto. Existem MUITOS bons jogadores que não conseguem passar por essa transição para o adulto simplesmente por falta de oportunidades.

Central do Draft – Você, como formador, sente falta de uma maior quantidade de equipes profissional que possam oferecer a uma quantidade maior de atletas uma oportunidade nesse estágio tão importante no processo de desenvolvimento – que é o da experiência prática em competições adultas?

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Cristiano Grama – Sinto que está faltando um certa identidade dos clubes. As equipes estão sendo montadas e a pressão no treinador é de ser campeão! O que é ilógico porque, em um torneio de 16 equipes como o NBB, três ou quatro são postulantes ao título, as outras irão ou brigar pelo playoff ou brigar para não cair.

E essa pressão faz com que talvez o treinador prefira um veterano em fim de carreira, mas que ele saiba o que pode dar, ou um estrangeiro (são quatro por equipe!), do que investir em um jogador de potencial, mas que possa ter mais altos e baixos durante o processo de maturação. E assim – como disse anteriormente, o processo de revelação fica de lado e cada vez menos jogadores sendo revelados.

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Central do Draft – Além de treinar equipes de competição, você tem experiência no basquete escolar. Quais são as diferenças de abordagem entre os ‘dois universos’? E na sua visão, qual a importância de disseminarmos – como nação – uma cultura de introdução do esporte dentro do nosso sistema educacional?

Cristiano Grama – Fiquei muito tempo afastado do basquete escolar (desde 2009) e voltei, ano passado a coordenar um projeto no Colégio Gabarito, em Uberlândia.

O esporte tem que estar na escola. Ponto final! Mas a realidade é que o esporte está cada vez mais fora da escola.

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Se quisermos falar em qualidade esportiva, primeiro temos que pensar em quantidade esportiva. E nesse processo, o natural seria o pensamento pelo esporte escolar. Falta estrutura, mas principalmente capacitação dos profissionais. Os professores de Educação Física são desvalorizados tanto financeiramente quanto profissionalmente em relação à importância de sua profissão nesse âmbito de formação de uma base esportiva dentro da própria instituição.

E como o esporte está quase que restrito aos clubes, ele passa a ser um privilégio de poucos, que tenham condições, ou por sorte do acaso, são descobertos e enviados aos clubes.

Realmente sinto falta de uma política esportiva que leve a sério o esporte como educação, o esporte como profissão e o esporte como oportunidade.

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Central do Draft – Você teve uma passagem interessante pelo basquete boliviano. Gostaria que você compartilhasse um pouco dessa experiência. Desde suas impressões sobre a estrutura do basquete do país até conceitos e métodos que você possivelmente tenha acrescentado em seu repertório como treinador.

Cristiano Grama – Bom, tive a oportunidade de dirigir a equipe do Pichincha na Bolívia – na qual cheguei no meio da temporada com a saída de um treinador argentino.

O que percebi é que o basquete boliviano é um basquete de estrangeiros. Minha equipe era formada por dois brasileiros (eu e o Murilo Becker), dois americanos e dois espanhóis (netos de bolivianos).

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Todas equipes contam com trêsestrangeiros, mas com uma regra que achei interessante: só dois podem estar na quadra durante o jogo, então pelo menos seis bolivianos estarão em quadra dentro dos dez.

Morei em uma cidade apaixonada pelo basquete que era Potosi, com duas equipes rivais que tomam conta da cidade. E o ginásio sempre com cinco mil torcedores nas partidas (inclusive muitos viajavam para assistir as partidas fora de casa).

Me surpreendeu também a qualidade dos Ginásios, tirando o ginásio que perdemos o playoff, todos eram excelentes e com capacidade para partidas internacionais.

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Com relação a conceitos ou métodos, não tive muito tempo para desenvolver ou adquirir (foram dois meses que fiquei por lá, fase final de classificação e playoffs), mas senti ser um basquete muito voltado para o ataque e com menos preocupação para a parte defensiva.

Os americanos que jogavam lá estavam sempre preocupados com números e estatísticas pessoais. A equipe campeã foi a que destoou, contando com americanos mais concentrados em vencer.

Perdemos o playoff por 3×2 para a equipe do Ambrosino, que jogou a última temporada por São José dos Campos.

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Mas o que vi que me chamou a atenção negativamente foi a realidade de Potosi, uma cidade pobre e com uma estrutura muito boa para as equipes sendo pagas em dólar, enquanto do lado havia muita pobreza.

Central do Draft – Falando um pouco de parte técnica e tática. O que você mais observa/mais te chama a atenção nos jovens jogadores em cada uma das posições do jogo?

Cristiano Grama – Bom, primeiramente não depende muito da posição, mas o que vejo no jogador brasileiro que chama a atenção positivamente seria a capacidade física que se bem trabalhado nossos jogadores podem atingir.

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Já no lado negativo, observo uma constante dificuldade de jogar sem a bola, tanto ofensivamente quanto defensivamente, o que, para mim, é um dos maiores problemas dos nossos jogadores ao chegarem no basquete adulto.

Sobre posições, vejo esse enquadramento como um grande problema. Hoje devemos pensar o jogador como um todo e não pela sua posição.

Seria fácil separar aqui que vejo que os armadores devem ter leitura do ritmo do jogo, saber envolver seus companheiros, passar a bola bem, jogar pick n roll, etc. Ou um pivô saber rebotear, dar bons bloqueios, finalizar no poste baixo, etc .

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Mas hoje todos devem fazer tudo, então não especializar ou não especificar o jogador seria o primordial – para, depois, se você quiser colocar o atleta para jogar de pivô mesmo sendo ‘armador’, ou o contrário, saber envolver seus companheiros mesmo sendo pivô traz a versatilidade do basquete moderno.

Não quero dizer que não existem posições, de jeito nenhum! Continua tendo o armador, o ala-armador, o ala, o ala-pivô e o pivô, mas todos eles devem ser desenvolvidos tecnicamente em todos fundamentos do jogo, todos eles devem saber jogar em todos os ângulos da quadra e não especificamente dentro de uma posição.

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É preciso que sejam versáteis o suficiente para levar vantagens que antes não eram tão buscadas.

Central do Draft – Quais são os atributos que mais se traduzem da base para o profissional?

Cristiano Grama – Creio que o principal atributo que os jogadores tentam trazer para o adulto seria capacidades ofensivas e hoje os jogadores que são revelados estão sendo por isso. Gostaria de ver mais jogadores serem revelados por capacidades defensivas.

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Central do Draft – E no outro lado da moeda? Que questões permitem que os atletas se destaquem nas categorias de base, mas que – não necessariamente – se transferem para o basquete profissional?

Cristiano Grama – Creio que também que são as capacidades ofensivas, mas que muitas vezes não se transferem para o basquete adulto pela forma aleatória como essa pontuação é formada na base. Muitas vezes eu vejo jogadores acertando na base fazendo do jeito errado – mas que, no adulto ele terá dificuldades e pressões que até então não tinham – e fazer da maneira errada não trará nenhum benefício de oportunidade a ele.

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Central do Draft – Para você, quais são as principais lacunas dos jogadores formados no Brasil – que deveriam receber mais atenção dos responsáveis pelo desenvolvimento dos jovens atletas do país?

Cristiano Grama – Creio que a principal lacuna que enfrentamos na base seria de transferir os fundamentos em ações. Muitos jogadores tem um bom arsenal de fundamentos, mas não conseguem levar para a realidade do jogo.

Então trabalhar o jogador e sua tomada de decisão para mim é crucial para o seu desenvolvimento.

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Treinar sua técnica individual através dos fundamentos do jogo, mas gastar mais tempo com sua tática individual, ou seja, o que ele deve fazer com aquilo que aprendeu – e quando fazer.
Ensinar aos jogadores os sinais, ou seja, aquele meio segundo que o adversário dá para se buscar uma tomada de decisão assertiva. Esse creio que seja o que mais deve ser treinado, treinar a repetição do fundamento unido à ação da situação.

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