Por Henrique Lima
A quantidade de posses de bola em um jogo é uma estatística que tornou-se muito popular nos últimos anos, com a ascensão das métricas avançadas. A enxurrada de dados que podemos obter hoje, incluindo o popular pace, possibilitou novas leituras sobre as nuances de uma partida de basquete e as mudanças históricas da maneira como se joga.
Existe uma percepção clara que o aumento do número de posses de bola significa o aumento do ritmo de jogo, enquanto o contrário também pode ser falado: menos posses de bola tendem a representar jogos em que os arremessos são retidos ao fim do relógio de 24 segundos, mais “modorrentos”. Com essa premissa, eu tentei buscar as finais da NBA que tiveram mais e menos posses de bola em média.
É válido destacar ainda que a percepção nos diz que partidas com menos trocas de posses de bola, mais estáticas, são definidas por defesas fortes e concentradas em meia quadra, sem tantos contra-ataques. Isso é só uma sensação popular, porém – e, se alguém tive algum tipo de estudo que prove isso, agradeceríamos se entrasse em contato conosco para disponibilizá-lo. Não dá para dizer que seja algo provado, mas partidas mais velozes ou lentas costumam estar ligadas a essa impressão.
Observando as finais da NBA dos últimos 40 anos, é fácil traçar uma jornada lógica no volume de posses de bola das séries: o número alcançou um pico na década de 1980, reduziu monstruosamente nos 20 anos subsequentes e caminha para os dias atuais com uma nova ascensão. Entre 2017 e 2019, nós tivemos índices bastante próximos do que víamos na primeira década estudada. Veja a tabela abaixo:
Média de posses de bola em finais por década |
|
Intervalo |
Ritmo médio |
1980 – 1989 Publicidade
|
97,7 |
1990 – 1999 |
88,0 |
2000 – 2009 |
87,5 |
2010 – 2019 |
90,5 Publicidade
|
Pegar as dez finais com mais posses de bola desse intervalo é comprovar, de fato, que os anos 1980 tiveram uma velocidade de execução fora do comum em decisões da NBA moderna: sete delas estão nesse período, incluindo as cinco com maiores índices localizando na primeira metade da década. Só a final de 1981 que não entra na lista, sendo um total ponto fora da curva com suas 90,6 posses por partida. Confira:
Finais com maior média de posses por jogo |
|
Decisão |
Ritmo médio |
1982 Publicidade
|
103,3 |
1985 |
103,0 |
1980 |
102,4 |
1984 |
101,8 Publicidade
|
1983 |
100,8 |
2017 |
100,2 Publicidade
|
1987 |
97,3 |
1986 |
96,7 Publicidade
|
2019 |
96,1 |
1990 |
95,9 Publicidade
|
Bem, mas o que isso pode querer dizer exatamente?
Provavelmente, aquele jogo em que as posses de bola em trocadas minimamente, com muitas ações no chamado “jogo de segurança” – como as ofensivas no poste baixo com jogadores como Tim Duncan e Shaquille O’Neal -, ou as defesas muito coesas e difíceis para penetração – como o Pistons de 2004 e o Bulls do segundo tricampeonato – estão dando lugar para mais dinamismo ofensivo e mobilidade.
Não para por aí: os ataques implementados utilizam conceitos mais simples de transição. A lógica é básica: uma equipe retornando para a defesa após perder um rebote ainda não está com a defesa montada, então, provavelmente, é mais fácil atacá-la e conseguir cestas mais fáceis com posses rápidas que exploram essa condição do que segurando as ações para armar dinâmicas mais complexas.
Esses conceitos, na verdade, são interessantes porque o basquete norte-americano foi jogado dessa forma por muitos anos: tendo como base os rebotes defensivos e saída muito rápida para o contra-ataque. Isso não é novidade: é como redescobrir a roda para os EUA. O Celtics dos anos 1950 e 1960 jogava assim e venceu mais títulos naquele período do que qualquer equipe posterior ou anterior.
Isso é bom ou ruim? Fica a gosto do cliente. Não há julgamento de valor aqui, em momento algum, sobre a beleza ou eficiência dessa forma de jogar. O basquete muda, cada um tem a sua forma de apreciar o jogo e esse não é o ponto crucial aqui.
Já entre as finais com menos posses de bola, não há nenhuma decisão da década de 1980. Oito delas estão localizadas entre as décadas de 1990 e 2000 – quando, de fato, o ritmo das finais atingiu seu estágio mais estático. Fazendo uma análise conjuntamente com meus primeiros textos, sobre a idade dos times campeões, o Bulls do segundo tricampeonato tinha elencos bem “velhos” e suas decisões estão, todas, entre as mais lentas da NBA moderna.
Finais com menor média de posses por jogo |
|
Decisão |
Ritmo médio Publicidade
|
2005 |
80,8 |
1998 |
82,0 Publicidade
|
2007 |
82,8 |
2004 |
83,4 Publicidade
|
1996 |
83,5 |
1997 |
84,0 Publicidade
|
2010 |
85,4 |
1991 |
85,5 Publicidade
|
2011 |
85,5 |
1999 |
85,7 Publicidade
|
Será que o menor número de posses de bola em finais é um efeito da idade dos elencos envolvidos? A lógica diria que sim, mas há argumentos para pensarmos ser mera coincidência também por essa lista. O Pistons de 2004 e o Spurs de 2005 são dois dos dez campeões mais novos dos últimos 40 anos e ambos protagonizaram a final com menor ritmo de jogo da história moderna da liga.
O Spurs de 2007, por sinal, também aparece aí entre os mais lentos. É possível fazer vários paralelos, se quiserem, entre os dois posts sobre a idade dos times finalistas e campeões da NBA e essa reflexão sobre ritmo de jogo. Vale lembrar que não estamos tentando criar uma verdade indiscutível aqui, mas parece-me muito clara a percepção de que o Warriors de 2017 jogava em um ritmo acelerado e o Spurs de 2005 tinha um volume totalmente diferente.
Qual é a melhor forma de jogar? Isso depende de inúmeros fatores que fogem ao controle da simples ideia de que acelerar é ruim e retardar é bom ou vice-versa. Provavelmente, o Spurs de 2005 e o Warriors de 2017 encontraram a forma ideal de vencer com os elencos que tinham praticando basquete muito diferente um do outro. Troque suas ideias de jogo e, provavelmente, ambos desabariam.
E não são só os jogadores, por sinal. As variáveis também incluem: regras vigentes na NBA, testes passados que foram realizados em quadra pelas equipes, encaixe de formações, conceitos de jogo da comissão técnica – afinal, existem treinadores com variadas opiniões sobre como se joga. Não há uma resposta universal. Não é uma ciência de lançamento de foguete.
Na próxima parte dessa análise, nós vamos abordar sobre o usage, tão famoso e falado por aí. Quais percepções e análises podemos extrair dos dados sobre uso de posses de bola entre finalistas e campeões? Até lá, cuidem-se todos!
Sobre Henrique Lima
Formado em educação física pela Universidade Federal de Viçosa e treinador de basquete nível I pela Escola Nacional de Treinadores de Basquete. Treinou equipes de várias categorias da modalidade em Minas Gerais. É consultor do Jumper Brasil há mais de uma década, além de ter sido repórter, editor e colunista de sites e blogs de basquete. Acompanhe-o no instagram: @pense_basket.