A ascensão de DeMarcus Cousins – Volume 1

Ricardo Stabolito Jr. analisa a subida de produção e eficiência ofensiva do pivô do Sacramento Kings

Fonte: Ricardo Stabolito Jr. analisa a subida de produção e eficiência ofensiva do pivô do Sacramento Kings

Uma coisa que eu sempre escrevo quando analiso calouros é que o fato de você ser capaz de realizar determinada jogada não te dá o direito ou obrigação de fazê-la em quadra. Muito pelo contrário. Uma das virtudes que um jogador deve ter é explorar seus pontos fortes, usar o que sabe fazer de melhor para se impor. Dizem que os craques tem a capacidade de fazer tudo parecer mais fácil – e isso acontece porque eles exploram o que sabem realizar com extrema eficiência para dominar adversários. Ter várias habilidades é importante, mas, como os novatos acabam aprendendo quando entram na NBA, ser simples é ainda mais valioso.

Um exemplo recente é LaMarcus Aldridge. Há três anos, eu acompanho atletas do Portland Trail Blazers elogiando o arremesso de três pontos do ala-pivô na pré-temporada do time. O astro conseguiu dar um salto de qualidade nesta temporada, alcançando status de candidato ao prêmio de MVP, mas não porque está convertendo as bolas de longa distância – foram só oito tentativas em 41 partidas até agora. Ele chegou lá fazendo o que sempre fez com maior eficiência. Não é porque tem condições de arremessar para três que Aldridge precisa fazê-lo.

Há uma razão para eu ter começado um artigo sobre DeMarcus Cousins falando sobre isso. Desde seu único ano na Universidade de Kentucky, todos sabem que o atleta do Sacramento Kings possui todos os recursos necessários para ser o melhor jogador de sua posição na NBA. Aos 19 anos, ele tinha o corpo de um pivô de 25 e o repertório técnico de alguém formado no século passado. O que poderia parar essa combinação raríssima? Resposta: sua cabeça e conduta em quadra.

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DeMarcus Cousins John Wall

Cousins em quadra pela Universidade de Kentucky, ao lado do armador John Wall (Wizards)

Em suas primeiras temporadas na NBA, Cousins não “decolou” da forma como poderia porque jogou basquete aos seus termos. Como queria e não como deveria. Baseado no que era capaz de fazer e não no que fazia de melhor. Sua falta de juízo e decisões ruins, na verdade, fizeram com que se tornasse uma espécie de atração bizarra: atraía as pessoas para assistir aos jogos do Kings por seu estilo totalmente sem noção – fazendo questão de levar a bola para o ataque sempre que podia, “forçando” arremessos de média distância quando bem entendia, atacando a cesta nos momentos menos convenientes e acumulando performances defensivas cada vez piores. Ele era a perfeita extensão da bagunça que era a franquia de Sacramento, cujos então donos tentavam de tudo para justificar uma mudança de cidade.

Eis que temos esse cara grande – com corpo, força, técnica e agilidade para bater a maioria (para não dizer todos) dos pivôs da NBA dentro do garrafão – fazendo questão de atuar de modo que pudesse mostrar tudo o que podia fazer, mas não era necessariamente bom ou eficiente fazendo. Era a receita do fracasso. Uma receita que ele vem começando a mudar neste ano.

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Nesta temporada, Cousins vem registrando as maiores médias da carreira em minutos (32.5), pontos (23.1), rebotes (11.7), assistências (2.9), roubos de bola (1.8) e aproveitamento nos arremessos de quadra (48.8%). Além disso, no âmbito das estatísticas avançadas, possui o quinto maior PER (26.57) – player efficiency rating, índice de eficiência concebido a partir da produção do jogador por minutos – da liga.

Mas como explicar esta repentina e meteórica ascensão?

Sendo um pivô de verdade

Após anos de atuação bastante questionável, Cousins encontrou a eficiência no lado ofensivo da quadra (finalmente) fazendo uso dos atributos físicos para superar adversários no ponto da quadra em que deve dominar os jogos: no garrafão. O pivô do Kings é tão conhecido por seus recursos ofensivos – fintas, trabalho de pernas, ganchos, arremesso –, que muitos esquecem quão forte é um homem de 2.11m e 123 kg. acostumado a jogar com o corpo por boa parte da carreira. Ele voltou a fazer isso e, como os números provam, está mais eficaz do que nunca – realmente parecendo um dos dois ou três pivôs mais fortes da NBA.

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Ao invés de se satisfazer com arremessos de curta e média distância, Cousins vem utilizando seu físico para abrir espaço e “forçar” passagem contra outros pivôs para entrar no garrafão. Este tipo de situação o favorece por três motivos essenciais: seu excelente controle de bola atacando a cesta, a capacidade de finalizar após sofrer contato e seu ótimo rendimento em situações de post up, enfrentando defensores de costas para a cesta com seu vasto arsenal ofensivo (registrando 0.9 ponto por posse, está entre os 40 melhores da liga). Tais vantagens podem ser vistas em ação no vídeo acima, que traz os melhores momentos de uma de suas melhores atuações nesta temporada: 31 pontos e 13 rebotes contra o provável vencedor do prêmio de melhor defensor do ano, Roy Hibbert.

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É verdade que seu aproveitamento em arremessos próximos da cesta (menos de 2.5m do aro) não passa de medianos 54.55%, mas isso tem muito mais a ver com a vulnerabilidade a tocos que o jogador do Kings sempre exibiu – segue tendo mais de 10% de seus tiros bloqueados pelos marcadores, até porque atua mais próximo dos pivôs oponentes – do que pela seleção de arremessos. Na verdade, ele sempre teve dificuldades no confronto diante de atletas mais explosivos e longos, capazes de acompanhar e contestar seus movimentos mais refinados.

Mais importante do que tudo isso é que os arremessos próximos da cesta estão tomando o lugar daqueles (péssimos) chutes de média distância no jogo de Cousins. Nesta temporada, ele registra 69% de suas tentativas próximas da cesta e menos de 20% para média distância pela primeira vez em sua carreira profissional.

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Temporada

Arremessos em torno da cesta (até 8 ft.)

Arremesso de curta distância (8-16 ft.)

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Arremesso de média distância (16-24 ft.)

Arremesso de longa distância (mais de 24 ft.)

2010-11

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61.16%

15.63%

21.41%

1.8%

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2011-12

67.27%

10.4%

20.92%

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1.41%

2012-13

62.55%

10.33%

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24.82%

2.3%

2013-14

69%

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10.49%

19.61%

0.9%

Estatísticas: NBA.com/stats

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A troca de frequência de arremessos acaba por se refletir também em um evidente aumento de eficiência, como não poderia ser diferente quando um pivô começa a fazer tentativas cada vez mais próximas da cesta.

Temporada

Aproveitamento nos arremessos de quadra (FG%)

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True Shooting Percentage (TS%)*

Effective Field Goal (eFG%)**

2010-11

43.0

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48.4

43.2

2011-12

44.8

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49.4

44.9

2012-13

46.5

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52.4

46.8

2013-14

48.8

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54.8

48.2

Estatísticas: ESPN.com

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O problema vira solução

O importante a se lembrar após tudo isso é que Cousins continua dono de uma boa pontaria de média distância e a mudança em seu jogo só tem a potencializar a qualidade que possui neste aspecto do jogo. Quando você é um atleta com a força e eficiência do pivô do Kings dentro do garrafão, oponentes passam a se preocupar em mantê-lo longe da cesta e espaços aparecem para bons arremessos, mais eficientes. O plano de ação dos times que encararem Sacramento será mantê-lo fora da área pintada e, neste sentido, seu chute voltará a ganhar importância – não porque ele quer ou pode, mas porque o jogo exige.

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De certa forma, isso já vem acontecendo. Durante as partidas mais recentes, Cousins já vem usando seu arremesso com surpreendente lucidez para “punir” pivôs que oferecem espaço e optam por defender a passagem para a cesta (o único tiro de média distância que encestou contra o Pacers é um exemplo no vídeo anterior). Observe como, excetuando o inexplicável baixíssimo aproveitamento dos corners (6-39), os tiros de média distância de Cousins estão caindo em um ótimo índice (melhor do que em anos anteriores, inclusive):

Cousins shotchart

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Na faixa central da quadra, ele acertou 42 de 96 arremessos tentados – ou seja, 43.7% de aproveitamento. Este índice não é só melhor do que a média da liga, mas também do que grandes chutadores desta região. Em nível de comparação, Dirk Nowitzki (um chutador provado, que cria as próprias oportunidades e várias vezes all star) converteu 41.8% das tentativas nesta faixa da quadra na temporada. Como um recurso secundário sabiamente utilizado, não carro-chefe de uma atuação ofensiva totalmente tresloucada, o arremesso do jogador do Kings é uma arma que pode torná-lo literalmente imparável.

No fim das contas, a boa notícia sobre Cousins é que ele deixou de apenas ser um pivô. Agora, ele joga como um.

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*Aproveitamento de arremessos de quadra que leva em conta lances livres
**Aproveitamento de arremessos de quadra com valor ajustado, onde os tiros de três pontos valem 1.5 vezes mais do que para dois

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