A informação é o bem de consumo mais importante da sociedade moderna. Ou pós-moderna, se considerarmos que a internet, a globalização e o consumismo aplicado pela lógica capitalista renovaram todas as relações pessoais, sociais e mercantis naquilo que temos como dominante para a convivência humana no século XXI, visto o advento de todas as novas tecnologias que têm permitido a sedimentação desse processo. Com o fim da Guerra Fria no final dos anos 1980, simbolicamente marcado pela queda do famigerado Muro de Berlim que separava o mundo ocidental e capitalista daquele oriental e socialista, a massificação do consumo tornou-se a tônica nas relações econômicas vigentes, tendo como aliada a rede mundial de computadores, agora conectados a ponto de estarmos mais próximos de distantes moradores de outros continentes do que mesmo de nossos vizinhos de porta. O e-mail, a comunicação por vídeo, as redes sociais: tudo isso permitiu a criação de um ambiente virtual onde sempre estamos, desejamos ou somos obrigados a estar online, mesmo que rejeitemos ir a pé à padaria tendo de interagir com quem se topa pela rua. O planeta mudou. Os agentes sociais e econômicos, claramente, estão de olho em nossas atividades. Nas minhas, nas suas, nas de seus amigos e familiares. Tudo ficou próximo demais, fácil demais, rápido demais, volátil demais. Se a informação é o bem de consumo mais importante da sociedade moderna, ter acesso a ela é primordial para a sobrevivência em dias tão atropelados, lotados de horários marcados, onde o atraso de um minuto pode significar a oportunidade perdida, a chance de sua vida desperdiçada. Conversar, conviver, viver: todas essas ações transcendem o significado de somente verbos e alcançam o significado do cotidiano que nos encara, muitas vezes mal-humorado, de cara ranzinza e bafo matinal, ao levantarmos da cama. Não há para onde correr: tudo à sua volta mudou.
O advento das novas tecnologias em prol da informação e da comunicação, que é a ação mais primordial para a sobrevivência da espécie humana, consolidou novas maneiras de relacionar-se com o mundo e com o outro. Deu voz àqueles que não conseguem ascender às grandes mídias, aos grandes propagadores de informação, ao megafone da opinião a ser escutada pelo senso geral. Todavia, trouxe também um sinal claro do despreparo humano em lidar com aquilo que lhe é alcançado ou tocado em forma específica: a volatilidade. É líquido e certo que qualquer um dos conceitos aqui trazidos já existia ou pré-existia anteriormente à revolução cibernética em que nos encontramos mergulhados. Entretanto, o momento que vivemos é capaz de direcionar holofote e trazer lente de aumento às mazelas relacionadas ao mais fácil acesso comunicacional. Antes de tudo: é ótimo que haja cada vez mais e mais acesso à informação pelo maior número de pessoas, e a isto também podemos denominar de democracia. Contudo, é essencial que pontuemos tópicos específicos para a melhor convivência de nós mesmos, seres humanos, para com assuntos do interesse coletivo.
O Brasil atravessa um dos momentos mais graves de sua recente história. Há cerca de 30 anos desejávamos a liberdade de um novo regime democrático, não mais opressor ou de selo ditatorial, e enfrentávamos os desafios e agruras de solidificarmos um novo momento de consciência política e social em um país de proporções continentais. De lá para cá, de tudo aconteceu: dois processos de impeachment depuseram presidentes da República, muitos outros mandatários máximos da nação tiveram seus nomes envoltos a escândalos de corrupção e estão sendo investigados pela Justiça, e, além disso, toda a base de sustentação dos Poderes do Estado esteve corrompida, desestabilizada, e, talvez nunca antes na história, tão desacreditada perante a opinião pública. Uma espécie de caos que nos ronda década sim, década não. Obviamente, tudo isso reverbera. Há microfones para muitos, ouvidos para poucos, mínima inteligência emocional envolvida. Ódio demais, desprezo demais, despreparo demais. A vontade de estar presente e de fazer parte do processo de construção social é algo inato ao ser humano e vira até mesmo uma cobrança por parte de semelhantes: a contrapartida é que isso tem trazido pouca alimentação intelectual e muito rebate instantâneo. Você pode estar se perguntando o que toda essa ruminação pseudoideológica realmente tem a ver com o basquete. E eu respondo que muito. Até porque basquete é esporte, esporte é política, a política é a nossa vida retratada nas nossas ações, nossos anseios, nossos desejos, nosso dia após dia.
Eu tenho acompanhado esporte com muita atenção desde os meus seis anos de idade. Eu adoro esporte! E me interesso em demasia por tudo que envolve o esporte fora das linhas, das redes, das piscinas, das pistas. Eu consumo e estudo esporte muito pelo que acontece atrás das câmeras, e, em certos aspectos, isso pra mim é ainda mais importante que somente o lúdico, o prazer, a aposta com o amigo, a cerveja gelada no bar, o grito de gol. Eu jogo basquete e acompanho essa prática desde os 12 anos de idade, aproximadamente. Assisto NBA, escrevo NBA, analiso NBA e jogo NBA no videogame há muitos, muito tempo: muito antes mesmo de me graduar no curso de Letras, onde tive por premissa para a minha vida o fato de que, como citado anteriormente, a comunicação é o ato mais vital para a sobrevivência humana. Entretanto, há um processo muito específico e muito incômodo que tem ganhado notoriedade, ao menos para mim, numa relação entre estes dois pontos: é um movimento estranho este que acontece em torno do debate e da análise sobre o esporte nos dias atuais. Absolutamente tudo tem levantado divergências, intrigas, desrespeito, ódio, ameaças, tristeza. Por seu lado mais lúdico, o esporte é justamente alegria.
É o preceito básico: precisa ser divertido. Se você não se diverte, então não gosta, então não assiste, então não se interessa, então não gasta seu tempo e dinheiro, então não tem prazer naquilo. Se não é mais divertido, não é mais o esporte. As práticas esportivas tendem a aglomerar um conjunto gigantesco e variado de pessoas com um interesse em comum: cada esporte tem o seu nicho de apreciadores, e cada nicho age de uma forma diferente em relação ao objeto adorado. A NBA é o exemplo aqui por nós tratado. Um variado agrupamento de fãs do basquete norte-americano, há muito tido como o melhor do mundo e uma das maiores ligas esportivas do globo terrestre, tem nesse esporte e em sua experiência máxima em forma de jogo os propósitos acima relatados, em busca de diversão, entretenimento, relaxamento, prazer. Precisa ser divertido. Não se deve estar de “boca aberta” para tudo, mas não se precisa fechar a cara por nada como tem acontecido.
O cronista à moda antiga divagava sobre a vida e traçava o perfil de uma pessoa, de um grupo, de um bairro ou de um país baseado em suas andanças. A conversa regada a café na padaria, o xingamento regado à pinga no bar da esquina, a descoberta regada de abraços da moça que se veste depois de receber seu pagamento: isso é quase uma ilusão atualmente. Ler os comentários das redes sociais, perceber as tendências de grupos específicos que usam a internet, deixar-se rir dos memes em escala industrial: perceber o ritmo online tem sido mais prático e mais possível que o trânsito offline, mas não mais prazeroso. Ao passo em que tudo tem incitado a discórdia, o escárnio e a depreciação, tem sido difícil para as gerações mais presentes na internet perceberem a importância, o esforço, o limite superado, o nome grafado na história. Perceba: atualmente, se um jogador da NBA em fim de contrato assina um novo vínculo com uma equipe onde receberá um salário compatível com sua habilidade e seu esforço, buscando seu sonho de criança, claramente ele estará errado perante a volatilidade dos “cronistas” menos atentos. É uma cobra, um traidor, um atleta fraco e sem capacidade. Melhor jogador de uma temporada da NBA, cestinha de outras tantas, bicampeão olímpico, uma das maiores forças ofensivas a já pisar uma quadra de basquete em todos os tempos. Para muitos, não. Cobra. Traidor. Fraco. Sem capacidade.
Se um outro atleta prolonga além do esperado o seu auge físico, técnico e mental a ponto de tornar-se uma das lendas do esporte, imprimindo seu nome nas quebras de vários recordes possíveis, e deseja cercar-se do maior número de companheiros capazes de lograr junto a ele os louros da vitória, reforçando o ambiente ao seu redor para sagrar-se cada vez mais vencedor, de bate-pronto para quem se deixar levar pela volatilidade: não é um jogador decisivo, “pipoca” nos momentos de decisão, “fominha” e “paneleiro”. Quatro vezes melhor atleta de uma temporada, atual melhor jogador do mundo, um dos melhores da história já recheada de excepcionais e gênios, face e nome de uma nova geração de excelência esportiva: não é o suficiente. Não é decisivo. Pipoqueiro. Fominha. Paneleiro: é o que lhe reservam os que preferem o tom negativo.
Se uma equipe reúne talentos garimpados em seleções de recrutamento, age com coerência em relação às suas finanças e destina a um jovem e inteligente treinador as armas capazes de formar um escrete campeão, a ponto de manter-se no topo por vários anos com a adição de outros atletas interessados no projeto de já bastante sucesso, aquilo que a ela é destinada é a pecha de time da moda, cheio de vilões, incapazes de se manter somente pela base, além de outras pragas, como a de que percam a todo custo e que seus atletas se lesionem ou algo do tipo. Campeão em um ano, vice-campeão em outro e a ponto de iniciar uma trinca de Finais contra o atual vencedor, franquia de riquíssima história desde os anos 1960, detentora de título na década de 1970, a junção de dois jogadores MVPs da Liga além de outras estrelas de muito talento e trabalho duro. Super time? Esquadrão? História sendo escrita noite após noite? Não, não, não. Time da moda. Vilões. Incapazes. Tomara que se machuquem e que percam…
Para esses casos e basicamente todos os outros: dúvidas, desatenção, descontentamento, desprezo. É o que temos presenciado. O xingamento, para quem o realiza, desmerece o atingido, enobrece o agressor, deslegitima a atuação, desonra a prática. Na cabeça de quem se toma pela resposta fácil, pelo tom volátil, pelo jogo como meme, tudo isso faz sentido e é válido. Na cabeça de quem observa um pouco fora da caixa e não se afeiçoa ao modus operandi atual, isso tudo tende a ser cada vez mais ilógico, pra dizer o mínimo. Os três exemplos acima relatados estão prestes a reeditar, pela terceira vez consecutiva, as Finais da NBA nesta temporada 2016-2017 em duelos que deverão ficar marcados na história: a realização de um perseguido sonho para o atleta que se junta ao possível melhor time da década para a eternidade, ou a consagração definitiva como um dos maiores atletas de todos os tempos. Recordes de atletas premiados envolvidos, treinadores altamente competentes, vendas de caros ingressos esgotados, esperados índices de audiência nas alturas, o mundo inteiro de olho esperando possíveis sete noites de magia: vamos preferir as vaias ou as palmas para a excelência do Olimpo esportivo?
O ponto em que desejo chegar é que, infelizmente, a velocidade com que temos atingido todo e qualquer tipo de informação tem desmerecido todo e qualquer tipo de esforço. As gerações – mais que nunca – acostumadas com o consumismo tendem a classificar como inútil e vulgar qualquer acontecimento porque simplesmente querem que já aconteça um próximo maior e melhor logo em seguida, para que este seja comparado ao anterior, para que seja desmerecido frente a um semelhante, para que seja esquecido dali a poucos minutos – quem sabe, segundos. É assustador e impressionante em um sentido negativo como não parecemos estar satisfeitos com absolutamente mais nada que nos aconteça. Queremos sempre mais, pra consumir mais, pra desprezar mais, em um menor espaço de tempo possível. Surpreso fiquei quando me deparei com enquete realizada pelo Jumper Brasil em que a maioria dos votantes, ao menos até o dia 28 de maio de 2017, afirmava que esta era a pior pós-temporada da história da NBA. A menos que tenhamos, todos, assistido com afinco os 70 anos da Liga profissional norte-americana, não me parece razoável fazer tal afirmação. Claramente, como temos amplo acesso à informação e aos diversos formatos de conteúdo disponibilizados atualmente, consegue-se ter uma noção para tal resposta, uma interessante provocação: afirmação, contudo, é um exagero grande. Muitos usuários de internet atualmente e pessoas que acompanham o basquete são millennials ou jovens adultos que não necessariamente analisam, estudam ou se debruçam sobre os playoffs das décadas de 1950, 1960 ou 1970. A internacionalização do jogo e expansão da NBA trazidas ainda na gestão do comissário David Stern, a partir dos anos 1980, bem como a democratização das transmissões e a comercialização de produtos relacionados, trouxeram mais admiradores e apaixonaram mais fãs pela bola laranja jogada em território ianque. Nada, ainda, que configure tal apontamento de forma tão explícita. Um exagero, como pontuado anteriormente.
Se você até aqui chegou, muito obrigado. Na era da informação simples e volátil, textos opinativos ou investigações jornalísticas têm sido relegadas cada vez mais ao rol de leituras deixadas para depois, para quem sabe nunca. Compreenda que isto não é exatamente uma crítica a você, leitor, consumidor e mantenedor da máquina de produção de notícias a cada minuto, mas sim a um consumismo que nos rodeia em vários aspectos da sociedade em que estamos inseridos. Consumir não é ruim, mas desprezar o consumido não é exatamente necessário. Pode-se, claramente, haver dualidade entre consumo e consciência para que atinjamos equilíbrio, algo tão vital para a sanidade mental individual e coletiva. Quando se deturpa ou se diminui um atleta, um time, uma Liga ou um esporte de maneira tão simplista, relegando a estes nada mais que mera obrigação ou desprezo total, separando-os apenas entre “mitos” e “lixos”, estamos, sim, agindo de maneira equivocada. Vale cada um ter sua opinião? Vale, claro, vale muito. Mas até que ponto vale ter a sua opinião, fazer a sua análise e desejar que a partir dela se receba reconhecimento e respeito se a contrapartida nem sempre é verdadeira? Saibamos reconhecer, apreciar e vivenciar os momentos com aquilo que eles têm de mais especial: o fato de serem únicos, de acontecerem apenas uma vez.
Replays de TV, prints de internet e os outrora imprescindíveis recortes de jornais ou revistas podem rememorar situações, mas nunca contarão os acontecimentos com as especificidades que lhes são peculiares. A história da NBA e a história do esporte têm passado debaixo de nossos olhos, visitado nossas casas praticamente dia após dia: é hora de tirarmos uns minutos a mais para aproveitá-las e reverenciá-las da maneira que merecem, sem que elas escapem no ar a ponto de nunca mais voltarem.