A NBA é feita de grandeza. De grandes atletas, grandes equipes, grandes técnicos, grandes jogos, grandes palcos. E grandes rivalidades. Legítimas eras da liga foram marcadas por craques polarizantes, cujos confrontos cativaram fãs e delinearam o basquete de uma época.
E, entre grandes rivalidades, só uma envolveu dois dos dez maiores jogadores de todos os tempos que atuavam na mesma posição e sempre faziam questão de se marcarem. É o embate que ajudou a construir a NBA, entre dois dos maiores que pisaram em uma quadra de basquete, e o tempo não será capaz de apagar.
Nunca houve uma rivalidade Bill Russell e Wilt Chamberlain. E essa é a história de grandeza por ela deixada, contada em declarações de seus dois protagonistas.
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Um trono para dois reis
Bill Russell estava no topo da NBA em 1959. Em apenas três temporadas na NBA, o pivô de 25 anos tinha dois títulos da liga com o Boston Celtics e um troféu de MVP. Parecia o início de um longo reinado, mas seu trono recém-assumido já estava sob ameaça. Essa ameaça vinha da Philadelphia estrearia naquele ano pela equipe de sua cidade natal, o Warriors: Wilt Chamberlain.
Chamberlain era nada menos do que o maior talento que o basquete já havia visto, impulsionado por toda a hype que os meios do final da década de 1950 permitiam. Tratava-se de um homem de 2.16m de altura e 125 quilos, mas, ao mesmo tempo, tremendamente atlético e rápido. Dono de um dos mais mortais arsenais ofensivos que a NBA testemunhara. A definição de “dominante” no dicionário.
E, se existia um trono para dois reis, a maioria das pessoas parecia acreditar que o menino da Philadelphia iria prevalecer. No entanto, entre tantas previsões feitas na época, coube a um dos mais respeitados armadores da liga – que havia enfrentado ambos – matar a charada do que seria observado pelos fãs do esporte a seguir: o experiente Carl Braun.
“Esse desafio que representa Wilt vai fazê-lo melhor do que nunca. Bill tem muito orgulho e ninguém vai derrotá-lo sem uma boa briga”, preconizou o veterano do New York Knicks. É bem provável que nenhum dos seus 10.625 pontos ou 2.892 assistências foram mais brilhantes do que essas palavras. Chamberlain e Russell motivariam um ao outro ao limite.
O primeiro round
Lado a lado, Russell e Chamberlain são lembrados por seus confrontos históricos e duelos em playoffs. A rivalidade propriamente dita, no entanto, teve uma “pedra fundamental” muito antes das partidas que todos saúdam até hoje. Pode-se dizer que o mais importante jogo do lendário embate entre os dois gigantes aconteceu em 09 de dezembro de 1959. Foi a origem, o primeiro round.
O Celtics confirmou seu favoritismo ao receber o Warriors e, naquela segunda-feira, venceu por 137 a 116. Russell deixou a quadra com 23 pontos, 18 rebotes e quatro assistências, além do 20º triunfo em 24 jogos na temporada. Chamberlain, embora não tenha vencido, deixou sua marca como sempre: foram 39 pontos e 20 rebotes contra o melhor atleta defensivo da liga.
“Depois que enfrentei Wilt pela primeira vez, eu parei para pensar. Aquele cara era mais alto e forte do que eu, enquanto saltava tão alto e corria a quadra com tanta facilidade quanto eu podia. E era inteligente. Percebi que o grande problema é que teria que aparecer com meu melhor jogo sempre que ele estivesse do outro lado”, relembrou Russell, notando que enfrentava um oponente único.
Para Chamberlain, aquele jogo também foi a percepção de algo especial: o homem que acostumou-se a dominar todos os níveis em que atuou via, pela primeira vez, um adversário pronto para testá-lo. “Foi a primeira vez que senti que meu controle do jogo não era tão alto quanto o de outro atleta. E isso por Bill ser um tremendo jogador”, contou a lenda da NBA.
Era só o primeiro capítulo, o primeiro round de uma batalha com muito mais do que os 12 ou 15 assaltos de uma luta de boxe.
As intermináveis batalhas
Um dos motivos que transforma Russell e Chamberlain em uma rivalidade única é o número de batalhas que protagonizaram dentro de quadra. Eles estiveram frente a frente por um recorde de 142 vezes ao longo de uma década na NBA, um feito que nunca será batido. No entanto, por incrível que pareça, a altíssima contagem ainda não é capaz de dar real ideia da intensidade da rivalidade. Essa dimensão só pode ser realmente entendida ao estudar a mentalidade de ambos.
“As pessoas dizem que foi o maior confronto individual já viram – e eu sou obrigado a concordar. Garanto que, se o técnico de um de nós dissesse que não iríamos nos marcar no dia que fosse, esse cara perderia nossa confiança para sempre”, afirmou Russell, que venceu 85 das partidas entre os dois. Chamberlain, por sua vez, ficou com as restantes 57 vitórias.
A contagem bruta também não conta que ambos disputaram oito séries de playoffs nesses 10 anos de duelos, incluindo duas finais da NBA. Onze vezes campeão da NBA, Russell venceu sete dessas disputas. “Bill tem todas as boas memórias dos nossos duelos, né? Afinal, ele ganhou todos os títulos”, admitiu Chamberlain aos risos, em uma entrevista com Russell, anos depois da aposentadoria.
Mas o que números absolutos, irrefutáveis, trazem é um reducionismo descabido a algo complexo. Das sete vitórias do Celtics contra Chamberlain, quatro foram em séries que tiveram sétimo jogo. Uma delas aconteceu em 1962, quando, ao fim da partida decisiva, Russell desabafou: “não dormi um minuto nessa semana, pois, todas as vezes que entrava em quadra, Wilt parecia um pouco maior”. O domínio nunca representou facilidade.
E, acredite, é preciso ainda mais para entender a grandiosidade das batalhas. Isso porque, envolvendo figuras “encrustadas” na cultura esportiva dos EUA, elas não aconteciam apenas dentro das quatro linhas. Entrar em qualquer barbearia do país na década de 1960 era estar sujeito a participar de uma discussão sobre quem era melhor: Russell ou Chamberlain?
Então, pense bem e você verá: as batalhas entre os dois continuam até hoje. Esse é o poder que só as lendas, os eternos podem protagonizar.
Bill por Wilt
Chamberlain compreendeu desde a primeira partida que estava encarando alguém diferente de todos os atletas que já havia visto na frente quando enfrentou Russell pela primeira vez. E foi assim ao longo da década inteira. Contra seu maior rival, o ídolo do Celtics exibia porque era o provável melhor defensor de todos os tempos: enquanto todos tentavam atacar os pontos fortes do adversário, ele tentava traçar estratégias.
“O que respeitava em Bill, mais do que qualquer coisa, era que ele enfrentava-me da forma como acredito que o basquete deveria ser jogado. Sabendo que eu era mais forte, nunca tentou me vencer no físico. Ele tentava usar sua velocidade e agilidade para roubar a bola de mim. Um trabalho defensivo maravilhosamente poderoso. Ninguém nunca me enfrentou daquele jeito”, explicou o falecido ex-jogador, reconhecendo a grandeza do oponente.
Mas não era só isso. Russell ganhou o respeito de Chamberlain porque, diferente de muitos adversários em uma sociedade racista e segregada como os EUA da época, ele sempre se mostrou um atleta leal e inteligente. “Bill era único. Era brilhante e orgulhoso. A maioria dos jogadores queriam me machucar e Bill sempre usou sua técnica para combater-me. Ele era respeitoso e merecia respeito”, resumiu.
“Nós éramos forçados a jogar de 11 a 13 vezes contra o Celtics na temporada regular. E, se isso não fosse o bastante, tínhamos mais até sete partidas nos playoffs. Então, querem saber, eu acho que vi Bill muito mais do que gostaria”
O lendário técnico Red Auerbach sempre disse que, entre tantas qualidades, Russell era um jogador com um senso especial de timing: fazia as coisas corretas, na hora certa, com precisão peculiar. Essa qualidade tão difícil de ser explicada em palavras também foi identificada imediatamente por Chamberlain, a ponto de quase fazê-lo abrir uma concessão em uma das maiores certezas que tinha ao longo da carreira: de que era o melhor reboteiro da NBA.
“Bill tinha um timing em quadra como nenhum outros da história do jogo. Ele era o único jogador que pegava rebotes contra mim, por exemplo. E, algumas vezes, até cheguei a contemplar se reboteava melhor do que eu. Mas, na verdade, Bill era tão sensacional porque dava o seu melhor e tinha o poder de aflorar o melhor de seus adversários”, identificou o craque de Philadelphia 76ers e Los Angeles Lakers.
Pela descrição de Chamberlain, pode-se notar que dava muito crédito a Russell pelo jogador que transformou-se na NBA. Ele nunca disse isso enquanto jogava, mas, com a nobreza que só o tempo traz, soube admitir anos após deixar as quadras. “Bill ajudou a fazer meu sonho de jogar basquete melhor, pois, quando jogamos com e contra os melhores, nós temos a certeza que vamos dar nosso melhor”, resumiu.
Wilt por Bill
Não é difícil entender a razão de Chamberlain deixar uma forte impressão por onde passava. Tratava-se do gigante em uma terra de gigante, o atleta perfeito entre os atletas de elite. Com Russell, porém, a impressão deixada foi outra: havia diversas outras qualidades inestimáveis no jogo daquele jovem da Philadelphia que só quem estava em quadra, enfrentando aquele monstro sem medo dos seus atributos físicos, podia notar.
“Wilt foi a força física mais impositiva que já jogou na NBA. Sem discussão alguma. Foi o maior jogador ofensivo que já vi. E era um grande atleta. Mas o pior de tudo é que ele também era inteligente. Foi o jogador mais inteligente que pude enfrentar, com folgas. Certa vez, eu até lhe disse: ‘acho que sou a única pessoa nesse planeta que sabe quão bom jogador você realmente é’”, detalhou o maior ídolo do esporte de Boston.
Essa inteligência fora do comum, combinado ao seu conhecido arsenal ofensivo, era o que levava Chamberlain a ser visto como um tipo de “camaleão”: ele conseguia adaptar-se ao defensor que encontrasse. “Eu nunca podia enfrentá-lo da mesma forma por dois jogos seguidos, porque não funcionaria. Então, cada vez que nós íamos jogar um contra o outro, era literalmente uma partida diferente”, contou Russell.
“Eu ouço as pessoas dizerem que Wilt não jogaria em outra época. Isso é besteira. A razão de desmerecerem-no é que seus números são tão grandiosos que parecem impossíveis. As pessoas que não estavam lá simplesmente não são capazes de compreender o que ele fazia em quadra”
A lendária capacidade de adaptação de Chamberlain durante os jogos conduziu a rumores de estratégias do oponente que, para muitos, mais parecerão loucuras. Reza a lenda, por exemplo, que Russell (deliberadamente) nunca bloqueava um arremesso sequer do cestinha da liga até o fim das partidas, como maneira de evitar que sua abordagem defensiva para os momentos decisivos fosse descoberta. E olha que ele tinha várias opções.
“Eu tinha cinco formas diferentes de enfrentar Wilt. O principal era saber que nunca seria possível pará-lo, mas era necessário fazê-lo menos eficiente. Tinha que tirar suas posições e ângulos favoritos. Se ele faria 40 pontos, então que fosse tentando 40 arremessos. Ele foi o atleta mais esperto que enfrentei no ajuste às condições do jogo e, por isso, tinha que ter diferente formas de enfrentá-lo preparadas”, argumentou.
E, no final das contas, tudo isso fazia a recíproca verdadeira: Chamberlain também parecia ter o poder de extrair o melhor basquete que Russell tinha em si. “Wilt foi o maior jogador ofensivo que já vi. Nunca houve ninguém melhor. Sua habilidade e talento não eram humanos. Seu jogo forçou-me a atuar no mais alto nível, pois, se não o fizesse, havia o risco de ser humilhado e meu time certamente perderia”, sintetizou o ex-atleta de 83 anos.
Os dois lados da moeda
O ser humano, infelizmente por natureza, tenta simplificar tudo em dualidades. Foi assim com Chamberlain e Russell também. Aos poucos, os dois passaram a serem encarados como perfeitos opostos: era o cara calado e o falastrão, o politicamente engajado e o playboy, o ataque e a defesa, o coletivo e o obcecado pelos próprios recordes, o altruísta e o egocêntrico. O campeão e o perdedor. O bem e o mal.
As claras diferenças entre ambos foram fatores que tornaram a rivalidade incrível, mas os dois admitem que a dualidade criada pelo público era uma grande injustiça. “Todos torcem pelo Davi. Ninguém quer torcer pelo Golias. Eu era visto tanto como um vilão, por ser maior e mais forte do que todos, que as pessoas decidiram me escalar como o vilão onde quer que fosse”, lamentou Chamberlain.
Essa visão simplista leva a ignorar os tons de cinza em ambos. Embora não fosse adorado como companheiro de time, todos os relatos dão conta que Chamberlain sempre foi uma pessoa tão generosa – e até mais simpática – do que o rival. Já Russell teve o ego grande o bastante para, certa vez, exigir que seu salário fosse aumentado para exceder em um dólar o novo contrato do adversário.
Isso, lógico, é encarado como uma curiosa brincadeira hoje. No entanto, imagine: será que veríamos da mesma forma, como essa curiosa brincadeira, se os dois jogadores estivessem em posições opostas?
Mas sim: a maioria das diferenças citadas eram verdadeiras. Só não eram simples, absolutas como a imagem dos dois gigantes no imaginário popular passou a sugerir com o tempo. A dualidade sempre existiu, mas nunca em um nível de caráter ou de personalidade. Essa é uma história sem vilões. Só havia, em essência, duas formas diferentes de encarar o esporte que amavam.
“Para Bill, todo jogo era um desafio e um teste para sua masculinidade. Ele levava o basquete tão a sério que vomitava no vestiário antes de quase cada uma de suas partidas. Mas eu vejo isso como um jogo, não uma questão de vida ou morte. Tem muitas outras coisas bonitas na vida para ficar tão emocionalmente envolvido com o basquete. Acho que Bill sabia como sentia-me e tanto invejava, quanto repudiava essa atitude”, refletiu Chamberlain, em sua autobiografia, “Wilt”.
Russell também via essa diferença de visão, mas tinha uma interpretação diferente: ele dedicava tudo ao esporte, enquanto seu rival só procurava tudo o que queria no esporte. “Wilt soava ambivalente sobre o que pretendia conquistar no basquete. É perfeitamente possível que um jogador não faça das vitórias uma prioridade e eu sentia que, muitas vezes, Wilt fez algumas de suas escolhas baseadas meramente em suas ambições”, explicou o ex-pivô, no livro “Second Wind”.
A amizade veio primeiro
A proximidade e amizade de jogadores da NBA é muito criticada por fãs na internet, hoje em dia. Mata o espírito competitivo, dizem. Isso não é um reflexo dos nossos tempos, porém. Russell e Chamberlain protagonizaram uma rivalidade lendária em quadra, mas, longe dos olhos públicos, possuíam uma relação das mais amistosas. Eram mais amigos do que rivais, até porque a amizade veio primeiro.
Em 1956, o até então calouro da Universidade de Kansas ficou sabendo que um de seus ídolos, o novato do Celtics, estava fazendo jogos de exibição em St. Louis e dirigiu horas para poder conhecê-lo. “Wilt era um jovem educado e cordial. Ele se apresentou para mim, passamos aquele dia juntos e ficamos amigos desde então. Foi simples assim”, recordou Russell, em entrevista ao site oficial da NBA.
Chega a ser surreal, mas os dois competidores intensos que protagonizavam duelos épicos em quadra buscavam um ao outro no aeroporto, horas antes das partidas. Eles conheciam as famílias um do outro, pois sempre passavam os feriados de Ação de Graças juntos quando estavam na mesma cidade. E, nesses momentos, a última coisa de que conversavam era sobre basquete.
“Nós nunca conversávamos sobre o último jogo ou o seguinte, o que aconteceria no outro dia. Éramos só dois caras que adoravam a companhia um do outro e que, na outra noite, por um acaso, tentariam chutar o traseiro um do outro. O que é mais importante é que nossas conversas nunca foram para tentar entrar um na cabeça do outro”, assegurou o ídolo de Boston.
A amizade entre ambos ficou estremecida na década de 1970 e 1980, após Russell criticar Chamberlain por não ter atuado contundido nos minutos finais da decisão do título de 1969. Os dois ex-jogadores deram declarações de que se arrependeram muito e, anos depois, coube ao multicampeão pedir desculpas pelo comentário infeliz e reatar os laços. A partir de então, nas palavras do próprio Wilt, ambos viraram quase “duas senhoras fofoqueiras” pelo telefone.
“Conversávamos sobre nossa vida após o basquete. Uma das minhas lembranças favoritas é de quando Wilt ligou-me enfurecido porque a Sports Illustrated fez uma capa questionando se Dennis Rodman era o melhor reboteiro da história da liga. Ele ficou inconformado”, conta Russell, aos risos, revelando que o orgulho de Chamberlain não diminuiu depois da carreira.
O gigante que se foi
Neste século, a história dessa rivalidade segue sendo contada (infelizmente) por só um de seus astros: Wilton Norman Chamberlain morreu em 12 de outubro de 1999, aos 63 anos, por conta de um ataque cardíaco. O fim de vida foi difícil para o pivô, que vinha se tratando de problemas no coração desde o início daquela década e viu sua saúde deteriorar-se nos anos anteriores a sua morte. Amigos contam que, sem revelar à imprensa, ele vivia com dores e chegou a perder 30 quilos nos últimos meses de vida.
Sua morte, de certa forma, foi necessária para quebrar a impressão errada que as pessoas tinham sobre o “The Big Dipper”. Vários jogadores tiveram reservas sobre atuar ao seu lado, mas as manifestações de admiração pessoal da comunidade da NBA foram unânimes naquele 12 de outubro de 1999. “Wilt se importava com os outros imensamente, fez coisas maravilhosas ajudando muitos, mas nunca pediu para ser reconhecido por isso”, revelou o adversário e amigo, Billy Cunningham.
Seu funeral foi acompanhado com tristeza por amigos, lendas da NBA e torcedores. E, claro, por aquele homem cujo nome – agora, mais do que nunca – eternamente estaria ligado ao seu. “Eu sinto-me indescritivelmente machucado. Acabo de perder não apenas um querido e excepcional amigo, mas uma parte da minha vida. Nossa relação era intensamente pessoal, acima do basquete”, lamentou Russell.
“Muitos dizem que nossa competição é a maior rivalidade da história dos esportes. Não acho que tínhamos uma rivalidade. Tínhamos um genuíno impulso competitivo baseado na amizade e respeito. Nós simplesmente adorávamos jogar um contra o outro. Adorávamos a competição. E a força dessa competitividade junto-nos como amigos para a eternidade”, complementou o ex-Celtic.
E, no fim das contas, a morte de Chamberlain levou-nos mais do que o maior dos gigantes da NBA e a outra metade dessa eterna rivalidade. Levou o parceiro de longos telefonemas de Russell. “O sobrinho de Wilt chegou para mim e disse que gostaria de saber que, ao limpar sua escrivaninha, achou a lista de ligações que pretendia fazer no dia seguinte. Eu era o segundo da liga. Aquilo me fez sorrir. Aquela nossa amizade é uma coisa que sinto falta”, contou.
Não haveria um sem o outro
Russell e Chamberlain acabaram sempre sendo medidos um em função do outro. O segundo, por exemplo, foi reconhecido muito tempo não como um bicampeão da NBA, mas como aquele que não tinha conquistado 11 títulos. Mas a beleza nessa história é que o respeito e a admiração estão acima da inveja e desentendimentos. “Queria ter ganhado todos aqueles anéis, claro, mas penso que cresci mais como homem nas derrotas do que nas vitórias contra Bill”, admitiu Chamberlain.
E, se o gigante da Philadelphia conseguia ver um valor precioso em suas derrotas, Russell também compreendia o privilégio representado pelas vitórias. “Se Wilt não existisse, eu ainda teria conquistado 11 títulos da NBA. Mas tudo não teria sido tão divertido. Para mim, vencer só se torna realmente gratificante quando você derrota os melhores – e meu amigo Wilt foi, de longe, o melhor jogador que já enfrentei”, cravou “Russ”.
O entendimento de que aquele era o embate dos melhores jogadores de uma era, que desafiavam um ao outro para atingirem o máximo de seus potenciais, também era exaltado por Chamberlain. “Você sempre precisa do melhor para tirar o melhor de você em quadra. E, neste sentido, posso dizer que sempre soube que tive muita sorte por ter jogado contra Bill”, enalteceu.
“Sucesso é uma jornada para mim, não um destino. E jogar contra Wilt fez minha jornada extremamente fascinante. Não posso imaginar algo mais prazeroso do que atuar no nível em que ele obrigou-me. Serei eternamente grato pela oportunidade”
A rivalidade entre Russell e Chamberlain nunca deve ser esquecida porque sintetiza tudo o que deve ser uma rivalidade. São dois gigantes, jogadores extraordinários e maiores do que a vida, desafiando um ao outro e exigindo seus melhores dentro de quadra. Dois homens muito diferentes, que viam o mundo e o basquete de formas variadas, aproximados pelo esporte para revelarem-se competidores iguais e pela vida para se tornarem amigos improváveis. Dois atletas que, por se respeitarem antes de competir, conseguiram ver a grandeza um no outro como ninguém jamais conseguirá.
Mas, em tudo o que foi dito, Russell acredita que há um erro de conceito: ele nunca teve um rival em Chamberlain. “Wilt era um amigo. Nós não éramos rivais. Éramos competidores. As pessoas não entendem que, em uma rivalidade, existirá sempre o vencedor e o derrotado. E Wilt, acredite, não era um derrotado. Então, nós éramos dois competidores”, finalizou.
Você está absolutamente certo, Sr. Russell. Essa rivalidade foi tão grandiosa que não teve rivais.
Esse texto integra a série “Grandes Histórias” do Jumper Brasil. Na primeira segunda-feira de cada mês, o site traz uma grande matéria sobre atletas atuais e grandes ídolos da história da NBA. É uma abordagem diferente, abrangente, sobre as trajetórias de sucesso que formaram e formam a liga como conhecemos. Se você tem sugestões de pauta, por favor, deixe nos comentários!