Embora tenha jogado seu melhor basquete da temporada nas partidas do Dallas Mavericks em que Luka Doncic esteve fora da formação, Kristaps Porzingis começava a mostrar crescimento importante no papel de complemento à estrela eslovena – pouco antes da parada por conta da pandemia do novo coronavírus.
A evolução coincidiu também, é claro, com o natural ganho de ritmo por parte do ‘unicórnio’ – que sentia o peso físico e técnico de ter passado dois anos sem jogar. Mas, na nossa visão, o principal fator para sua consolidação como um ‘Robin’ de elite foi sua adaptação mental ao papel, sobretudo no âmbito do ‘entendimento’ das contribuições adicionais que a equipe precisava dele, agora que ele já não era o ponto focal do ataque.
Pergunte a qualquer jogador de basquete e ele te dirá o quão diferente é saber que terá a bola nas mãos a maior parte do tempo – de estar em uma situação em que seus toques poderão ser menos frequentes.
Para alguém que foi ‘coroado’ como uma jovem estrela logo em sua chega à NBA como Porzingis, essa mudança de cenário certamente teve seu peso.
O letão iniciou a temporada mostrando ansiedade no ataque – forçando e apressando arremessos sem que sequer utilizasse sua vantagem de envergadura sobre os adversários, cenário que o levou a converter míseros 40% de seus aproveitamentos de quadra nos primeiros 25 jogos do ano.
Essa ‘pressão psicológica’ claramente foi aliviada, porém, nas partidas em que Doncic não estava em quadra – como aconteceu no confronto contra o Milwaukee Bucks, fora de casa, no qual Porzingis anotou 26 pontos, 12 rebotes e cintilantes 20 pontos positivos na coluna do plus/minus para levar seu time a uma improvável vitória.
Questionado sobre os motivos de não ter colocado até então performances desse calibre atuando ao lado de Doncic, o ex-jogador do Knicks não poupou palavras dizendo que era difícil ser consistente sem saber de onde seus chutes virão.
Realmente é difícil.
Mas após a parada para o All-Star Game, Porzingis estava dando mostras importantes de adaptação ao papel secundário no ataque de Rick Carlisle.
Se antes da parada para o ASG, ele mostrava ansiedade para fazer ‘algo acontecer’ em seus toques na bola – forçando chutes a partir do drible (antes da parada, 23.1% de seus arremessos vieram antecedidos de dois ou mais dribles. E ele converteu 27.7% deles), após o evento vimos um jogador muito mais disposto a deixar o jogo chegar até ele.
Desde então, Porzingis chutou após colocar a bola no chão no máximo apenas uma vez em 82.9% das vezes (em 72.3% delas, nem sequer colocou-a no chão) – abordagem que fez sua eficiência saltar para 43.2% nos arremessos de quadra e, pasme, o permitiu acrescer três tentativas de chute por jogo, só pelo fato de passar a ‘caçar’ seus chutes a partir da movimentação em espaços vazios, explorando a atenção atraída por Doncic.
Seu salto no âmbito da eficiência impressiona ainda mais diante do fato de que seu aproveitamento nos três pontos seguiu o mesmo (decepcionante, aliás) – 35% antes da parada e 34.5% depois.
Porzingis passou a ser mais físico e usar seu atleticismo para colocar maior pressão no aro – sobretudo ao optar mais por ‘correr em direção à cesta’ (pick and roll) ao invés de se permanecer em sua zona de conforto no pick and pop.
Mais do que fazer um trabalho melhor no lado ofensivo da quadra, no entanto, Porzingis percebeu que – ao gastar menos energia tentando criar o próprio chute no ataque – era seu papel despendê-la com mais intensidade na defesa.
E assim ele fez.
Após o jogo das estrelas, o letão se colocou entre os melhores protetores de aro de toda a NBA – exibindo seu usual atleticismo e utilizando a envergadura de 2,29m para alterar arremessos, mas – mais do que isso – mostrando-se mais disposto a absorver contato ao optar pela utilização da técnica da verticalidade.
Porzingis saltou de uma média de 1.9 toco por jogo pré-ASG para 3.0 tocos por partida após o evento, mas seu crescimento mais substancial veio na habilidade de alterar chutes sem necessariamente bloquea-los por conta da abordagem mais física: saiu de 12.2 contestações por jogo pré-ASG, para uma média de 16 no pós – ficando atrás apenas de Brook Lopez (17.8) e Rudy Gobert (17) no período.
Seu crescimento a partir do entendimento e aceitação de não ter sido designado como ponto focal do ataque do Mavericks mostra a maturidade de um atleta que, após quatro anos de liga, está disposto a colocar o resultado coletivo à frente de seus objetivos individuais.
Como quase sempre acontece, o basquete tem premiado essa abordagem ‘correta’ do jogo – ao traduzi-la também para a tabela de estatísticas.
Após o ASG, Porzingis saltou de 18.4 pontos e 9.1 rebotes para 23 e 11.1 – respectivamente. Bem como tem ajudado sua equipe a ser 10.9 pontos melhor do que os adversários no período (tinha um plus-minus de 4.7 até a parada), liderando a equipe no quesito (era o quarto até o ASG).
Toda essa experiência adquirida ao longo dos primeiros jogos da temporada, servirá de ‘trampolim’ para que Porzingis jogue seu melhor basquete e exploda como uma força a ser reconhecida no retorno da NBA.