Há duas décadas, o San Antonio Spurs ainda não havia conquistado o seu primeiro título. Sim, amiguinhos, apesar de conseguir a classificação por sete temporadas seguidas, o Spurs do talentoso David Robinson sempre batia na trave. Era candidato ao título, mas jamais passava da final de conferência. Foi assim durante um longo período, até que, em 1996-97, Robinson teve duas lesões graves.
O pivô, então com 31 anos, ficou fora das quadras no começo daquela temporada e aí, retornou em dezembro. Mas foram somente seis jogos e a diretoria do time texano, que ainda sonhava com os playoffs, viu suas chances indo embora lentamente. E as lesões não ficavam só por conta de Robinson. Sean Elliott, segundo cestinha da equipe, convivia com problemas físicos depois de uma rápida passagem pelo Detroit Pistons. Naquele ano, fez apenas 39 jogos. Will Perdue (sério, pesquise aí), aquele que o Chicago Bulls enviou para o Spurs por Dennis Rodman, era a única coisa que funcionava no Spurs em 96-97. Avery Johnson caiu de produção. Vinny Del Negro, idem. Dominique Wilkins, em final de carreira, foi o cestinha daquela equipe.
Robinson até queria voltar. Pediu explicações à diretoria, pois sentia-se pronto para jogar normalmente. No entanto, era tarde. A diretoria do Spurs havia feito um pedido a ele: que ficasse quieto, se repousando, pois tudo estava sendo calculado.
Sim, as derrotas eram premeditadas. Não totalmente, mas quando você perde seus dois principais jogadores e utiliza outros 18 em uma temporada é porque está sendo feito um processo de transição. O famoso tank.
O Spurs perdeu porque não tinha a menor chance de se classificar e sabia que no próximo draft havia um certo pivô de Wake Forest jogando um absurdo no basquete universitário. Era Tim Duncan. Quem conversou com Robinson? Você tem apenas um palpite e ele provavelmente está certo: Gregg Popovich.
Meses depois, sem nenhuma surpresa, o Spurs terminou a temporada com 20 vitórias em 82 jogos e a terceira pior campanha, superando apenas o então Vancouver Grizzlies e o Boston Celtics. E então, no dia 25 de junho de 1997, a história da franquia texana estava prestes a mudar completamente. Foi o dia em que David Stern chamou Duncan ao palco como a primeira escolha daquele draft.
Duncan era pivô mesmo, de formação. Mas no Spurs já tinha Robinson. Porém, ele sempre teve a capacidade de atuar um pouco mais aberto, por conta de seu arremesso e de sua qualidade com a bola nas mãos. E foi o que aconteceu.
Logo após o seu primeiro ano como profissional, que havia lhe rendido a convocação para o Jogo das Estrelas e o prêmio de melhor calouro, a NBA parou por conta de uma greve. O primeiro locaute, que reduziu a temporada para 50 embates. Menos jogos, maiores chances para os veteranos. Tanto que a final da liga foi disputada diante de um New York Knicks cheio de gente calejada, que sabia o que estava fazendo.
De um lado, os trintões Robinson, Johnson, Elliott, Perdue, Mario Elie, Steve Kerr e Jerome Kersey. Do outro, um Knicks encardido e sedento também por um título que não chegava desde 1972-73, mas desfalcado de Patrick Ewing, que havia se lesionado durante os playoffs. Sobrou para os jovens Kurt Thomas e Marcus Camby, para caras motivados como Allan Houston, autor da cesta que eliminou o Miami Heat, então primeiro colocado no Leste, Larry Johnson, aquele que fez o lance de quatro pontos contra o Indiana Pacers na terceira partida da final do Leste, e por fim, Latrell Sprewell, que havia sido suspenso por toda a temporada anterior por tentar estrangular P.J. Carlesimo no Golden State Warriors.
Mas Duncan não deu a menor chance ao Knicks. Em cinco jogos de placares mirrados e apertados — vale lembrar que naquela série, nenhum time alcançou a marca centenária — o camisa 21 só não fez chover. Médias de 27.4 pontos, 14.0 rebotes e 2.2 bloqueios, em quase 46 minutos por partida. MVP das finais, claro.
Era o primeiro título do Spurs, o primeiro de Duncan.
Quatro anos se passaram e, ao lado dos jovens Tony Parker e Manu Ginobili, Duncan levou o Spurs à final novamente. E foi contra o New Jersey Nets, de Jason Kidd, Richard Jefferson e um veterano Dikembe Mutombo. A série chegou a estar empatada duas vezes, mas nos dois últimos jogos Duncan brilhou. Na quinta partida, fora de casa, ele obteve 29 pontos, 17 rebotes, quatro assistências e quatro bloqueios. Mas o melhor, ele deixou para o último: Duncan quase atingiu um quádruplo duplo ao enfileirar 21 pontos, 20 rebotes, dez passes decisivos e oito tocos.
O terceiro campeonato não demorou muito. Dois anos depois, lá estava o Spurs, desta vez diante do Detroit Pistons, que, no ano anterior, havia superado o Los Angeles Lakers de Shaquille O’Neal, Kobe Bryant, Karl Malone e Gary Payton. O Pistons já não era mais o underdog. Era o time a ser batido. Do quinteto titular, apenas Tayshaun Prince não foi para o Jogo das Estrelas daquele ano. Chauncey Billups, Rip Hamilton, Rasheed Wallace e Ben Wallace estavam juntos no melhor momento de suas carreiras. Era uma série de defesa contra defesa. Sim, os dois times que sofreram menos pontos durante toda a temporada disputavam o troféu. Desta vez, uma final bem mais apertada e novamente, com placares magros. Apenas em um dos sete jogos, uma equipe anotou pelo menos 100 pontos. Deu Spurs e, pela terceira vez, Duncan foi eleito o MVP das finais.
O primeiro encontro entre LeBron James e Duncan em finais da NBA aconteceu em 2006-07. LeBron e o Cleveland Cavaliers tinham acabado de superar o Pistons na final do Leste com jogadores medianos ou esforçados, como queira. Drew Gooden, Sasha Pavlovic, Larry Hughes (em uma temporada horrorosa), Donyel Marshall (idem), Anderson Varejão, Boobie Gibson e o ótimo Zydrunas Ilgauskas. Era a primeira chance de um brasileiro ser campeão na NBA. Foi ainda o ano em que LeBron anotou 29 dos últimos 30 pontos do Cavs na quinta partida diante do Pistons. Mas contra o Spurs, a situação era outra. Parker assumiu o controle e, pela primeira vez, o time texano foi campeão sem que Duncan fosse o MVP. Sem problemas. Uma sonora varrida deu o quarto título ao Spurs.
Até então, o Spurs havia obtido quatro campeonatos sem perder uma final sequer. E sempre, em anos ímpares, tanto que na época, descartavam o time em anos pares, tamanho o sucesso da equipe.
Contudo, veio 2013. O Spurs havia ficado um longo período longe das finais. Duncan estava com 36 anos, enquanto Ginobili tinha 35. Novamente contra LeBron, desta vez no Miami Heat. Duncan e Ginobili falharam em lances decisivos na sétima partida e o Spurs foi derrotado pela primeira vez. Frustrado, Duncan afirmou ter pensado na aposentadoria, mas queria terminar a carreira com mais um título.
A oportunidade aconteceu no ano seguinte. Kawhi Leonard marcou LeBron, levou o MVP das finais com um pé nas costas e Tiago Splitter foi o primeiro brasileiro a conquistar o troféu. Mais que isso, foi a vingança em cima do time que havia superado o Spurs. Duncan ganhou mais um campeonato, o quinto da carreira.
Desde então, ele não foi ficando mais jovem. O tempo passou, as contusões vieram, ao mesmo tempo em que cada vez era mais poupado por Popovich. Deu! Aquele garoto, que até os 14 anos era nadador e só começou a jogar basquete porque a única piscina olímpica que as Ilhas Virgens tinham foi destruída por um furacão, cansou.
Discreto como em sua chegada, Duncan anunciou sua aposentadoria sem nenhum alarde e sem precisar fazer tour de despedida. Nada contra quem o fez e até acho justo um ídolo dar ao torcedor uma última oportunidade. Mas Duncan é diferente sob qualquer aspecto. Dentro e fora de quadra, um gênio silencioso. Um sujeito que declinou propostas muito melhores financeiramente em sua primeira agência livre e que teve a coragem de diminuir seu próprio salário para que o time pudesse trazer reforços. Algumas raríssimas exceções fazem o mesmo. Ele foi Spurs até o último dia de sua brilhante carreira. Encerra esse ciclo aos 40 anos. Jamais haverá outro igual.
Obrigado, Tim Duncan.