Falácias do basquete

Ricardo Romanelli fala sobre as falsas premissas sobre basquete que o incomodam na discussão diária sobre o esporte

Fonte: Ricardo Romanelli fala sobre as falsas premissas sobre basquete que o incomodam na discussão diária sobre o esporte

Por Ricardo Romanelli

Na semana passada, eu vi um artigo do nosso Gustavo “Mastodonte” Freitas onde ele desenvolveu uma lista de coisas que não lhe enganaram nesta temporada – mesmo odiando fazer listas. Li o excelente texto e pensei que também não gosto de fazer listas, mas existe algo de que não gosto ainda mais: algumas máximas repetidas exaustivamente no meio do basquete e da NBA, especificamente. Algumas falácias que acabam adotando um verniz de verdade por serem tão reforçadas, quando, na realidade, não passam de fracos pressupostos teóricos sem qualquer comprovação.

Assim sendo, apesar de não gostar de listas assim como o “Masto”, eu decidi fazer minha própria lista. Hoje, buscarei desmentir três principais falácias do basquete moderno.

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1 – “O basquete de hoje é menos técnico que no passado”

Cada vez mais, comentários de que a NBA do passado tinha jogadores mais habilidosos e com maior domínio dos fundamentos do que hoje se proliferam. Atualmente, segundo muitos, o basquete seria apenas um amontoado de bons atletas que sabem correr e pular, impondo-se fisicamente sobre os habilidosos. Esta linha de raciocínio não poderia estar mais errada.

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Apesar de até parecer assim, o correto é exatamente o contrário: os jogadores medianos de hoje possuem muito mais habilidade do que os medianos de antigamente. Com isso, os atletas que se destacavam em uma habilidade específica pareciam melhores. É mais ou menos assim: se você tem um bom arremessador numa liga onde poucos possuem essa habilidade, ele vai parecer um Deus. Agora, se o nível médio da liga é razoavelmente elevado, o sujeito terá que fazer muito para se destacar.

Como os conjuntos de habilidades básicas estão mais completos do que nunca (um jogador tem que ser bastante completo para sequer ser cogitado na NBA atual), acabam se destacando aqueles que – além destas habilidades – possuem atributos naturais que lhes conferem vantagem sobre os outros. Ou seja, destacam-se aqueles que são bons e que tem o componente físico-atlético – não somente um ou outro.

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Por isso é que se deve considerar uma insanidade quando lemos por aí que LeBron James só joga por conta de seu porte físico e que não seria ninguém em décadas passadas.

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2 – “Um bom time começa com um bom técnico”

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O raciocínio parece simples: para que um time seja bom, deve, antes de tudo, ter um bom treinador para utilizar as “peças” corretamente. Certo? Claro que não. A ideia aqui não é dizer que técnicos medíocres conseguem chegar longe, mas sim que um bom time acaba se encontrando sem importar quem esteja no comando. Basta observar quantas equipes da NBA passaram de medíocres a boas trocando de jogadores e quantas fizeram o mesmo trocando o treinador. Um bom comandante não vai levar um elenco ruim longe, mas um bom elenco pode muito bem conquistar um título independente da competência de quem está à beira da quadra.

Isso ocorre porque, no nível profissional, os atletas já viram de quase tudo e possuem todo o suporte extra-quadra necessário para desenvolverem suas habilidades. Eles já têm noção de todos os sistemas de jogo (que não são tantos e nem tão diferentes) e sabem o que fazer quase instintivamente.

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Deve-se ressaltar, porém, que isto vale apenas para o jogo profissional. No basquete universitário, onde o nível técnico e a experiência dos atletas são menores, um bom treinador liderando um programa pode ser essencial para o sucesso das equipes por tais circunstâncias.

De qualquer forma, a realidade é outra entre os profissionais. A NBA é cheia de exemplos disso. Doc Rivers passou de treinador de loteria à campeão da liga com a chegada dos “Big Three” de Boston em 2008. Larry Brown mostrou, por outro lado, que bons técnicos não são tão úteis assim em suas passagens por Charlotte e New York.

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Por onde começava o Celtics campeão de 2008? Doc Rivers ou o "Big Three"

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3 – “O basquete da NBA é muito individualista”

Esta é outra crítica sem pé, nem cabeça. Alguns “analistas” pregam que o basquete europeu é mais coletivo e sistêmico, enquanto a NBA tem um jogo que corre mais solto, deixando margem para o individualismo dos atletas. Isso é válido apenas até certo ponto.

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O problema é que todos colocam tal característica como algo ruim, quando na verdade é o contrário. Se o basquete europeu preza mais pelo sistema do que o individual é porque necessita de um padrão tático mais forte para compensar atletas de menor nível. Significa dizer que alguns jogadores da NBA, se submetidos a um sistema ofensivo mais elaborado, não renderiam tanto.

É claro que a equipe é composta pela soma de todas as partes, mas existem jogadores com habilidades extraordinárias na NBA, arsenais bem mais amplos do que os atletas de qualquer outra liga do mundo. Este fato credencia-os a possuírem maior liberdade no ataque.

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Então, por esse ponto de vista, pode-se dizer que o jogo europeu é sim mais organizado, mas não mais coletivo. Por quê? Porque o grande atleta que joga com liberdade sempre terá que recorrer a seus companheiros para punir os adversários por marcações em dupla ou erros de posicionamento, além de necessária alternância de jogadas para manter o ritmo e a imprevisibilidade do ataque. É, no mínimo, leviana a linha de pensamento que mistura maior liberdade aos grandes jogadores com elevado nível de individualidade.

Estas são apenas algumas das falácias que vemos todos os dias nas discussões sobre basquete, de maneira explícita ou não. Quanto antes conseguirmos afastar essas falsas premissas, melhor passaremos a compreender o basquete da NBA como ele verdadeiramente é: um esporte sempre em mutação, mas não necessariamente melhor ou pior que no passado ou em outras partes do mundo.

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