Por Heitor Facini, do Canal Buzzer Beater
No domingo, dia 25 de novembro de 2018, Dwight Howard, pivô do Washington Wizards, virou primeiro lugar nos trending topics do Twitter. Qual o motivo? Um jogo bom? Mais uma notícia dos bastidores do Wizards? Alguma data histórica?
Nada disso. O staff do pivô estava sendo acusado pelo escritor transgênero Masin Elijè de ameaçá-lo de morte. O motivo dessa perseguição? Estavam tentando calar Masin e garantir que ele não revelasse a relação amorosa que tinha com Dwight Howard. Para isso, ofereceram suborno e ameaçaram a integridade física do escritor.
A repercussão disso? A pior possível.
A história de Masin Elijè com Dwight Howard
A história começa no domingo com as tuitadas de Masin Elijè. Segundo os relatos dele, tudo se desenrolou da seguinte forma: Masin e Dwight se conheceram numa festa, trocaram olhares e, uma semana depois, eles já estava trocando mensagens via DM no Instagram. A troca de mensagens virou constante, passaram a enviar fotos íntimas e video-chats ocorriam diariamente.
A coisa ficou estranha quando Dwight respondeu que não queria contar sobre o namoro dos dois para a família. Nessa parte, Masin apresenta a primeira prova para as acusações: uma suposta troca de mensagens no Instagram.
Fast forward, I’m finally face to face with Dwight! And after that day, from my understanding we had a understanding. So I’ll just upload this screen record here just in case his team decides to lie. (Ain’t no girl gon ask you this) pic.twitter.com/JMfhPbUJL0
Publicidade— Masin Elijè (@MasinElije) November 25, 2018
So this is how that damn conversation went. Typical guy, LYING. I didn’t mind cheating but you’re “allegedly” at transgender SEX PARTIES sticking your penis in everyone raw? Okay Magic Johnson 2.0 with amnesia pic.twitter.com/xbshh9obWT
Publicidade— Masin Elijè (@MasinElije) November 25, 2018
Em seguida, aconteceu mais um revés. Masin descobriu que Dwight vinha traindo ele em orgias sexuais sem utilizar a devida proteção. Apresentou mais uma prova: uma ligação telefônica.
Nesse momento, começaram as ameaças. Um cara chamado Calvin, que fazia parte do staff de Howard, ligou falando que, se Masin não aceitasse o dinheiro de suborno, a vida dele corria risco. A partir daí, o escritos contatou as autoridades e decidiu registrar passo a passo na conta do Twitter dele. Isso garantiria que, se acontecesse algo, saberiam quem era o culpado.
Por que sempre desacreditam a vítima?
As provas são bem fortes. Coloquei na descrição o Twitter de Masin com a thread para você avaliar. Não sou perito em mixagem de som ou edição de vídeo, mesmo tendo um canal no YouTube, mas as provas aparentam ser bem críveis.
Além disso, levando em conta o histórico da NBA, do esporte e das celebridades, o acusador sempre tem muito a perder. Existe um senso comum muito burro de que o acusador sempre quer aparecer, mas o saldo sempre é negativo.
Normalmente, a vítima é desacreditada, sendo mentira ou não, e é massacrada por fãs e não fãs do esporte. Todo mundo se pergunta: “como aquele semideus, aquele herói esportivo, poderia fazer tudo isso de ruim?”.
Até quando o acusado não é famoso isso acontece, imagina quando há fama? Tudo bem que a fama do Dwight Howard não é tão grande mais, mas vimos, de fato, isso acontecendo. Diversas pessoas tiraram o mérito das acusações.
Atletas sempre se safam e estão acima da lei
A NBA tem em sua cultura uma prática horrível de sempre forçar a inocência de seus ídolos. É um reflexo do primeiro ponto. Normalmente, quando um jogador é acusado de algum crime, a liga joga para debaixo do tapete e encoberta todo o ocorrido.
A vítima sempre será desacreditada, o jogador não vai sofrer nenhuma punição pelo crime e logo estará gozando dos louros da fama como se não acontecesse nada.
Existem casos históricos na NBA de “passação de pano para astros”. Por exemplo:
- Karl Malone teve relações sexuais com uma menina de 13 anos, que engravidou e teve o filho. Malone nunca reconheceu a criança e fez abandono parental. Isso é sempre esquecido quando colocam ele como um dos maiores da história.
- Kobe foi acusado de estupro, o caso sumiu e hoje é idolatrado.
- Jason Kidd batia regularmente em sua ex-esposa. Nunca foi punido e ele continua sendo idolatrado.
- Derrick Rose foi acusado de praticar estupro grupal contra uma jovem desmaiada e foi absolvido. Hoje, a história lembrada é da sua superação.
Isso não se resume ao basquete, por exemplo, podemos buscar referências no futebol brasileiro.
- Robinho foi condenado por estupro e ainda continua atuando livremente na Turquia e foi pedido por times daqui.
- Edmundo matou três pessoas atropeladas, nunca foi preso e é comentarista do canal Fox Sports.
- O goleiro Bruno Fernandes matou Eliza Samudio e foi preso, é verdade. Mas quantos não pediram a contratação dele em seus times quando foi ventilada a sua soltura?
Entenderam a relação? Um atleta de alto nível tem passe livre para ser criminoso. A vítima pode acusar e refutar, mas será desacreditada e sua vida se tornará um inferno. Alguns dos casos citados podem realmente ser acusações falsas e inventadas, mas, analisando o retrospecto, vocês acreditam nisso? Eu não.
Existe uma sistemática inocência de estrelas. Isso é fruto de um tratamento especial devido à fama, abuso de poder e influência pelas celebridades. Por que o staff de Dwight Howard ameaça alguém de morte? Por que sabe que não será punido por isso.
Eu realmente espero que Howard seja punido e preso por conta do crime que supostamente cometeu. Mas vocês acreditam que isso acontecerá ou o caso será abafado mesmo que real? Eu fico com a segunda hipótese.
Homofobia no esporte
O terceiro e último ponto que eu quero tocar é a repercussão do caso no Brasil e mundo. Quando você pesquisa, por exemplo, no Twitter, quais os principais resultados sobre o caso? Alguém condenando Dwight pela sua atitude? Alguém questionando por que celebridades se sentem à vontade para realizar coisas como essas? Não. Piadas relacionando o fato de Howard se relacionar com homens. Piadas homofóbicas com o fato de Howard ser gay.
Muitos pensam que o humor é inofensivo, que a sociedade está chata, existe muito mimimi e que todos temos apenas que rir. Não é bem assim.
Segundo o artigo “Humor e Discriminação por Orientação Sexual no Ambiente Organizacional” feito pelos dois doutores em administração pela FGV, Luiz Saraiva e Alexandre Carrieri, e pelo doutor em administração de empresas também pela FGV, Hélio Irigaray, o humor naturaliza a homofobia e é utilizado como instrumento de controle da sexualidade.
A nossa sociedade autoriza rir do homossexual, pois a sociedade desrespeita o homossexual e também respalda todo o comportamento homofóbico. Durante todo o artigo é reforçada essa tese com relatos qualitativos. Ser visto como homossexual em ambientes corporativos é sinônimo de ser excluído da vida profissional da empresa. O humor reforça essa situação.
No ambiente corporativo, em teoria, a masculinidade por si só não é uma característica que traga vantagens competitivas. Não é senso comum que ser gay em uma empresa traz desvantagens. Mas a sociedade não pensa isso do esporte.
Isso é o que mostra o mestre em educação pela UFRGS, Gustavo Bandera, e o doutor em educação pela UFRGS, Fernando Seffner, no artigo “Futebol, Gênero, Masculinidade e Homofobia: um jogo dentro do jogo”. A teoria dele diz que o ser depende do não ser. Ou seja, o bom depende do mal, a luz depende da escuridão, o limpo depende do sujo para existir.
No esporte, o bom jogador é sinônimo do viril do masculino, do macho. Ou seja, ser gay é sinônimo de mal. Ser gay aproxima o jogador do não macho, coloca em risco a masculinidade. Ser gay, para um basquetebolista é errado, já que coloca abaixo em relação aos héteros. Isso é reforçado, por exemplo, nos estádios de futebol com cânticos homofóbicos.
Qual o resultado da normalização através das piadas? No esporte, um ambiente hostil para LGBTs que, ou deixam de participar desses ambientes, ou se escondem forçadamente, ou tem de ser mais viris para se provarem como não gays.
Na sociedade existe uma perseguição a todos os LGBTs em todos os âmbitos da socialização e em relação a crimes cometidos contra os grupos. De acordo com reportagem do jornal O Globo, o Brasil é o país que mais mata LGBT no mundo. Foram 443 casos em 2017. Pode-se argumentar que a violência acontece com ambas as orientações sexuais, mas não existe crimes contra héteros por conta da orientação sexual deles. Ninguém mata héteros por serem héteros.
Por conta de tudo o que apresentamos, piadas não são banais. Elas reforçam um comportamento completamente nocivo e tóxico na sociedade, nesse caso. Ninguém morre ou sofre algum rebaixamento direto por piadas, mas o resultado disso é a legitimação de um discurso de que LGBTs são cidadãos de segunda categoria, o que é um absurdo em pleno 2018.
Pelas acusações, Dwight Howard, através de seu staff, cometeu um crime por colocar em risco a vida de uma pessoa por conta de ameaças feitas a ela. Por que isso não foi o tópico principal? Por que o fato dele, nesse caso, ser gay foi o principal motivo para rebaixá-lo?
Espero que, em um futuro próximo, famosos sejam punidos pelos crimes que cometem e que a repercussão seja a condenação dessas mesmas atitudes e não a orientação sexual de ninguém.
Sobre o Buzzer Beater
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