Por Gabriel Andrade
Entre os dias 2 e 5 de junho foi realizado, em Treviso na Itália, o NBA Global Camp 2018. Em quatro dias de treinos, entrevistas, jogos, medições físicas e atléticas, quase uma centena de talentos estava sendo observada por olheiros de clubes da NBA, gente de alto staff (notadamente Masai Ujri, do Toronto Raptors), agentes de toda parte do mundo e mais representantes diversos de clubes europeus. Não apenas em termos de Draft que se pensava ali, como também alvos para futuras transferências.
Impressões Gerais
De um modo geral, o evento foi muito bem organizado, transmitido para todo o mundo e conquistou ótimo feedback dado o pouco tempo que a NBA teve para organizar tudo, visto que a Adidas cancelou a organização do Eurocamp há cerca de quatro meses. Em compensação, nomes como Isaac Bonga, Elie Okobo e Rodions Kurucs acabaram por recusar seus convites, os principais prospectos internacionais, além dos destaques Luka Doncic e Dzanan Musa. Além do mais, tanto Musa quanto Diego Flaccadori e Vanja Marinkovic não participaram dos torneios e medições, os três estavam/estão jogando partidas decisivas de seus respectivos campeonatos nacionais por seus clubes, comparecendo apenas para a parte de entrevistas.
Quanto ao nível de talento, o evento foi bastante mediano, sobretudo nos elegíveis para o Draft. O Global Camp conseguiu criar um evento cercado de talentos realmente atléticos e munidos de potencial físico, contudo, pouco refinados no ataque. O excesso de pivôs nas equipes e a falta de criadores no perímetro (muito por conta das ausências de Bonga, Musa, Flaccadori e Vanja) tornaram os jogos feios e com pouco espaçamento, muitos atletas atuaram fora de posição e jogadores que precisam de espaço para operar próximo à cesta tiveram seu impacto reduzido.
Por outro lado, os times do Centro de Excelência da Austrália, das Academias da NBA no mundo e, sobretudo, o Combinado de Jogadores Internacionais Sub-18 foram extremamente talentosos e diversificados, com dezenas de prospectos de valor de primeira rodada de Draft.
Valorizados a nível de Draft
- Issuf Sanon
Combo Guard, Ucrânia, 18 anos, 1.94m de altura e 1.97m de envergadura
Dentre os elegíveis para o Draft, Sanon foi certamente o mais talentoso. O combo guard ucraniano mostrou ser o jogador mais polido em termos de criação de arremessos, dono de ótimo controle corporal, capacidade de trabalhar em diferentes velocidades, arremessos após o drible e um corpo atlético, fluido, um pontuador em nível acima. Antes cotado como escolha 57 no Mock Draft da ESPN, subiu para 42 e desponta como opção para Draft-and-Stash na segunda rodada. Não me espantaria caso fosse escolhido até na primeira rodada. O jogador do Union Olimpja não é um produto pronto, seus passes e tomadas de decisões, bem como nível de experiência para comandar um ataque, ainda são pouco polidos. Treinado por um técnico que estuda Scouting, Luka Bassin, ele está em ótima situação para desenvolver seu talento. O clube esloveno está investindo em jovens talentos além de Issuf. Marko Simonovic e Luka Samanic, ambos cotados como escolhas de primeira rodada para 2019, foram contratados para fazer parte do principal clube de seu país.
- Adam Mokoka
Combo Guard, França, 19 anos, 1.95m de altura e 2.10m de envergadura
Melhor defensor em todo o evento, Mokoka tirou as melhores medidas nos testes de impulsão e se destacou bastante atleticamente. Combina corpo muito forte, braços enormes e tenacidade para executar trocas de marcação, atravessar corta-luzes, pressionar a bola e contestar arremessos. Além do mais, mostra-se um defensor capaz de executar leituras fora da bola. Contudo, a falta de capacidade ofensiva também chamou a atenção, ainda pouco desenvolvido para criar jogadas para os companheiros, arremessar ou pontuar. Já atuando no profissional pela França, talvez alguns anos a mais sejam necessários para colocar-se na rota da primeira rodada.
- Karim Jallow
Ala, Alemanha, 21 anos, 2.01m de altura e 2.06m de envergadura
Forte, atlético e ágil lateralmente, Jallow foi um defensor feroz, aguerrido, agressivo em transição e que defendeu todas as posições. Com poucos minutos e oportunidades no Bayern de Munique, o automaticamente elegível ala é bastante limitado ofensivamente, sobretudo pela falta de chute. De toda forma, ainda é uma opção para o fim da segunda rodada como projeto de defensor versátil para deixar se desenvolvendo na Europa.
- Louis Olinde
Ala, Alemanha, 20 anos, 2.09m de altura e 2.09m de envergadura
O alto e versátil combo forward teve altos e baixos durante os jogos, ainda mostrando falta de força corporal e um jogo mais físico. Por outro lado, sua versatilidade de poder atacar a cesta, arremessar, marcar múltiplas posições e correr em transição tornam seus atributos viáveis para uma escolha de segunda rodada. Dentro de um dos melhores sistemas de desenvolvimento de atletas na Europa – o Brose Baskets Bamberg – o late bloomer (atleta que se desenvolve mais tarde que o comum) tem potencial para entrar na NBA como um ala-pivô moderno.
- Arnoldas Kulboka
Ala, Lituânia, 20 anos, 2.08 de altura e 2.11m de envergadura.
O Global Camp pouco alterou o status de Arnoldas Kulboka. O arremessador lituano foi decisivo em um dos jogos com cestas de três pontos nos momentos decisivos, contudo foi completamente passivo em outro. Seu estilo pouco agressivo nos dois lados da quadra permaneceu mesmo, ainda que mostra seus flashes de defesa versátil. Sem rebotes e passes, basicamente depende do chute e do potencial físico para afetar sua cotação.
Boas Performances
Marcel Ponitka, Yuta Watanabe, Blaz Mesicek, Aleksandar Lazic, Xabier Lopez-Arostegui e Zoran Nikolic
Marcel Ponitka combinou boas atuações durante todo o torneio. O armador polonês mostrou sua experiência para cavar faltas, operar pick-and-roll e matar arremessos certeiros de meia distância. Contudo, faltam atributos físicos, arremesso e um jogo mais criativo para ser um prospecto de NBA.
O japonês Yuta Watanabe, eleito melhor defensor da conferência que disputava no basquete universitário, colocou-se como um valor a se observar para o futuro. O conjunto de defesa versátil, chute de três pontos sólido e agressividade nos dois lados da quadra o colocam no radar da NBA como alguém para um contrato 2-way ou de G-League.
Blaz Mesicek foi produtivo, mas o já experimentado ala-armador de 20 anos não possui um atributo realmente de elite, seu jogo de infiltrações, passes e arremessos é bem mediano.
Aleksandar Lazic conseguiu acertar mais chutes de fora no jogo do que costuma, além de ter efetivo na defesa, mas é um atleta muito limitado em aspectos gerais e que pouco teve espaço para mostrar sua explosão.
Lopez-Arostegui foi um dos melhores arremessadores e mais inteligentes alas do evento, mas a envergadura menor do que a altura e falta de atleticismo colocou seu valor abaixo.
Zoran Nikolic, o pivô mais experimentado em quadra, mostrou ser capaz de usar seus músculos e ganchos para pontuar, mas a NBA tem sido um lugar pouco atrativo para pivôs lentos e que só produzem próximo do aro.
Fisicamente chamativos
Jean-Marc Pansa, Viny Okuou, Shekinah Munanga, Matur Maker, Aleksa Ilic e Cyrille Eliezer-Vanerot
Em comum, todos os nomes aqui citados são impressionantes no conjunto de altura e envergadura, possuem capacidade atlética em acima da média e potencial para serem usuais para a NBA em algum momento, mas são crus e poucos preparados para o basquete da liga norte-americano por agora. O mais destacado foi Aleksa Ilic, alguém que está a um arremesso consistente de ser um prospecto da liga. O esloveno foi medido com 2.05m de altura e 2.21m de envergadura. O atlético e agressivo ala-pivô defende múltiplas posições e é muito capaz em transição.
Matur Maker é o menos explosivo de todos, mas o melhor em termos de controle de bola. Seus atuais atributos não possuem o conjunto mais ortodoxo, ainda magro, sem habilidades de garrafão ou chute consistente o suficiente para atuar em sua posição mais natural – a de ala-pivô.
Eliezer-Vanerot só participou de um dos jogos e mesmo nele foi tímido, mas os 2.02m de altura por 2.18m de envergadura impressionam para um ala.
Para o futuro, o melhor prospecto é Shenikah Munanga, francês de cabelos descoloridos, mecânica de arremesso compacta e ágil para o canhoto ala, medido com 2.02m/2.19m.
Okuou é basicamente um monstro nos termos de tamanho e braços longos (2.13m/2.24m), mas ainda é cru em todos os aspectos de seu jogo em ambos os lados da quadra.
O mesmo se aplica a Jean-Marc Pansa, que registrou a maior envergadura do camp (2.25m).
Brasileiros
Michael Uchendu
Pivô, 20 anos, 2.07m de altura e 2.24m de envergadura
Não foram as melhores apresentações do pivô do Bauru, que, em quadra pouco espaçada, conquistou pouco impacto em seu jogo de rim runner. Em termos de força, pareceu o jogador mais desenvolvido na região dos ombros dentre os 40 garotos. Por outro lado, estava longe da melhor forma física possível, sua taxa de gordura corporal deve estar fora do ideal. Também foi mal nos testes atléticos, quinta pior velocidade em quadra aberta. Foi melhor em seu deslocamento sem a bola, uso de seu físico e constante dureza na defesa de aro. Os instintos defensivos gerais, todavia, não estão desenvolvidos. Os olheiros de NBA com quem conversei acreditam que seja melhor aguardar para que, nos próximos anos, se desenvolva mais.
Gabriel “Jáú” Galvanini
Ala, 19 anos, 2.03m de altura e 2.10m de envergadura
Os quatro dias foram ótimos para Galvanini, que defendeu quatro posições, jogou com muito foco na defesa das linhas de passe, pressionou a bola e até enterrou uma bela bola de canhota em transição (que rendeu presença no TOP10 do Sportscenter, nos Estados Unidos). Suas medidas são ideias para um jogador da posição 3, além da versatilidade defensiva ser tudo o que procuram em um ala no basquete internacional. De toda forma, seu impacto ofensivo deixa a desejar, sobretudo pela falta de um chute realmente consistente. No geral, foi ótimo para se consolidar no radar para os próximos anos. Jaú ainda tem dois anos de contrato com o time de Bauru.
Próxima Geração
Killian Hayes, Theo Maledon e Malcolm Cazalon
Estavam aqui os jogadores mais talentosos de todo o evento. Os três franceses possuem um conjunto de versatilidade defensiva, braços longos, capacidade atlética e capacidade de atuar em múltiplas funções bastante invejável. Hayes estava um nível acima, um pontuador desenvolvido em seu controle corporal, bandejas contra contato com ambas as mãos, chutes após o drible e os passes mais criativos de todos os jogos. Maledon, por outro lado, lembra muito Frank Ntilikina, um armador seguro, tenaz, com chute e capaz de fazer funções com e sem bola. Cazalon, uma força atlética na ala, possui explosão para ser mortal em transição, mas também ótimo jogo de pés em transição. Todos são alvos para primeira rodada no futuro.
Biram Faye e Amar Sylla
A dupla de pivôs senegaleses que jogam na Espanha possui características bem semelhantes: jogadores de garrafão longos, muito atléticos (especialmente Sylla, que se movimenta como um armador), marcam múltiplas posições na defesa, possuem mecânica de arremesso para matar bolas na meia distância, assim como jogam de maneira dura e incansável. Produtos muito sólidos.
Arturs Zagars
Sem muita capacidade física em termos de envergadura, explosão e capacidade atlética, Zagars era o principal talento puro dentre os 81 atletas que participaram do Global Camp. O armador letão possui um arremesso letal, com mecânica alta, compacta e muito versátil, capaz de arremessar com a mesma eficiência em qualquer situação, seja parado, após o drible, saindo de corta-luzes ou de distância da NBA. Para além disso, o compatriota de Porzingis é muito polido em finalizações acrobáticas ao redor do aro, assim como é um passador criativo e ousado. Dentro do ótimo sistema do Joventut Badalona, seu jogo está nos mesmos moldes de Stephen Curry, assim como da sensação deste draft, Trae Young.
Josh Green e Tamuri Wigness
Josh Green era o atleta mais explosivo do camp. O ala australiano é capaz de fazer jogadas furiosas em transição, um legítimo candidato ao torneio de enterradas. A união de braços longos e explosão o colocam como uma grande comodity para a NBA no futuro. Outro do mesmo país da Oceania, Wigness é um baixinho, porém hiper criativo e veloz armador. Comparado com Kyrie Irving em suas terras, falta bastante chute para tantalizar todo o seu potencial, mas seu controle de bola e capacidade de fazer jogadas em movimento chamam muito a atenção.
Kai Jones
Muito cru, o bahamense de 17 anos é dono de algumas das ferramentas mais intrigantes vistas em Treviso. O pivô é versátil o suficiente para acertar arremessos da meia distância e dar bons passes, assim como é muito atlético, bom protetor de aro e reboteiro. Ainda possui muita dificuldade para colocar todas as suas ferramentas em um mesmo pacote, mas vem sendo desenvolvido em uma das Academias da NBA, o que é um diferencial para um atleta de tanto potencial físico.
Ibou Dianko Badji
Descrito como um Usain Bolt de 2.16m de altura e 2.33m de envergadura por alguns, Badji parece não um produto de laboratório. Aos 16 anos, o pivô da Academia da NBA na África nem precisa de muitas ferramentas para dominar o nível praticado ali, é simplesmente muito grande, muito forte, muito veloz e com braços muito longos para alguém tão jovem. Além disso, acertou ganchos com ambas as mãos e é descrito como alguém de grande ética de trabalho. Alguém para se monitorar de perto.