Chaves da Formação #7: Cristiano Cedra, do Bradesco, fala sobre desafios do basquete de base feminino no Brasil

“Quando avaliamos a quantidade, as oportunidades para os meninos são infinitamente maiores”, afirma treinador

Fonte: "Quando avaliamos a quantidade, as oportunidades para os meninos são infinitamente maiores", afirma treinador

A luta por uma sociedade mais igualitária em todos seus aspectos tem espaço importante no mundo do basquete a partir de ações promovidas pelas lugas norte-americanas – masculina (NBA) e feminina (WNBA), durante a pandemia do novo coronavírus.

Nesse contexto, movimentos como o ‘Say Her Name’, que expõem a brutalidade policial e o racismo sistêmico contra mulheres negras, têm sido enfatizados pelas estrelas da modalidade não apenas em suas plataformas de mídia social, mas também, e de maneira inédita, em seus próprios uniformes de jogo.

Por aqui, no Brasil, embora estejamos vivendo um cenário de relativização da importância da realização de um esforço consciente para diminuir as disparidades existentes em questões como gênero, raça e opção sexual por parte de entidades governamentais (vide Fundação Palmares), a situação não é menos urgente.

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Entrevistado da semana na série ‘Chaves da Formação’, o treinador Cristiano Cedra, das equipes sub-17 e sub-19 do Bradesco Esportes e Educação, expôs as dificuldades adicionais existentes na estrutura de formação de nossas atletas.

Um dos maiores nomes do basquete feminino no país – dono de dez títulos sulamericanos e duas participações em Jogos Olímpicos como assistente da seleção brasileira principal, Cedra enfatiza a completa falta de engajamento dos clubes de São Paulo, maior centro financeiro do país, nos campeonatos de base.

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“Quando avaliamos a quantidade, as oportunidades para os meninos são infinitamente maiores (…) No feminino, como não existem clubes, o trabalho depende de programas sociais, associações de pais e prefeitura”, afirmou Cedra.

O formador, que é também mestre em psicologia experimental e professor universitário, não se ateve, porém, a apenas a pontuar as dificuldades do basquete feminino no país.

Cedra opinou ainda sobre as questões-chave que têm impulsionado os melhores resultados das mulheres em relação aos homens nas últimas duas décadas, no âmbito da seleção brasileira, bem como pontuou algumas das principais diferenças entre as ênfases de treinamento durante as etapas de formação de cada um dos gêneros.

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Confira abaixo a entrevista na íntegra:

Central do Draft – Quais são as diferenças na estrutura dos clubes e da própria organização estrutural do basquete feminino em relação ao masculino? Existe uma equidade entre os dois gêneros?

Cristiano Cedra – O Brasil é um país gigante com diferenças culturais, econômicas e estruturais muito grandes. Assim, podemos dividir essa resposta em dois aspectos: qualidade e quantidade.

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Com relação à qualidade existem programas de basquete feminino e masculino de todos os níveis, desde os mais simples até os mais estruturados. O Bradesco Esportes e Educação, por exemplo, programa onde atuo como treinador, e é realizado exclusivamente com meninas, as condições e qualidade são excelentes, no mesmo nível ou até melhor do que os melhores programas do masculino.

Quando avaliamos a quantidade, as oportunidades para os meninos são infinitamente maiores. Existem mais clubes, mais campeonatos e mais apoio. Para dar alguns exemplos: a quantidade de equipes de basquete escolar é muito maior no masculino do que no feminino.

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A LDB, liga de desenvolvimento masculina, é um campeonato estruturado e reconhecidamente importante no complemento da formação dos meninos e facilitadora da transição da categoria de base para o profissionalismo. A LDB masculina é disputada há muitos anos, já no feminino ela não existe e traz um grande prejuízo para o gênero.

Outro exemplo é com relação à quantidade de clubes: nenhum dos grandes clubes da grande São Paulo disputa os campeonatos de base no feminino. Eu até entenderia o fato de um grande clube disputar o NBB e não conseguir disputar a LBF, seja pelas condições financeiras ou pela limitação de quadras. Mas eu não consigo entender nenhum clube de uma região como a Grande São Paulo ter pelo menos um sub-13 para que suas associadas possam disputar os campeonatos paulistas.

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A primeira justificativa para essa resposta é que não existem muitas associadas para compor as equipes, mas quase todas as equipes Sub-13 no masculino também não têm todos os integrantes sócios do clube e precisam abrir vagas para não sócios (conhecidos como “militantes”) para completar suas equipes.

No feminino, como não existem clubes, o trabalho depende de programas sociais, associações de pais e prefeituras. Então, concluindo, com relação à qualidade existem no Brasil desde trabalhos simples até trabalhos excelentes, tanto no masculino quanto no feminino. Porém, com relação à quantidade de oportunidades, o feminino tem poucas possibilidades.

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Central do Draft – Acredito que possamos dizer que a seleção brasileira feminina tem tido resultados significativamente melhores em relação à masculina no acumulado das duas décadas – sobretudo pelo fato de ter se classificado para os Jogos Olímpicos em todas as edições no período e, claro, pela quarta colocação no Mundial de 2006, disputado no Brasil.
Na sua visão, existe alguma razão – seja de planejamento, estrutura ou mesmo talento geracional – para esse melhor desempenho?

Cristiano Cedra – É um conjunto de fatores. O primeiro é a qualidade dos treinadores que formaram essas gerações vencedoras como Maria Helena Cardoso, Heleninha, Barbosa, Vendramini, Borracha, Laís Helena, Arilza, Ferreto, Paulo Bassul, Mila, Macau, Miguel Ângelo da Luz, Sérgio Maroneze, entre outros.

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O segundo é a mentalidade vencedora que foi passada entre as atletas medalhistas para as seguintes.

O terceiro aspecto era a força do campeonato nacional, tendo muitas das melhores jogadoras estrangeiras jogando aqui, elevando o nível das nossas competições e indiretamente nos dando condições de conhecer um pouco das nossas adversárias nos próximos mundiais e jogos olímpicos.

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Central do Draft – Depois de atingir seu ponto mais baixo em 2012, quando jogos foram cancelados por conta de uma crise financeira geral, a Liga de Basquete Feminino (LBF) tem ganhado corpo nos últimos anos – cenário que se reflete na maior presença da competição em transmissões na TV, fechada e aberta, bem como na boa presença de público observada nos ginásios.

Você vê essa evolução como resultado de um trabalho estrutural do basquete nacional? Já que vem coincidindo com o crescimento também do basquete masculino nacional, por meio do NBB.

Cristiano Cedra – Quando uma modalidade cresce e ganha visibilidade, todos acabam tendo suas recompensas. Em 2012, tanto o masculino quanto o feminino estiveram nos Jogos Olímpicos de Londres, depois de muitos anos em que o masculino não conseguia se classificar. Isso foi importante. Tanto NBB quanto LBF têm melhorado a cada ano.

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São campeonatos bem organizados e com credibilidade. Foram pioneiros em alguns aspectos aqui, no Brasil, como transformar um jogo em um evento de entretenimento, com música, mascotes, cheerleaders, sendo o jogo das estrelas o melhor exemplo de sucesso englobando esporte e cultura. Além disso, a transmissão multiplataforma também foi inovadora conseguindo aumentar a acessibilidade e experiência dos fãs, com jogos sendo transmitidos em diferentes canais abertos e fechados, Facebook, YouTube e Twitter.

E o que parece óbvio, mas nem sempre é respeitado na nossa cultura: programação! Na última temporada, por exemplo, calendários foram respeitados e cada plataforma tinha seu dia e horário fixo de exibição, então sabíamos onde assistir o jogo da segunda-feira, o de terça-feira, e assim por diante. Então, o basquete está crescendo e evoluindo por muitas mãos e instituições. O mérito é coletivo.

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Central do Draft – Como um treinador que dirigiu as seleções brasileiras de base por quase uma década, como você avalia nossa estrutura no tocante à ‘rede de observação’. É possível ter acesso a jogos e informações consistentes de jogadoras em todas as regiões brasileiras ou existem ainda limitações na hora de observar ou até mesmo tomar conhecimento de uma atleta que atua ‘fora do centro’ econômico do país?

Cristiano Cedra – Eu não posso responder como esse trabalho tem sido feito atualmente por eu não fazer mais parte das comissões técnicas das seleções brasileiras, que estão fazendo um trabalho muito bom. O que posso dizer é que, durante o período em que eu estava nas comissões técnicas, essa rede de observação funcionava principalmente através da observação “in loco” das principais competições do Brasil, seja as estaduais, seja as nacionais.

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Eu tive a oportunidade de visitar muitos Estados, assistir os campeonatos estaduais e, paralelamente a isso, ministrar clínicas para os técnicos da região. Uma outra oportunidade era a possibilidade de avaliarmos as jogadoras nos campeonatos brasileiros de seleções e campeonatos escolares. Em uma semana ou dez dias, as melhores jogadoras de cada Estado se reuniam em uma sede única para disputar o campeonato brasileiro de seleções ou campeonato brasileiro escolar e nós tínhamos a oportunidade de avaliar, nesse período, aquelas que apresentavam as melhores condições.

O campeonato brasileiro de seleções teve diferentes formatos sendo disputados por regiões e, depois, juntando os melhores em uma fase decisiva. Nos últimos anos, o campeonato foi dividido em três divisões. Independente do formato, existia uma possibilidade de avaliação. Além disso, nós criamos uma rede de técnicos de todas as regiões do país que diretamente ou indiretamente colaboravam com essa rede de observação.

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Em muitas das seleções existiam três técnicos, sendo o técnico principal, o primeiro assistente técnico e o segundo assistente técnico, que, na maior parte das vezes, eram técnicos de qualidade e projeção vindos de regiões diferentes dos centros tradicionais do basquete brasileiro. Eles tinham a oportunidade de vivenciar treinamentos e competições para levar esse conhecimento de volta para sua região, tentando, assim, melhorar a qualidade do basquete em todo o território nacional, sendo esses assistentes técnicos multiplicadores dos conhecimentos e experiências adquiridas.

Dessa forma, esses técnicos de todos os cantos do país conheciam os critérios e requisitos para as convocações e atuavam como os observadores oficiais daquela região.

O plano previa que, ao longo dos anos, eles passassem para a vaga de primeiro assistente técnico e, posteriormente, para técnico principal, abrindo o caminho para novos técnicos iniciarem esse processo. Tivemos exemplos de técnicos que passaram por todas essas fases, iniciando como um técnico observador e chegando até um campeonato mundial como técnico principal.

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Central do Draft – Na sua visão, quais são as principais diferenças na composição do conjunto de habilidades físicas e técnicas das atletas do basquete feminino em comparação com o masculino? Existem diferenças significativas nos pontos de ênfase do primeiro em relação ao segundo?

Cristiano Cedra – Existem diferenças biológicas e físicas, mas principalmente, as diferenças estão na formação a longo prazo e treinamento. Assim, vejo que as maiores diferenças são oriundas do tipo de trabalhos realizados. Na minha opinião, em geral, no feminino, as atletas são mais técnicas, tomam melhores decisões no jogo e tem um entendimento geral do basquete melhor do que os atletas do masculino.

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Por outro lado, os atletas do masculino têm os aspectos físicos mais desenvolvidos como força e velocidade, a ponto de conseguirem resolver muitos problemas do jogo com o físico, como consegue o atual MVP da NBA, Giannis Antetokounmpo, que, recentemente, recebeu críticas de outro MVP, James Harden, que disse que o grego não tem técnica. Não acredito que isso seja uma característica inata proveniente da diferença entre mulheres e homens, claro que respeitando as devidas proporções.

Acredito que essas diferenças surjam pela quantidade de estímulos de qualidade que os meninos e meninas recebem durante a sua formação, tanto físicos, como técnicos e de leitura de jogo. Por isso é uma opinião geral, pois nós veremos meninos ou times no masculino com técnica e decisões melhores que no feminino.

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Ou seja, essas diferenças são criadas de acordo com a forma que o treinador planeja e executa os treinamentos da equipe. O que é claro é que, no feminino, uma atleta com capacidade física de criar um grande desequilíbrio no jogo é exceção, resultando assim a necessidade de que as mulheres sejam e precisem se desenvolver mais tecnicamente e nas tomadas de decisão, tornando, assim, o jogo muitas vezes com mais plasticidade e beleza.

Infelizmente, muitas equipes femininas na tentativa de evoluir fisicamente estão deixando os fundamentos e as tomadas de decisão sem a devida atenção. Como resultado, temos assistido jogos no feminino que não tem mais a beleza, plasticidade e, principalmente, a eficiência que víamos anos atrás. Ainda assim, mesmo desenvolvendo fisicamente, não conseguem jogar como se joga o masculino, tornando o jogo feminino muitas vezes em uma correria desorientada e com muitos erros, assim como também vemos no masculino, em algumas equipes ou campeonatos.

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Concluindo, eu acredito que o feminino precisa evoluir fisicamente, mas não pode perder a sua essência de lapidação de fundamentos e desenvolvimento de tomadas de decisão.

Central do Draft – Como alguém que acompanha a WNBA com frequência, tenho visto uma evolução atlética impressionante das atletas ao longo dos últimos anos. A incidência de enterradas, por exemplo, tem crescido exponencialmente.

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Você vê esse elemento do atleticismo evoluindo também no basquete nacional? Na seleção acredito que temos na Clarissa um bom exemplo desse perfil mais explosivo, não?

Cristiano Cedra – O atleticismo tem evoluído não só na WNBA, mas em muitas seleções do mundo, além da americana. Seleções como a espanhola, francesa, nigeriana, australiana e, mais recentemente, até a canadense, têm mudado suas características, tornando-se cada vez mais atléticas, mas mantendo a qualidade nos fundamentos e tomadas de decisão, o que tem proporcionado excelentes resultados e jogos que são encantadores de se assistir.

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Esse atleticismo no basquete feminino nacional ainda está dando seus primeiros passos e temos um longo caminho a percorrer. Sem contar a questão de treinos de qualidade e intensidade existem três justificativas complicadoras para isso: primeiro, o fato da LBF ter, em média, quatro ou cinco meses, e, na maior parte dos estados, não existir um campeonato estadual.

Assim, algumas jogadoras do nosso país têm um campeonato estadual para complementar o seu ano de treinamentos e jogos, outras vão jogar no exterior, mas a grande maioria não tem atividades, treinos e jogos durante toda a temporada.

Como poderemos exigir de técnicos, preparadores físicos e jogadoras uma evolução ano a ano jogando pouco, sem contar que, se formos somar os jogos disputados e decididos nos últimos segundos, essa quantidade diminui mais ainda. O segundo aspecto é que jovens jogadoras não têm oportunidades de jogar nas equipes profissionais do basquete brasileiro feminino, jogadoras jovens que poderiam trazer esse atleticismo para as equipes.

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Um argumento poderia surgir, que não temos jovens com qualidade suficiente para jogar nas equipes adultas, mas elas estão se destacando nos EUA e até na seleção brasileira adulta, provando que esse argumento é inconcebível. Essas jogadoras jovens, por não terem oportunidades nas equipes nacionais, estão indo para os EUA.

Somente da nossa instituição, mais de 40 meninas foram para os EUA nos últimos anos. Algumas de muito potencial com participações em seleções brasileiras de base e algumas até na adulta como Stephanie Soares, Mariane Carvalho, Isabel Varejão, Isadora Sousa, Catarina Ferreira e muitas outras. Jogadoras experientes são fundamentais na composição de equipes.

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Cedra posa com Catarina, Adrielly e Lorena durante evento da NBA Academy, na Cidade do México

Porém, hoje existe um desequilíbrio entre a quantidade de jogadoras jovens, no auge e experientes nas equipes adultas. Por existirem muitas experientes na faixa entre 35 e 40 anos, torna-se muito difícil visualizar esse atleticismo e intensidade nos jogos nacionais.

Outro fator que complica nesse atleticismo é que, atualmente, existem poucas jogadoras com biotipo ideal para a prática do basquete, que por mais que se esforcem e treinem, nunca chegarão no mesmo nível de uma atleta que tem um biotipo ideal.

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Então, para conseguirmos equiparar esse atleticismo de outros países teremos que ofertar uma temporada mais longa para as nossas atletas, oferecer oportunidades para atletas jovens nas equipes adultas, investir em detectar e captar crianças e adolescentes que poderão se tornar atletas de alto nível, com biotipo adequado e, obviamente, proporcionar treinos de qualidade e intensidade.

Central do Draft – Como um técnico de grande experiência não apenas na categoria de base, mas também no nível profissional. Que elementos de uma atleta em formação você observa como sinais seguros de que seu jogo se traduzirá para o adulto?

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Cristiano Cedra – A primeira característica é a capacidade de aprender, que os americanos chamam de coachable. Um atleta que consegue se concentrar, prestar atenção nos detalhes e aplicar em um jogo tão complexo, com tantos fundamentos e variações de fundamentos, é essencial para chegar no alto nível.

A segunda característica é a capacidade de aprender e executar os fundamentos com precisão e eficiência, principalmente em situações reais do jogo. Também acredito que dedicação não é o máximo que o atleta possa fazer, dedicação é o mínimo e obrigatório para o atleta ter sucesso. Costumo dizer que um atleta extremamente dedicado pode não se tornar um atleta de alto nível, mas com certeza, um atleta que não é extremamente dedicado não será de alto nível.

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Ou seja, para chegar no alto nível, os atletas devem se dedicar ao máximo e nem isso garante que terão sucesso. A última característica importante é a capacidade de se engajar e trabalhar em grupo sendo eventualmente protagonista, eventualmente coadjuvante e sempre com motivação, resiliência e luta pela vitória em todos os momentos.

Não gosto de atletas que se sacrifiquem no treino e pela equipe. Eu amo atletas que sentem prazer, amor e alegria pelo sacrifício no treino e pela equipe.

Central do Draft – Na contrapartida, que pontos são comuns em jovens que se destacam na categoria de base, mas que nem sempre se traduzem para o profissional?

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Cristiano Cedra – Durante o crescimento e desenvolvimento de crianças e adolescentes, cada um tem um tempo de amadurecimento físico, técnico e psicológico. É muito comum atletas se destacarem em categorias iniciais e não manterem esse nível de exuberância nas categorias superiores. Não porque eles não têm capacidade de continuar a evolução e aprendizagem do basquete.

Mas, infelizmente, muitas vezes os atletas e seus próprios treinadores se acomodam com esse sucesso inicial. Em uma categoria inicial, um atleta que se desenvolveu antes dos demais pode ser cestinha e até melhor jogador fazendo muitas bandejas. Mas, se esse atleta e seu treinador se acomodarem, ele não desenvolverá o arremesso de longa distância, por exemplo, o que o tornará um jogador limitado para jogar em categorias mais avançadas.

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Outro aspecto comum é a mudança de paradigmas. Antigamente, os alunos levavam uma maçã de presente para os seus professores. Atualmente, vemos muitos treinadores mimando, fazendo declarações de amor pelos seus atletas jovens em redes sociais e que, muitas vezes, os tornam acomodados do seu estado atual, e deixam de se desenvolver, ocasionando um desperdício de um talento.

Central do Draft – Quais são as características que mais te chamam a atenção na hora de avaliar cada uma das posições do jogo? 

Cristiano Cedra – Atualmente tem sido muito difícil fazer uma definição separando cinco posições no basquete, pois o jogo mudou, se tornou mais intenso e veloz exigindo assim uma versatilidade maior entre os atletas, com funções que podem se alternar durante um jogo e dominando os conteúdos de mais de uma posição. Então, o que podemos ver em geral são três tipos de padrão:

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Armadores, laterais e pivôs: equipes que diferem os jogadores responsáveis pela organização das jogadas, que são os armadores, por correr nos contra-ataques e ter grande capacidade definição, que são os laterais e os pivôs, responsáveis principalmente pelos rebotes e corta-luzes;

Interiores e exteriores: podem ter diferentes formações como quatro exteriores com um interior, três exteriores e dois interiores e dois exteriores com três interiores. Nesse padrão, todos os exteriores têm as mesmas funções e responsabilidades, assim como os interiores têm as mesmas responsabilidades entre si;

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Cinco abertos: não há divisão por posições, todos têm as mesmas responsabilidades e não significa que todos estarão abertos ao mesmo tempo, mas de acordo com os conceitos ofensivos treinados, quem tiver uma vantagem de altura ou força tentará aproveitar essa vantagem próximo da cesta, e quem tiver uma vantagem de velocidade ou habilidade tentará aproveitar essa vantagem no perímetro, seja cortando com a bola, seja arremessando. A vantagem desse sistema, principalmente para as categorias de base, é a oportunidade de todos atletas terem as mesmas oportunidades de driblar, passar, cortar, arremessar e tomar decisões. Não se joga para seu melhor jogador. Muitos bons atletas foram obrigados a jogar de pivô com 1,80m na categoria de base e não chegaram onde poderiam por terem sido especializados em uma única posição, sendo que, no adulto, teriam que ser um armador ou um lateral, mas como no Sub-15 davam resultados atuando de pivô, o treinador não se preocupou com o desenvolvimento a longo prazo desse atleta e se preocupou apenas com os resultados dos jogos naquele ano. Ao contrário disso, nesse sistema se oferece oportunidades de todos aprenderem e se desenvolverem nas diferentes posições e funções do jogo.

Central do Draft – Pra você, quais são as principais lacunas dos jogadores formados no brasil – que deveriam receber mais atenção dos responsáveis pelo desenvolvimento dos jovens atletas do país?

Cristiano Cedra – Acredito que a primeira lacuna dos jogadores e das jogadoras formados no Brasil que deveria receber mais atenção é a formação enquanto pessoa e cidadão. O fato de atletas americanos serem obrigados a passarem pelo esporte universitário antes de ingressarem nas grandes ligas tem nos mostrado o quanto a educação é importante na formação de uma sociedade e, inclusive, na formação de um atleta.

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Atualmente podemos ver exemplos claros da diferença da responsabilidade social de atletas americanos e brasileiros. O engajamento dos atletas da NBA em campanhas sociais como Black Lives Matter contra o racismo e apoiando, divulgando e incentivando o desporto feminino é absurdamente maior do que vemos em atletas brasileiros. Recentemente, vimos absurdos no futebol brasileiro com relação à pandemia e os atletas não se posicionam.

Essa preocupação com a formação do cidadão também fica clara quando lemos livros dos grandes treinadores americanos: John Wooden, Pat Summitt, Geno Auriemma, Coach K, Phil Jackson, Gregg Popovich, entre outros, que, trabalhando no high school, no universitário e até nas grandes ligas profissionais, têm essa preocupação com o lado humano do atleta. Além dessa consciência social, esses atletas desenvolvem um “QI” de basquete muito elevado.

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Assistir jogadores e jogadoras dissecar o jogo em especiais para televisão ou em entrevistas é uma prova de que a evolução como pessoa também evolui o jogador.

Com relação ao jogo eu acredito que, atualmente, não que tática e físico não sejam importantes, pois são muito importantes, mas muitos treinadores têm usado um tempo exagerado dos seus treinamentos para copiar jogadas da NBA ou Euroliga, e para desenvolver, exageradamente, os aspectos físicos nas categorias de base. Assim, sobra pouco tempo para a essência do jogo: precisamos dar mais valor ao simples e básico, treinar mais e aperfeiçoar os fundamentos do jogo e as tomadas de decisão.

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