Ao redor do globo, o basquete tem se tornado um esporte cada vez menos posicional.
Na NBA, por exemplo – maior palco da bola laranja no planeta, já se tornou comum observarmos pivôs como Nikola Jokic e Bam Adebayo atuando boa parte das partidas como verdadeiros armadores no centro da quadra.
É essa cultura internacional de primeiro formar jogadores de basquete na concepção total da palavra, para, só então, procurar a melhor forma de encaixá-los em sua equipe que tem guiado o trabalho de Adriano Geraldes, treinador da equipe sub-17 da Sociedade Esportiva Palmeiras, um dos principais clubes-formadores do basquete nacional.
Essa sua conexão íntima com a metodologia do basquete globalizado advém, é claro, de uma vasta experiência do treinador palestrino em terras estrangeiras. Geraldes, de 53 anos, rodou o mundo.
Atuou como treinador ou assistente em países como Espanha, Estados Unidos, Argentina, Israel e Líbano, acrescentando um pouco de cada uma dessas culturas ao seu próprio repertório.
Neste bate-papo com a Central do Draft, o treinador compartilha conosco os seus conceitos sobre o jogo de baquete e discute os prós e contras de se atuar em uma equipe que, como o Palmeiras que, embora fortíssima no âmbito da formação de jovens jogadores, tem optado por ficar de fora do cenário profissional da modalidade.
Confira abaixo a entrevista na íntegra
Central do Draft – Como um treinador de experiência internacional, que teve a oportunidade de participar de eventos importantes como o Adidas Nations e o Mundial sub-19, você incorpora elementos que vivenciou no basquete internacional em sua atuação aqui no Brasil?
Adriano Geraldes – Costumo dizer que se aprende o tempo todo ou, melhor dizendo, pode-se aprender o tempo todo, só depende de como lidamos com as informações.
Desde que comecei a viajar e buscar esse aprendizado, sempre procurei adequar à minha realidade e assim incorporar esses tais elementos.
Particularmente, creio que sou mais um técnico que procurou aprender e que demorei muito a sistematizar todas essas informações numa metodologia própria. E é justamente essa sistematização que, na minha opinião, é o que falta ao nosso modelo metodológico.
Geraldes posa com o lendário técnico David Blatt
Central do Draft – Quais são os prós e os contras de se trabalhar em clubes como o Palmeiras, que não possuem uma categoria profissional?
Adriano Geraldes – Prós: afirmaria inicialmente que o Palmeiras é um clube que tem o basquete em seu DNA, por toda sua história na modalidade, que, além dos resultados em si, sempre produziu jogadores para o cenário nacional.
Além disso, temos a oportunidade de ter o olhar somente voltado para as categorias formativas, o que nos oferece toda a estrutura e mão de obra disponível para o desenvolvimento adequado dos jovens atletas.
Contras: por vivermos um momento em que alguns jovens, principalmente na grande São Paulo, vivem o sonho de jogarem o NBB, acabamos por ter problemas na manutenção dos prospectos em nossas equipes mais de ponta (sub-17 e sub-19). Além disso, entendo que a falta da referência e da identificação dos nossos jovens atletas com ídolos de dentro do clube nos prejudica um pouco.
Sinceramente, percebo que uma equipe adulta dentro do nosso cenário teria muito a contribuir em todo o nosso processo formativo, tanto para os atletas como para nós técnicos.
Central do Draft – Em sua trajetória, você teve oportunidade de participar da formação do Leandrinho Barbosa, jogador de sucesso na NBA e que tem sido pilar da seleção brasileira nos últimos anos. Existe uma espécie de ‘denominador comum’ que contribui para o estabelecimento de atletas desse nível?
Adriano Geraldes – Eu não formei o Leandrinho. Eu apenas oportunizei suas primeiras possibilidades em competir, quando ele tinha apenas nove para dez anos de idade. Posso ter contribuído pouco quanto ao que ele se tornou, como também o fizeram outros técnicos que trabalharam com ele.
Mas entendo que o denominador comum em jogadores como ele fique mesmo no aspecto emocional. O Leandrinho é um cara que demonstrou sua capacidade e chegou ao alto nível, contrariando prognósticos negativos. Fica, portanto, demonstrado que o sucesso muitas vezes depende menos da habilidade, das qualidades físicas, que obviamente ajudam, mas são secundárias em relação à capacidade do cara trabalhar além dos demais e, principalmente, acreditar em si próprio.
Central do Draft – Como um treinador com vasta experiência, tanto no basquete profissional quanto nas categorias de base, o que muda no seu papel nesses diferentes cenários? Existem mudanças na sua abordagem como técnico trabalhando na formação em relação ao trabalho com adultos? Quais são elas?
Adriano Geraldes – Muda claramente em todos sentidos. Desde o tratamento até os conteúdos a serem desenvolvidos.
Apesar da experiência dos anos, precisamos estar em constante aprimoramento e atualização, pois o jogo, além de dinâmico na sua forma, também está continuamente se adequando ao desenvolvimento das regras, do aprimoramento técnico, físico e estratégico.
Cada faixa etária demanda sua especificidade e gama de conhecimentos, cada qual com seu nível de importância, como também a sua adequação.
Digamos que devemos estar antenados ao processo e que ele deve ser desenvolvido sempre a longo prazo, no caso da base, e mais imediatista, conforme o aumento do nível da competitividade. Sendo assim, na base teremos uma atenção muito mais voltada para o que é fundamental na educação geral do atleta (mesmo porque a maioria não irá jogar no alto rendimento) e, conforme o seu desenvolvimento, vamos sendo mais específicos ao que é inerente à sua capacidade de resolução de problemas em quadra.
Central do Draft – Durante nossa conversa, percebo que você tem algumas restrições em falar sobre ‘posições fixas’ de jogadores quando tratamos de categoria de base. Queria que você desenvolvesse um pouco sua visão a respeito dessa questão – antes de insistirmos e falarmos sobre as características que mais te chamam a atenção nas diferentes funções da quadra.
Adriano Geraldes – Inicialmente, queria estabelecer uma linha de pensamento. Em se tratando de base, penso que não deveríamos nos ater tanto à questão da “posição”, mas sim às “funções” que eles podem desenvolver tanto agora como no futuro.
Acrescentaria que, ao analisar um jovem em desenvolvimento, procuro me balizar por algumas capacidades e habilidades, as quais este já possua ou domine e que em minha visão/ análise poderão vir a se encaixar.
Procuro analisar os seguintes aspectos:
1 – sua treinabilidade (quanto ainda esse indivíduo tem a se desenvolver, quanto já foi trabalhado)
2 – sua complexidade e maturação física (altura, envergadura, velocidade, se ainda apresenta traços de crescimento/ desenvolvimento, dados que sejam significativos como sua idade cronológica e sua idade maturacional e etc…);
3 – sua capacidade e comprometimento com o jogo (aspectos da sua personalidade, morais, psicológicos e emocionais)
4 – seus domínios técnicos e táticos; tanto na execução gestual dos seus fundamentos (técnica), como a sua aplicação adequada destes fundamentos em suas tomadas de decisão (tática).
Olho tudo isso para, posteriormente, observar quais funções e futuramente “posições” eles mais poderão se adequar.
Ainda levando em consideração tudo o que já afirmei acima, preciso analisar o que meu clube me oferece dentro da sua filosofia, estrutura (se tenho condições de recrutar ou não, se estou atrelado a uma filosofia de trabalho com continuidade ou não e etc…).
Dependendo do modelo de jogo adotado, muitas vezes poderá acontecer de não termos um “especialista”, digamos assim, em uma determinada função, outras vezes ocorrerá de dispormos de um jogador que tenha a capacidade de exercer outras funções dentro do modelo ou sistema de jogo que adotamos.
Outras vezes acontece de dispormos de mais de um jogador talentoso para a mesma função. Então cabe a cada técnico adequar o seu modelo de jogo às peças disponíveis.
Central do Draft – Interessante. Mas e se formos falar, de maneira geral, sobre ‘indícios’ de funções que os jovens podem cumprir na quadra. Quais são as características que mais te chamam a atenção em cada uma delas?
Adriano Geraldes – armadores: seu entendimento do modelo de jogo da sua equipe e os conceitos gerais do jogo (não que isso não seja bastante importante nas outras funções também); a percepção das necessidades do jogo, como também suas capacidades de produzir jogo para os demais e para ele mesmo, e liderança.
perimetrais: sua habilidade, capacidade de finalização em geral e consistência nos arremessos (tanto no jogo em transição, meia distância e principalmente nos arremessos longos), muito importante também sua contribuição defensiva, especialmente defendendo em mismatch.
interiores: habilidade de jogar mais próximo aos aros, sua capacidade e empenho com que vai aos rebotes; hoje procuro visualizar também sua habilidade de ler e perceber ótimos passes e para mim é fundamental sua habilidade nos bloqueios diretos e indiretos. também aponto como muito importante aos interiores modernos: sua capacidade em defender jogadores menores no perímetro.
Central do Draft – Pra você, quais são as principais lacunas dos jogadores formados no brasil – que deveriam receber mais atenção dos responsáveis pelo desenvolvimento dos jovens atletas do país?
Adriano Geraldes – Particularmente entendo que existe uma lacuna gigantesca na aplicação tática e do entendimento dos jogo, consequentemente a maioria dos jovens que chegam ao basquete adulto apresentam muitos problemas com suas tomadas de decisão.
Portanto eu apontaria os aspectos a seguir como prioritários:
técnico – técnica aplicada na velocidade necessária do jogo.
físico – capacidades coordenativas complexas e força explosiva.
tático – entendimento dos conceitos gerais do jogo.
emocional – capacidade de resistir às dificuldades, resiliência de forma geral e, principalmente, comprometimento profissional.