A bolha da WNBA, em processo semelhante à da NBA, colocou atletas em situação de vulnerabilidade e em condições inapropriadas, como relatado pela repórter Kayla Johnson. No entanto, além das circunstâncias de alojamento, outras jogadoras podem correr ainda mais risco do que o restante. É o caso de Elena Delle Donne, atual MVP da liga feminina.
Na semana passada, as equipes da WNBA chegaram à Flórida para iniciar os treinamentos para a nova temporada da liga, que se inicia no próximo dia 25 de julho. Logo de cara, sete casos de Covid-19 em atletas foram identificados, o que atrasou a reapresentação de um dos times.
Atleta do Washington Mystics, campeão em 2019, Elena teve seu pedido para se ausentar desta temporada recusado pela comissão da WNBA. Em relato emocionado no site The Player’s Tribune, a atleta de 30 anos se abriu a respeito do motivo pelo qual abandonou a competição e o que a liga não fez para ajudá-la. O Jumper Brasil traduziu e resumiu algumas informações compartilhadas pela jogadora.
Elena inicia sua carta aberta revelando a quantidade de comprimidos que toma para controlar a doença de Lyme. Ao todo, são 64 pílulas por dia (25 antes do café da manhã, outros 20 depois do café da manhã, outros dez antes do jantar e outros nove antes de dormir). Há 12 anos, a atleta tenta se manter saudável para continuar praticando o esporte que ela ama.
“Eu tomo 64 comprimidos por dia e sinto que está me matando lentamente. Ou, se não está me matando diretamente, pelo menos sei uma coisa com certeza: é muito ruim para mim. A longo prazo, tomar tanto remédio nesse regime regular é simplesmente ruim para você. É literalmente um truque elaborado que você pratica – uma mentira que você diz ao seu corpo para que ele fique pensando que está tudo bem. É um ciclo infindável, exaustivo e infindável. Mas eu faço assim mesmo. Faço assim mesmo porque tenho a doença de Lyme. (Como não sou médico, digo que tenho “Lyme crônica”. É uma maneira mais curta de dizer que essa doença ainda me afeta há mais de uma década – prefiro-a à alternativa, que é “Pós Tratamento da Síndrome da Doença de Lyme com uma infecção ativa atual com uma cepa diferente de borrelia e bartonela, além de outras co-infecções”).”
A atleta continua falando a respeito do surto de Covid-19 e o quanto a pandemia a assusta, visto que seu diagnóstico é que ela pertence aos grupos de risco. Antes disso, porém, Elena se policia a respeito de nunca ter conversado sobre o tema e, com isso, não ter podido ajudar ninguém que sofre do mesmo.
“Quando as notícias da Covid começaram a se espalhar, eu imediatamente as levei a sério. Isso não sou eu me gabando; esses são apenas os instintos que desenvolvi após mais de uma década vivendo com a doença de Lyme. Me disseram várias vezes ao longo dos anos que minha condição me deixa imunocomprometida – que parte do que Lyme faz é debilitar meu sistema imunológico. Eu tive um resfriado comum que fez meu sistema imunológico espiralar em uma recaída séria. Recaí com uma simples vacina contra a gripe. Existem muitos casos em que contratei algo que não deveria ser tão importante, mas isso explodiu meu sistema imunológico e se transformou em algo assustador. Isso é apenas algo com o qual eu lido. E assim, quando li que as pessoas imunocomprometidas correm um risco maior com o Covid, tomei todas as precauções possíveis. (Que, a propósito, eu percebo que é um privilégio enorme que a maioria das pessoas não tem.) Tratei o Covid como qualquer pessoa de alto risco deveria: por uma questão de vida ou morte.”
Delle Done, então, comenta sobre uma situação que a tem deixado mais chateada que a própria questão da doença: a WNBA. Mesmo com a liga tomando medidas de precaução, colocando profissionais de todos os estilos para manter todos seguros, a bolha não é um ambiente para ela.
“O fato da questão é, foi-me dito que seria impossível manter o Covid-19 fora da bolha. E, então os casos na Flórida começaram a aumentar. E, mesmo que a bolha seja o lugar mais seguro da Flórida … se eu tivesse que ir a um hospital e o hospital estivesse sobrecarregado, então o quê? Eu queria jogar, mas estava com medo. Conversei com meu médico sobre o que a liga planejava e ele sentiu que era muito arriscado. Aliás, quando a liga começou a analisar os casos para ver quem poderia receber isenção de saúde para não estar na bolha, eu nem pensei que fosse uma pergunta para mim. Não precisava de uma equipe inteira de médicos para dizer que meu sistema imunológico é de alto risco. Eu joguei minha carreira toda assim!!! Eu vivo assim.”
A atleta continua, desta vez, já demonstrando indignação com a atitude da WNBA, que a negligenciou. Entre a cruz e a espada, Elena se sente machucada pela liga por tudo o que tem sido submetida.
“O médico que trata da minha doença de Lyme escreveu um relatório completo, detalhando meu histórico médico e confirmando meu status de alto risco. O médico do Mystics (que é incrível, mas que nunca tratou minha doença) escreveu um relatório concordando com o meu perfil de alto risco. Arquivei ambos os relatórios para a liga, conforme necessário, juntamente com um formulário assinado renunciando ao meu direito de não jogar. Alguns dias depois, porém, a equipe de médicos – que nunca falaram comigo ou com um dos meus médicos – me informou que a liga negou meu pedido. E, as opções que me restaram são: arriscar minha vida ou perder meu salário.”
Para Elena, a WNBA recusar seu pedido é uma clara mensagem de que ela não deveria acreditar em seus médicos particulares e, mais do que isso, que ela não sabe o que acontece com o próprio corpo. Essas violações vão ainda mais além quando a liga insinua que ela está mentindo para não trabalhar e ainda receber.
“Para constar: não estou escrevendo esta carta para anunciar meus planos. Ainda estou pensando com muito cuidado e ponderando minhas opções. Mas eu queria escrever isso por três razões principais: primeiro, como eu disse: sei que já passou da hora de assumir um papel mais público na batalha contra a doença de Lyme – uma batalha que eu venho travando principalmente em particular há anos. Sinto muito por não ter feito mais antes. Mas eu tenho essa plataforma e quero ajudar. Espero que isso seja um começo.Segundo, sei que a decisão que estou enfrentando – arriscar minha vida ou perder meu salário – está longe de ser uma decisão única. Sei que milhões de americanos agora, em situações muito piores que as minhas, estão enfrentando decisões semelhantes. E, é claro, muitos estão lidando com coisas ainda piores: milhões de pessoas estão totalmente desempregadas. Muitos deles – especialmente negros e pardos e principalmente negros e pardos LGBTQ estão lidando com insegurança alimentar e falta de moradia. Quero expressar minha mais profunda solidariedade com eles. E, então a última coisa que eu queria dizer aqui – e provavelmente a melhor lição que aprendi com minha experiência com a doença de Lyme – é esta: há tanta coisa no mundo que não sabemos.”
Elena termina a carta com uma reflexão a respeito do que ela aprendeu nesses anos todos de batalha, e chama a atenção para o modo com que as pessoas tratam as outras. Por fim, ela tem um pedido para a WNBA.
“Acho que a ideia é algo como: nunca podemos entender completamente o que alguém está passando ou o que eles passaram – da mesma maneira que ninguém mais pode entender completamente o que estamos passando ou o que passamos. Há tanta coisa no mundo que não sabemos. O que significa que o melhor que podemos fazer é ouvir um ao outro e aprender um com o outro – com o máximo de humildade possível. Espero que, no futuro, a WNBA possa fazer o mesmo. Obrigada. Elena Delle Donne.”
*Texto traduzido. O original pode ser conferido aqui. A WNBA ainda não se posicionou sobre a situação.