A janela pode estar aberta

Para Ricardo Stabolito Jr., a atual temporada lembra muito 2011 – ou seja, um “campeão surpresa” pode estar escondido por aí

Fonte: Para Ricardo Stabolito Jr., a atual temporada lembra muito 2011 - ou seja, um "campeão surpresa" pode estar escondido por aí

“O título conquistado pelo Dallas na temporada passada foi uma das maiores aberrações da história da NBA”

Estas palavras foram escritas por um jornalista brasileiro no ano seguinte à vitória do Mavericks sobre o Miami Heat nas finais. Além dele, eu nunca vi alguém chamar o campeonato de Dallas de “aberração”, mas muitos ainda consideram que tenha sido um “acidente”. Eu discordo e não respeito tal opinião: não dá para ser o último time em pé na liga após mais de 100 partidas por acidente. Isso não existe, como diria o Padre Quevedo.

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Pode-se dizer que o Mavs de 2011 foi sortudo. Claro, se você acreditar que sorte é a junção da oportunidade com a competência. Ao mesmo em que o time mostrou inquestionáveis méritos técnicos e táticos para ganhar o título, é impossível negar que uma série de acontecimentos criou a chance para que o “azarão” levantasse o troféu. Uma janela se abriu para a surpresa aparecer. Dallas aproveitou.

Eu acho que existe uma nova janela aberta nesta temporada. Em geral, as tais das janelas se abrem quando duas situações acontecem simultaneamente: os campeões não conseguem mais defender os títulos e as melhores/mais talentosas equipes não estão preparadas para vencer. Uma oportunidade se constrói na intersecção.

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Alguém pode assegurar que isto acontecerá agora? Não. Mas, do mesmo modo que naquele ano, as chances parecem existir.

Um exemplo clássico é o Pistons dos “bad boys”: entre o declínio das dinastias Celtics/Lakers e o Bulls finalmente pronto para vencer tudo, dois anos se abriram. Por competência própria, os comandados de Chuck Daly aproveitaram a oportunidade e foram bicampeões com um estilo bastante particular – desafiando as barreiras do jogo físico em uma época em que a NBA já tinha um jogo bem mais “pegado” do que hoje.

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NBA playoffs 2011

Vamos lembrar os eventos em cadeia que aconteceram para abrir a janela de Dallas em 2011:

– Atual bicampeão, o Los Angeles Lakers passou a dar sinais do cansaço físico-mental comum a um time que vinha de três finais consecutivas;

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– Líder do Oeste na temporada regular e única equipe a frente dos angelinos na classificação, o San Antonio Spurs sofreria com lesões no pior momento possível: a reta final da campanha e o início dos playoffs;

– O “Big Three” de Miami acabara de se formar, o que era uma vulnerabilidade por si só;

– O “Big Three” original de Oklahoma City já existia, mas era jovem e inexperiente;

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– Líder do Leste na temporada regular, o Chicago Bulls mostraria ser dependente demais de Derrick Rose no ataque – uma vulnerabilidade que seria exposta pelo Heat.

Você pode comparar este cenário com o atual e não identificar as semelhanças. Não é para ver mesmo, porque, na verdade, ninguém viu. A questão é: eu sei tudo isso hoje, após ter assistido a temporada até o fim. Lá em novembro de 2010, você precisaria ser um gênio ou vidente para prever que todos esses fatores aconteceriam ou seriam expostos nos playoffs. Fato é que tudo aconteceu e, por isso, o Mavericks surgiu do nada para ser o campeão.

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Todos só começaram a notar que havia alguma coisa especial acontecendo em Dallas quando os comandados de Rick Carlisle “varreram” o Lakers – uma derrota que selou a aposentadoria de Phil Jackson como técnico. A derrota como aconteceu (avassaladora) foi muito mais prova da fragilidade angelina do que a força texana, mas alguém precisava assoprar aquele castelo de cartas em ruínas e o fato de ter sido o Mavs ajudou a chamar a atenção.

De repente, o Mavericks havia crescido na hora certa e estava nas finais de conferência diante do precoce Thunder – que só chegou tão longe porque um lento Spurs sofreu uma inesperada derrota na primeira rodada contra um atlético Memphis Grizzlies. Vitória em cinco partidas, sem problemas.

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Enquanto isso, no Leste, o Heat superou um início decepcionante (9-8) para achar seu ritmo e matar quem visse pela frente nos playoffs de conferência. Parecia claro que LeBron James ganharia o primeiro anel. Eles eram favoritos por muito. Ou, pelo menos, assim achávamos. Lembro-me de ter escrito para um amigo, em tom fúnebre no facebook, algo como “não vai ter jeito, LeBron ganhou”.

A beleza do jogo, porém, é que – em uma filosofia mundialmente divulgada pelo treinador de Mason Dixon em “Rocky Balboa” – você não sabe se alguém é realmente ótimo ou está pronto para ganhar até seu batismo de fogo. E o Leste nunca chegou a ser o batismo de fogo que deveria ter sido para aquele Heat. O Mavericks, por outro lado, vinha de anos encarando dificuldades.

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Em uma medida quase desesperada e pouco ortodoxa, Carlisle recorreu à defesa zona para tentar parar o Heat no segundo jogo da decisão e deu certo. Deu mais do que certo: Miami travou. De um dia para o outro, eles voltaram a ser a equipe do início da temporada e tudo estagnou. Então, LeBron e Dwyane Wade estavam zombando da tosse de Nowitzki e mostrando falta de maturidade no pior momento possível. Tudo entrou em espiral e eles ainda não tinham o necessário para sair daquilo. “Ai meu Deus, eles não estão prontos”, posso ver alguém dizendo, à beira da quadra, em um momento de revelação. Foi dramático assim.

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O Mavericks ganhou. Não por acidente ou aberração, mas por competência e oportunidade. Diferente de uma questão de prova ou uma eleição, eu não acredito que alguém vença por eliminação no esporte. Esporte é coisa séria.

Voltando lá atrás, os dois princípios da janela podem vir a se aplicar a 2014. O atual campeão, San Antonio Spurs, nunca conseguiu títulos consecutivos e viveu uma temporada particular na busca pelo quinto anel. Eles não só apresentaram um basquete sensacional nos playoffs, mas também não tiveram contusões importantes em um elenco com vários veterano e encontraram a motivação perfeita em uma derrota devastadora no ano anterior. Tudo pareceu conspirar por uma redenção dos sempre favoritos. É possível, mas relativamente improvável que a história se repita com tal perfeição: algum veterano pode se contundir, a motivação pode não estar lá, a excelência do jogo pode não ser replicada novamente e por aí vai.

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Enquanto isso, existem sinais de que os times mais fortes/talentosos não estejam prontos. O Cavaliers tem óbvias semelhanças com o Heat de 2011 e seu núcleo principal possui menos rodagem ainda hoje do que havia em Miami. O Thunder está dizimado por contusões e corre riscos de ter a temporada totalmente comprometida. O Bulls mudou mais do que parece e Derrick Rose é um ponto de interrogação.

Se os dominós caírem como aconteceu em 2011 – e não importa se agora em novembro ou na reta final dos playoffs –, o caos começa e a janela estará aberta mais uma vez. Deus sabe quem terá a competência de aproveitar a oportunidade. Só sei que não vai ser acidente. Não vai ser aberração. Será apenas um campeão que poucos poderiam imaginar. Às vezes, acontece.

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