A NBA é um privilégio para poucos e não oferece garantias a ninguém. Eis uma liga em que talento sempre é necessário, mas está longe de ser o suficiente – trata-se, no fim das contas, do primeiro funil de uma longa jornada que testa a força de um sonho. Estudos apontam que só 0.03% dos jogadores colegiais e cerca de 1% dos universitários dos EUA alcançam (fazendo uma partida ou longa carreira) o mais alto nível do basquete profissional.
Os números contam uma história cruel: de cada 10.000 atletas colegiais que atuam hoje e acreditam ter condições de jogar profissionalmente, apostam que venceriam um mano-a-mano com Kyle Singler ou Miles Plumlee agora, só três vão fazer parte de um elenco da NBA na vida. E, aqui, fazer parte não significa ser titular, assinar contrato garantido ou sequer entrar em um jogo de temporada. Nada de garantias a ninguém.
Essa é a história de sonhadores que estão tão próximos de integrar aquele 0.03% a ponto de fazerem sacrifícios pouco indicados, homens que abrem mão de tempo e dinheiro em uma carreira curtíssima por estarem a um passo do prêmio final. Esses são os jogadores da Liga de Desenvolvimento, a G-League.
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O “American Idol” da NBA
A G-League nasceu muito diferente da forma que conhecemos hoje: a liga fundada em 2001 tinha somente oito franquias do sudeste dos EUA e não possuía nenhuma relação formal com a NBA. Era “independente”. Mas, do ponto de vista funcional, a inauguração da NBDL aconteceu em 21 de novembro de 2001: o dia em que Chris “Birdman” Andersen foi contratado pelo Denver Nuggets por seu desempenho pelo Fayeteville Patriots. Foi o primeiro de centenas de call-ups.
A NBDL – depois D-League e, agora, G-League – até nasceu independente, mas sua importância e potencial revelaram-se bem cedo como uma liga de apoio da NBA. “A G-League é como se fosse o ‘American Idol’, em diversos aspectos. Nós oferecemos um palco para os pretendentes à NBA mostrarem seu talento, em vez de terem que ir para outros países. E os juízes têm a oportunidade de vê-los em primeira mão”, resumiu o presidente de operações do Dallas Mavericks, Donnie Nelson.
Além de uma plataforma para agentes livres que sonham em atuar na NBA um dia, a liga se consolidou também como um ambiente de desenvolvimento para jovens contratados que estão sem espaço na melhor competição de basquete do mundo. Uma oportunidade para que garotos aprendam o que é o basquete profissional na prática, competindo contra atletas com alguma experiência, sem custar vitórias e derrotas para as franquias.
“Jogadores precisam de tempo para desenvolver-se e acho que a G-League está aqui para isso. É o nosso primeiro e principal trabalho: evoluir e ganhar jogos é produto de atletas desenvolvendo da forma correta”, afirmou Darrick Martin, ex-treinador do Reno Bighorns, da G-League. É, então, ao mesmo tempo, vitrine e incubadora para aqueles que querem chegar ou consolidar-se na NBA.
Mas nem todo mundo é tão reverente em relação à importância da G-League. A pergunta é: uma liga pode ser competitiva coletivamente quando seu principal ponto é ser vitrine para a NBA? “É o único torneio do mundo em que sei que as vitórias e derrotas não são realmente o objetivo de ninguém. Na cabeça desses jogadores, eles sabem que estão aqui somente para serem notados”, pondera o analista Jonathan Givony, da ESPN.
Questões à parte, a G-League funciona: mais de 30% dos jogadores em atividade na NBA hoje tiveram passagens pela Liga de Desenvolvimento em algum momento da carreira. Funciona não só para a NBA, mas também para aqueles que carregam o sonho de chegar lá. “Nós sentimos, trabalhamos e acreditamos que a G-League é a segunda melhor liga de basquete do planeta”, concluiu o gerente-geral do South Bay Lakers, Nick Mazella.
Uma jornada de sacrifícios
A G-League é uma afiliada da NBA, mas não é construída por ela. Seu alicerce está no sonho de centenas de atletas de chegarem à maior liga de basquete do mundo. São homens que já rodaram o mundo graças ao esporte muitas vezes e, agora, estão dispostos a fazerem sacrifícios para tentarem tornar aquela imagem que eles tinham na cabeça quando crianças – jogando em uma quadra de rua ou no quintal de casa – em realidade.
“Essa é uma liga de muitos sacrifícios. O dinheiro não é mais do que você precisa para pagar as contas. Alguns atletas ganham, em um mês atuando em outro país, o que recebe-se em uma temporada inteira na G-League. No entanto, aqui, todas as noites, recrutadores da NBA estão na arquibancada”, contou o veterano Maurice Baker, que atua por quase uma década na Liga de Desenvolvimento.
Graças a uma reforma recente no acordo coletivo de trabalho, a G-League passou a remunerar melhor seus jogadores recentemente. Atletas com vínculo exclusivo com a Liga de Desenvolvimento recebem hoje entre US$30-70 mil por temporada, além de um vale-refeição de US$50 diário e moradias oferecidas pelos times – casas em que três a quatro integrantes do elenco moram juntos. Trata-se de um choque de realidade quando você pensa que, na Europa e China, os jogadores podem receber salários anuais de sete dígitos com todos os gastos relacionados (refeição, moradia) reembolsados ou cobertos pela equipe.
“Sei que a vida é curta e o tempo é escasso no basquete. Mas, às vezes, tudo gira em torno de mais do que dinheiro. É sobre um sonho. E, para mim, depois de atuar tantos anos lá fora, a hora de lutar e fazer sacrifícios para perseguir a NBA é agora. Essa é a minha luta, esse é o sonho”, explicou John Holland, que já chegou a atuar profissionalmente na França, Espanha e Turquia antes de decidir jogar na G-League, no ano passado.
Com condições tão inferiores àquelas encontradas em outras partes do mundo, a G-League é um teste para jogadores. Um teste para o ego, confiança e sonho de cada um deles. De quanta mordomia você está disposto a abrir mão pela perspectiva de jogar na NBA? “Jogar fora dos EUA traz dinheiro, viagens para locais que nós nunca imaginamos e contato com culturas diferentes. É um luxo. Mas só a G-League pode colocá-lo a, de fato, um passo do seu sonho de vida”, resumiu Chehales Tapscott, ex-atleta no basquete europeu e veterano de “peneiras” da G-League.
Isso até pode parecer um drama “vazio” para pessoas comuns: é ruim ganhar US$5 mil mensais, com refeições e um quarto pagos por seis meses? Para nós, pode até não ser. Para atletas tratados como “reis” desde o colegial, a perspectiva é outra. Mas, ao mesmo tempo, a G-League tem seu caráter viciante também: quando você fica a um passo da NBA, está tão perto de realizar um sonho, é impossível não se tornar um tipo de “refém” do seu próprio desejo.
“Eu estive tão próximo de chegar lá tantas vezes que sinto que não posso desistir agora. Estava entre os dois nomes que o Phoenix Suns considerou contratar na última temporada, mas eles preferiram o outro cara. Isso já aconteceu comigo e sinto que, uma hora, vou ser eu. Isso não vai acontecer, esse dia não vai chegar, caso largue mão de tudo e não esteja aqui no ano que vem, certo?”, afirmou o veterano Xavier Silas.
Então, antes de tudo, a G-League é feita de pessoas que estão dispostas a abrir mão de algo (dinheiro, viagens, privacidade, luxo) para darem o último passo e realizarem a visão que sempre tiveram para suas carreiras. “Joguei em outros lugares, mas, com todo o respeito, não treino duro desde criança para jogar na Rússia. O meu sonho é a NBA e o sacrifício que fazemos é a prova cabal disso”, concluiu o ala Gerald Green, ainda em 2011.
O jogador dentro de cada um
Não há prática mais particular na G-League do que as “peneiras”. Os times realizam treinos públicos em que qualquer pessoa, pagando uma taxa de inscrição, pode ser candidato a uma vaga no período de pré-temporada e tornar-se atleta profissional. De 50 a 100 aspirantes aparecem a cada novo evento, com a certeza de serem um dos inúmeros talentos que ficaram no caminho e ainda precisam ser descobertos.
“O que eu mais gosto nos treinamentos é a energia que esses homens trazem. Eles são o sonho e a realidade do basquete. O fato de termos grupos tão enérgicos, que vem aqui para jogar duro em busca da oportunidade da vida, é um grande sinal do valor do que fazemos aqui”, contou o ex-armador e atual técnico do Reno Bighorns, Darrick Martin.
Os milhares de jogadores amadores que participam das “peneiras” todos os anos se inspiram em exemplos como Jonathon Simmons: ele pagou US$150 para participar de um treino aberto do Spurs em 2013 e, hoje, possui contrato garantido de três anos com o Orlando Magic. “Jonathon prova que, dentro de cada um, pode existir um atleta da NBA brigando para aparecer”, afirmou Travis Jamison, candidato a uma vaga no Spurs em 2016.
Simmons, como muitos aspirantes, tinha o treino do Spurs como sua última chance de iniciar uma carreira séria no basquete profissional. O sonho estava às vésperas de terminar: se não fosse aceito, ele já havia resolvido fazer um curso de barbearia e trabalhar no salão de um amigo da família. Não iria gastar nem mais um centavo do dinheiro que não possuía pela oportunidade que nunca parecia chegar.
“Há muitos momentos na jornada de Jonathon em que tudo poderia ter terminado. Desistir era fácil. Mas ele acreditou em si mesmo, continuou jogando e perseverou por sua chance. Diferentes pessoas cruzam diferentes caminhos – claramente, seu caminho não foi linear. E, em uma situação dessas, acreditar em si mesmo é tudo”, refletiu o gerente-geral do San Antonio Spurs, R.C. Buford.
Hoje, Simmons é um dos atletas que carregam a esperança de que o sonho da NBA pode virar realidade por meio da Liga de Desenvolvimento. E orgulha-se, acima de tudo, de suas “raízes”. “Todos têm a própria trajetória. A G-League é sobre treinar todos os dias, melhorar e aprender a ser um profissional – dentro e fora de quadra. Esse foi um caminho longo para mim, sim, mas tenho muito orgulho porque acho que fiz o máximo das oportunidades que tive”, finalizou o ala de 28 anos.
Quando você chega lá
Notícias de call-ups geralmente passam batidas pelos fãs da NBA. Não é complicado entender o motivo: são relativamente comuns e envolvem atletas que não mudarão os rumos de uma franquia. Mas, acredite, elas alteram a vida de muita gente. Você pode achar a notícia de um contrato de dez dias trivial, mas, muitas vezes, a busca por ela é o que incentiva jogadores a seguirem jogando basquete, contra todas as possibilidades.
“Não há melhor sensação no mundo do que dizer a um dos seus comandados que a NBA está chamando, pois vejo esses caras trabalharem e evoluírem todos os dias, diante dos meus olhos. É uma das razões fundamentais de estarmos aqui. Quando chegam lá, eu só brinco que não quero vê-los nunca mais”, explicou o ex-treinador do Austin Spurs, Ken McDonald.
E as reações dos atletas ao saberem que, por um jogo que seja, vão jogar na NBA também são variadas. “Eu simplesmente sentei no primeiro lugar que encontrei e gritei. Gritei bastante, sem parar. Estava feliz e gritava por pura felicidade. Liguei para todos que conhecei para avisar. Foi uma festa”, lembrou o ala-armador John Holland, chamado pelo Boston Celtics em abril do ano passado.
O ala-pivô JaMychal Green, hoje no Memphis Grizzlies, teve uma reação muito diferente de Holland ao ser contratado pela primeira vez saindo da G-League, pelo Spurs, em 2015. “Eu não conseguia fazer nada além de sorrir. Era real. Trabalhei tanto, por tantos anos. Você sente que tudo valeu a pena, pois esse é o momento pelo qual você espera a cada dia que levanta da cama”, recordou.
“Minha mãe chorou a noite inteira quando avisei que jogaria na NBA”
(Jonathon Simmons)
A tão esperada notícia, porém, não é só uma realização para os jogadores. Quem tem pessoas próximas não sonha sozinho. Uma jornada que exige tanto sacrifício passa a ser compartilhada por todos de seu convívio, que oferecem seu apoio em momentos ruins na esperança de comemorar um dia. O que começa como um sonho pessoal vira uma batalha vivenciada, dia a dia, por amigos e família.
“Eu soube que queria ser um jogador de basquete desde que assisti Michael Jordan pela primeira vez e foi a G-League que levou-me até lá. Não dá para definir o que senti no dia em que fui chamado em palavras. Foi a realização de um sonho não só para mim, mas para minha família inteira. Eles acreditaram em minha capacidade tanto quanto eu”, contou o veterano Renaldo Major.
E, com o passar do tempo, Major notou que o mais importante daquela notícia seria mais relacionado a um familiar do que a ele próprio. “É incrível ter seu nome atrás de um uniforme oficial. Até pensei em pegar uma das minhas camisas quando meu contrato terminou, mas achei que seria roubo – e, sinceramente, o principal é que meu pai pôde me ver na NBA antes de morrer”, contou o ala.
O sonho se renova
Renaldo Major, por sinal, podemos considerar ser dono de um recorde pouco desejável: ele é o atleta com mais jogos disputados na história da G-League. São 400 partidas ao longo de dez temporadas. Os relatos anteriores foram relativos a única vez que ele recebeu um call-up e seu único jogo na NBA aconteceu em 17 de janeiro de 2007, quando anotou cinco pontos em uma derrota do Golden State Warriors.
Esse foi o auge da carreira do jogador de 35 anos, que também jogou na Finlândia, Canadá, Porto Rico e México. “Mesmo já sendo um ‘velho guerreiro’, eu ainda sinto que posso competir na G-League. Minha carreira está chegando ao fim, mas quero ajudar o máximo de jogadores que puder antes de aposentar”, disse o veterano, enquanto disputava a temporada passada da Liga de Desenvolvimento.
Maurice Baker não fica muito atrás de Major: acumulou 357 partidas disputadas no torneio, terceira maior marca da história da Associação, entre 2004 e 2016. Ele foi contratado duas vezes por times da NBA, somando cinco jogos por Portland Trail Blazers e Los Angeles Clippers. Os duelos não serviram para que marcasse um único ponto na maior liga de basquete do planeta, mas, na prática, mostrou-lhe como uma vaga, uma chance, pode mudar vida e carreira radicalmente.
“Quando o pessoal daqui vai a um cassino, os caras mexem na carteira, contam o dinheiro e notam que não podem gastar mais do que US$100. Eu sei disso muito bem. Na NBA, o time chega em um jato privado e alguns atletas deixam US$100 mil nas mesas em uma noite. São duas realidades, dois mundos completamente diferentes”, exemplificou Baker, que presenciou a situação durante sua curta passagem na NBA.
Agora veterano, Major entende que seu papel mudou na história da G-League. Ele já foi a personificação do sonho. Chegou a hora de ajudar a mantê-lo renovado. “Hoje, eu sou um mentor e embaixador da liga. Sempre tento fazer a coisa certa em nome dessa marca, pois sou agradecido de ter sido parte da família por tanto tempo. Não estou tentando mais chegar à NBA, mas tentando conduzir os jovens que jogam comigo até lá e ajudando a realizarem seus desejos”, resumiu.
Aqueles que nunca chegam
Jogar uma, duas partidas oficiais na NBA parece um prêmio pequeno no balanço de uma carreira inteira. Ainda mais frustrante, certamente, é não fazer nenhuma. Pior ainda: não por uma questão de talento, mas porque você simplesmente não possui o necessário para suportar a demanda do basquete profissional. Como reagiria se, a um passo de alcançar seu sonho, com apenas 24 anos de idade, percebesse que não consegue mais fazer o que ama?
Foi isso que aconteceu com Roosevelt Jones. Comandado pelo técnico Brad Stevens na Universidade de Butler, o ala anunciou a aposentadoria quando tentava começar sua segunda temporada pelo Canton Charge. Ele até ganhou a titularidade do time durante a campanha de calouro na G-League, mas atuar 50 jogos em questão de meses “castigou” seu físico como nunca antes.
“A dor crônica que sinto nas costas chegou a um ponto insuportável. Sempre joguei dando 110% do meu esforço o tempo inteiro e, se não puder fazê-lo todos os dias, eu só estarei trapaceando as expectativas dos meus companheiros. Então, estou oficialmente encerrando minha carreira profissional aqui”, confirmou o jovem, por meio de sua conta no twitter, em agosto do ano passado.
Na época, Jones preferiu celebrar uma trajetória que chegou perto do objetivo final do que lamentar um final precoce, adiantando sua permanência no basquete. “Foi uma grande jornada para mim, pois nunca pensei que chegaria tão longe. Fiquei a um passo de conseguir o que queria. Mas a história não termina aqui. Espero que meu próximo capítulo seja treinar e compartilhar meu amor pelo jogo com outros garotos que tenham o mesmo tipo de paixão que possuo”, completou.
O otimismo das palavras, porém, não refletem os sentimentos conflitantes de um sonho frustrado às vésperas da possibilidade de realizar-se. Menos de três meses após aposentar-se, Jones foi preso por atrapalhar o trânsito de sua cidade natal: ele estava totalmente embriagado, dormindo dentro de seu carro, em frente a um semáforo com os pés fincados no freio. Essa foi a última notícia que se teve do talentoso ala.
O caminho de volta
A G-League não é feita só pela força de vontade daqueles que nunca estiveram ou passaram rapidamente pela NBA. Parte dos elencos é composta por jogadores que já alcançaram o sonho, tiveram até estabilidade dentro de uma franquia, mas não conseguiram manter suas vagas e estão novamente na busca. Esse é o outro lado das histórias de sucesso contadas aqui: para que alguém novo entre é necessário que alguém saia. Para cada passo à frente, existe um passo para trás.
“Eu até tinha propostas da NBA e ninguém entende porque estou na G-League, mas a verdade é que essa é a primeira vez que tenho controle de minha carreira. Queria ter a oportunidade de começar novamente e não tenho vergonha de voltar algumas casas. Essa é a chance que essa liga nos oferece”, afirmou o armador Trey Burke, que destacou-se pelo Westchester Knicks na atual temporada.
Um dos primeiros exemplos de jogadores que utilizaram a Liga de Desenvolvimento como plataforma de retomada da carreira foi Gerald Green, em 2012, que chamou a atenção do Brooklyn Nets depois de quase três anos fora da NBA. “A G-League ajudou-me bastante, pois é uma liga dura. Há bastante talento lá e os atletas têm fome, só querem uma oportunidade. Eles testaram meu desejo de voltar a estar entre os melhores”, elogiou o hoje ala do Houston Rockets.
Poucas histórias nesta linha, porém, são mais bem-sucedidas do que Danny Green. O titular e campeão da NBA pelo Spurs foi dispensado pelo Cleveland Cavaliers no início de carreira e quase desistiu do basquete. Contratado pelos texanos, o ala recebeu dicas do técnico Gregg Popovich sobre o que precisaria fazer para voltar à liga, em San Antonio. Após rodar por três equipes da G-League, ele conseguiu uma vaga na franquia para não sair mais.
“Gregg sempre acreditou em mim. Ele achava que era um bom jogador, talentoso, mas não possuía aquela agressividade e sensação de estar atuando no limite, lutar por algo mesmo. A experiência na Liga de Desenvolvimento foi o que me deu isso. Você joga em um ambiente com a motivação constante de provar que todos estão errados. Eu cresci como jogador e pessoa jogando lá”, contou o arremessador e especialista defensivo, que atualmente ganha salário de US$10 milhões anuais.
Burke já pode ser considerado mais um desses casos de sucesso. No início de 2018, ele foi contratado pelo New York Knicks com vínculo até o final da temporada por suas atuações no time afiliado. Foi uma prova de superação para o armador, que já admitiu ter perdido o foco entre as distrações do basquete profissional no começo da carreira e define-se como um homem diferente agora – casado, com filhos e responsável por seus atos.
“Tive decepções e frustrações no passado, mas sabia que iria dar a volta por cima. Eu aprendi que tudo depende de como você encara as adversidades. Estou muito orgulhoso da decisão que tomei e o que realizei na G-League. Passei por bastante coisa na NBA e aposto que, agora, só tenho a subir na carreira”, assegurou Burke, que já tem médias de 7.4 pontos e 3.4 assistências em oito jogos em Nova Iorque.
A preparação para estar lá
No universo de jogadores e histórias que a G-League apresenta, pode-se dizer que um grupo destoa do restante. Os atletas enviados da NBA são jovens que já estão onde todos querem estar e só usam a Liga de Desenvolvimento para manter seus ritmos de jogo ou aprimorarem habilidades visando um futuro breve. Trata-se de um rito de passagem que, mais do que técnica ou tática, ensinam aos garotos o que é ser um profissional de basquete no mais alto nível possível.
“Na G-League, todos estão tentando provar o que podem fazer. Você sabe que eles vão jogar duro, não importa quem esteja do outro lado. Dar um ‘passo para trás’ e poder jogar mais tempo contra atletas com essa ‘fome’ é uma boa experiência para medir-me como jogador – quem sou e o que posso virar”, afirmou o calouro Malik Monk, que foi enviado pelo Charlotte Hornets após ter um início promissor de temporada “esfriado” nos últimos meses.
Mas não só quem está mal vai para a G-League. Terrance Ferguson era titular do Oklahoma City Thunder até pouco menos de duas semanas e, para poder fazer alguns treinamentos extras, foi enviado para a equipe afiliada. “Eu não vejo como um rebaixamento. Isso ainda é competição, basquete em nível superior a NCAA. Jogar com esses caras, competir contra alguns dos melhores do mundo, faz com que eu volte à NBA e jogue com mais conforto”, explicou.
“Eu aprendi muito na G-League. São coisas que eu levo para a vida inteira”
(Bruno Caboclo, em 2015)
A G-League existe, entre outros motivos, porque nem todos os jovens talentos que merecem uma aposta estão prontos para serem analisados desde o primeiro dia. O Toronto Raptors que o diga: o líder da conferência Leste agora possui na rotação nada menos do que quatro atletas que, até meses atrás, transitavam entre as duas ligas em busca de aprimoramento: Pascal Siakam, Fred VanVleet, Jakob Poeltl e Delon Wright.
“Eu acho que sempre é bom aprender dentro de quadra do que assistindo do banco de reservas. Eu tive essa experiência na G-League a aprendi que nada é garantido aqui. Essa liga lida com profissionalismo diariamente: você vai de titular a última opção do elenco em questão de dias. É preciso tirar vantagem das oportunidades que surgem: aprendi muito sobre basquete, a NBA e até sobre eu mesmo nesse processo”, contou Siakam.
Para os jovens, a experiência na G-League é um aviso dos times da NBA: aprender é necessário sempre e a única diferença entre você e todos dentro de quadra é um contrato – que pode ser rescindido do dia para a noite. “No fim das contas, isso é basquete. Eu e todos esses jogadores temos os mesmos objetivos: nós queremos competir, vencer e chegar no próximo nível. Então, eu tenho sorte e não acho que sou melhor do que ninguém aqui”, resumiu o calouro Caleb Swanigan, do Blazers.
Onde os sonhos sempre terão vez
A G-League é uma liga de jogadores que acreditam: em si mesmos, na chance de serem descobertos, na oportunidade de jogar na NBA. Ao mesmo tempo, porém, obriga seus pretendentes a se avaliarem criticamente como nunca antes na vida. Você analisa sua trajetória, vislumbra onde pode chegar e entende quanto está disposto a sacrificar para, às vezes, fazer um único confronto pela equipe de pior campanha da NBA em um início de abril.
“Eu olho para trás e vejo minha jornada, tudo o que passei para chegar aqui, por outra perspectiva. Nunca desisti. Não houve um dia na G-League em que não me questionei se tinha o que era preciso para jogar na NBA. Colocar-se em dúvida é uma qualidade dos que sempre podem mais. Eu sou um titular agora, ajudando meu time a vencer partidas. Isso é tudo o que eu sempre sonhei”, relembra JaMychal Green.
Não são poucos atletas que dizem que a Liga de Desenvolvimento é o passo mais difícil do caminho até a NBA. Envolve abdicar de conforto e trabalhar como nunca por um prêmio que puro talento não garante e ninguém sabe quando (ou se) virá. É uma história de sonho, confiança e, acima de tudo, suor. “O trabalho não acabou na G-League. Aprendi que o trabalho nunca termina. Siga treinando, seja um profissional e as oportunidades vão surgir”, assegurou Danny Green.
A lista de benefícios e regalias que um jogador abre mão quando joga na G-League em vez da Europa, por exemplo, é fácil de descrever. Foi feito nesse texto. O que nunca poderá ser descrito em palavras, por melhor que o escritor seja, é a emoção de ver o suor transformar sonho da criança, a confiança do adolescente e o sacrifício do adulto em realidade na NBA.
“Cada enterrada que finalizo me leva a outro nível porque percebo que finalmente alcancei o meu sonho. É uma sensação louca, pois eu não esperava que a história fosse ser assim. É surreal, uma benção e, por ter sido dessa forma, acredito que estou aproveitando ainda mais. Aproveito, hoje, com todas as forças que tenho”, finalizou JaMychal Green.
Esse texto integra a série “Grandes Histórias” do Jumper Brasil. Na primeira segunda-feira de cada mês, o site traz uma grande matéria sobre atletas atuais e grandes ídolos da história da NBA. É uma abordagem diferente, abrangente, sobre as trajetórias de sucesso que formaram e formam a liga como conhecemos. Se você tem sugestões de pauta, por favor, deixe nos comentários!
PS: Excepcionalmente, por conta da trade deadline, a matéria de fevereiro foi adiada em uma semana.