O legado de David Stern

Ricardo Romanelli avalia a bem-sucedida gestão do agora ex-comissário da NBA

Fonte: Ricardo Romanelli avalia a bem-sucedida gestão do agora ex-comissário da NBA

Por Ricardo Romanelli

Na última sexta-feira, 31 de janeiro de 2014, um fato histórico aconteceu sem chamar muita atenção na NBA. David Stern, comissário da liga, deixou o posto após exatos 30 anos exercendo a função. Ao assumir o cargo, no primeiro dia de fevereiro de 1984, com certeza nem ele imaginava a importância que sua atuação teria para o crescimento da NBA e do basquete em escala global.

Em 1984, a NBA era uma liga relativamente nova e com resultados ainda duvidosos sobre a fusão com a ABA. Muitas franquias operavam no vermelho, com receitas baixíssimas e pagavam salários quase inexpressivos por atletas. A grande atuação de Stern na condução dos negócios da liga não apenas equilibrou as finanças, como também elevou o basquete e seu maior campeonato a fronteiras inimagináveis naquela época. Talvez, alguns números ajudam a demonstrar melhor a grandeza de sua gestão.

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Em 1984, a receita bruta da NBA era de US$ 165 milhões. Hoje, este valor gira em torno de US$ 5,5 bilhões – um crescimento muito, mas muito maior do que a simples correção monetária nos últimos 30 anos. A internacionalização do esporte, uma das maiores contribuições do comissário, também pode ser traduzida em números. Quando ele assumiu o cargo, apenas dois países transmitiam os jogos na televisão e existiam oito jogadores estrangeiros na NBA. Hoje, 215 nações acompanham o basquete pela TV e 92 atletas representam seus países na maior liga de basquete do mundo.

Esse crescimento todo também teve grande efeito internamente, tendo em vista que sete novas franquias se estabeleceram na NBA neste período. Uma delas, o Miami Heat, já foi até campeão diversas vezes e é uma das provas que nada na gestão Stern foi feito para inflar números e havia espaço para o aumento da liga. O dirigente também tomou decisões importantes na busca por aproximar a NBA da sociedade, criando e incentivando programas filantrópicos como o NBA Cares. Assim, jogadores podem usar seu sucesso para se estabelecerem como exemplos aos jovens – e cidadãos em geral – que vivem situação em situação de risco (muitas vezes, parecida com a que os próprios atletas viveram antes de obterem o sucesso por meio do basquete).

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Hoje, com a NBA famosa em escala global e disponível a todos por meio do League Pass – que cobra (míseros) US$10 por mês para quem quiser assistir a todo o e qualquer jogo da temporada –, fica até difícil traduzir em palavras o crescimento que a liga experimentou ao longo deste tempo. Magic Johnson, lenda do Los Angeles Lakers, conta em escrito autobiográfico que, no ano de seu primeiro título (1980), seu próprio pai não pôde assistir o acontecimento porque os jogos só eram transmitidos em VT na época. Agora, os pais de Giannis Antetokounmpo ou Hasheem Thabeet poderiam assistir às partidas dos filhos em seus países natais ao vivo.

Claro que, com 30 anos a frente de uma instituição com o poder e a publicidade que tem a NBA, até pela exposição que o cargo proporciona, é normal que Stern tenha se envolvido em algumas polêmicas. A criação da loteria do draft, em 1985, tem sido muito questionada recentemente, mas ninguém parece oferecer alternativa viável para uma mudança. O código de vestimenta para jogadores, introduzido em 2005, também gerou muita controvérsia entre os atletas. A realocação do Seattle Supersonics ainda é motivo de críticas enfurecidas sobre sua gestão. Além do veto à troca entre Lakers e Hornets (que estava sob controle da liga), envolvendo Chris Paul, que também foi alvo de diversos protestos.

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Mas estes fatos não conseguem arranhar a reputação de David Stern. Isso porque ele construiu uma NBA gigante em 30 anos. Assumiu a NBA em posição praticamente equivalente a ligas universitárias dos EUA e elevou-a ao patamar de uma das maiores organizações esportivas de todo mundo. Mais importante, sem nunca levantar qualquer suspeita de conduta ou caráter durante três décadas. Considerando a grandeza do cargo, isso é altamente louvável e digno de admiração. Sua passagem como comissário lidou com quatro locautes nas negociações do acordo coletivo de trabalho dos jogadores, em diferentes anos. No entanto, como sempre, Stern estava lá para auxiliar nas negociações e garantir que, ao mesmo tempo em que atletas ganhassem salários condizentes, os donos de franquias também mantivessem seus negócios viáveis. É exatamente essa liga que vemos hoje: os protagonistas do show recebem salários infinitamente maiores que 30 anos atrás, mas com rígido controle financeiro e responsabilidade de gastos sobre as equipes.

Reza a lenda que, no primeiro dia de trabalho, lá em fevereiro de 1984, Stern entrou em seu novo escritório, apresentou-se e cumprimentou a todos, tomou um café e saiu. Andando, foi até a sede da NFL, a liga de futebol americano, quatro quadras distante de seus escritórios. Lá, ele humildemente perguntou a Pete Rozelle (então manda-chuva da NFL), o que fazia com que a liga tivesse tanto sucesso. Durante a conversa, o recém-empossado comissário ouviu, anotou e utilizou tudo que conseguiu na NBA. Esta é a marca que Stern deixa, além do inestimável legado para o esporte. Sempre portou-se de forma extremamente respeitosa e aberta com todos, recebendo opiniões e apoios quase que de maneira natural, num esforço para que a liga do futuro não fosse apenas grande, mas fosse de todos.

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Hoje, com o nível de popularidade que chegou o basquete, o grau de envolvimento que a NBA tem com a sociedade, e a facilidade de acesso a cobertura de suas partidas eventos, não temos como negar que ele foi muitíssimo bem-sucedido nesta missão, não nos restando mais nada a fazer, senão agradecê-lo.

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