‘Invictus’: a anatomia de um gesto político e a unificação da África do Sul pós-Apartheid através do esporte

Entenda

Invictus África do Sul Fonte: Reprodução

No esporte, fala-se muito em legado. O número de títulos, os recordes quebrados, a dinastia construída. Mas poucas vezes na história uma campanha esportiva transcendeu tanto o campo de jogo a ponto de se tornar a principal ferramenta na reconstrução de uma nação. É essa história, a de uma improvável união forjada no gramado, que o filme Invictus narra com maestria. Para quem deseja entender essa aula de liderança e estratégia, assistir invictus, é mergulhar na anatomia de como Nelson Mandela transformou um time de rúgbi em um símbolo de esperança para um país à beira da guerra civil.

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O tabuleiro de xadrez: um país fraturado e um time odiado

Para entender a genialidade da jogada de Mandela, é preciso compreender o cenário de 1994. A África do Sul acabara de sair de décadas de Apartheid, um regime brutal de segregação racial. A nação estava dividida pelo ódio e pela desconfiança. A população negra, agora no poder com a eleição de Mandela, via com desprezo todos os símbolos da opressão branca. E o maior desses símbolos era o time nacional de rúgbi, os Springboks.

Para a maioria negra, os Springboks e suas cores, verde e ouro, representavam a arrogância e a brutalidade do regime Afrikaner. A primeira reação do novo governo foi a de extinguir o time, apagar seu nome e suas cores da história. Seria um ato de justiça, uma reparação histórica. Mas Mandela enxergou o que ninguém mais via: mudar o time seria um ato de vingança, enquanto mantê-lo poderia ser um ato de unificação.

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A estratégia de mestre: conquistando o inimigo

A decisão de Mandela de apoiar publicamente os Springboks na Copa do Mundo de Rúgbi de 1995, que seria sediada na própria África do Sul, foi uma aposta de altíssimo risco. Ele sabia que, para unir o país, não bastava que a maioria negra perdoasse; a minoria branca precisava se sentir parte da nova “Nação Arco-Íris”. E o rúgbi era a paixão dessa minoria.

O filme, dirigido por Clint Eastwood, detalha os passos calculados dessa estratégia:

  1. O Encontro com o Capitão: Mandela (Morgan Freeman) convoca o capitão dos Springboks, François Pienaar (Matt Damon), para uma conversa. Ele não dá ordens; ele inspira. Ele compartilha sua visão, explicando que o time tem a oportunidade de fazer mais pelo país do que ele, como presidente, jamais poderia. Ele transforma Pienaar em seu “capitão em campo” não apenas no sentido esportivo, mas no sentido político.
  2. Humanizando o Símbolo: Mandela incentiva o time a se conectar com a população negra. A cena em que os jogadores visitam uma township para ensinar rúgbi a crianças que antes os odiavam é o coração dessa estratégia. É o momento em que os jogadores deixam de ser um símbolo abstrato de opressão e se tornam seres humanos.

François Pienaar: o líder que comprou a visão

A estratégia de Mandela não teria funcionado sem um parceiro disposto a executá-la dentro do vestiário. François Pienaar é esse parceiro. Inicialmente um atleta focado apenas no jogo, ele gradualmente compreende a dimensão histórica do momento. A visita do time à ilha de Robben, onde Mandela esteve preso por 27 anos, é o ponto de virada para ele. Pienaar entende que o fardo que carregam é muito maior do que o de vencer uma competição esportiva.

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Sua liderança é testada ao ter que convencer seus companheiros de time, muitos deles céticos e criados sob a ideologia do Apartheid, a abraçar essa nova identidade. Ele os faz entender que eles não estão mais jogando por si mesmos ou por uma parcela da população, mas por 43 milhões de sul-africanos. Ele se torna o elo entre a visão de Mandela e a execução no campo.

A final: quando o esporte se torna história

O clímax do filme, a final da Copa do Mundo contra a temida seleção da Nova Zelândia, é a materialização de todo o plano. O estádio, antes um reduto exclusivo da elite branca, agora está lotado com negros e brancos, torcendo juntos, cantando o mesmo hino. O momento em que Mandela entra em campo vestindo a camisa dos Springboks com o número de Pienaar nas costas é um dos gestos políticos mais poderosos do século XX.

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A vitória da África do Sul, contra todas as probabilidades, não foi apenas um triunfo esportivo. Foi a validação de uma ideia. Foi a prova de que a reconciliação era possível. Invictus é mais do que um filme sobre rúgbi. É sobre como um líder visionário usou a linguagem universal do esporte para curar as feridas de uma nação e ensinar ao mundo que, às vezes, a mudança mais profunda começa com um simples passe de bola.

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