Lembra quando Shaquille O’Neal dominava o garrafão e disputava contra jogadores como Hakeem Olajuwon, Patrick Ewing, David Robinson e Alonzo Mourning? Pois é. Esse pivô tradicional chegou ao fim da NBA. Acabou. Já era. O basquete mudou e, a posição, também.
A NBA não dá mais espaço para jogadores que ficam presos no garrafão. Os poucos que restaram, estão tendo cada vez menos tempo de quadra e sendo ainda menos importantes para o jogo de hoje.
Mas isso não é de agora. O decreto foi dado com prazo de expiração. Agora, expirou.
O técnico Steve Kerr deu os primeiros sinais de que o pivô tradicional estava com os seus dias contados quando começou a utilizar Draymond Green, de 1,98 m, na posição que, teoricamente, seria daquele “intimidador” das décadas passadas. Resultado? O Golden State Warriors foi para cinco finais consecutivas.
Claro que não foi do nada. Kerr observou as características de seus jogadores e entendeu que, se tivesse mais atletas espalhados em quadra, traria mais dificuldades para o oponente. O pivô adversário (geralmente, o mais pesado e lento do time) ficaria obrigado a fazer a marcação em cima de Green, por exemplo, fora do garrafão, dando ao Warriors mais do que a oportunidade do arremesso, mas, também, um garrafão descongestionado.
Quem não se lembra quando Frank Vogel, então treinador do Indiana Pacers, tirou Roy Hibbert de quadra em um jogo de playoffs contra o Miami Heat? Ele apostou que o Heat arremessaria de longa distância, mas abriu espaço para LeBron James penetrar em um garrafão esvaziado.
Então, não adianta simplesmente tirar um pivô e deixar a área pintada desguarnecida. Vogel aprendeu, da pior forma possível, que não era assim que deveria ser feito.
O pivô de hoje pode ser alto, sem problema algum. Pode ser o clássico seven footer, o cara de 2,13 metros, desde que:
– Saiba espaçar a quadra
– Saiba defender bem
– Saiba pontuar em profusão
Se não é nenhum dos três, esqueça. Não tem o que fazer mais com este cara grande do seu time. Sua utilidade será, a partir de agora, para fechar ângulo do cobrador de lateral, dar um tapinha em uma bola no fim de jogo ou, também, ser o cara a defender quem vai tentar o tal tapinha.
Poucos ainda possuem muitos minutos em quadra. E, certamente, eles fazem, muito bem, um dos três itens acima. E é por isso que, quando Kerr utilizou Green no garrafão, ali foi determinado o fim do pivô tradicional na NBA.
Quem, na atual temporada, contou com um pivô titular que não tivesse uma das três características? O primeiro nome que vem na cabeça é Andre Drummond, no Cleveland Cavaliers e, posteriormente, no Los Angeles Lakers, certo?
Drummond não espaça, não defende e não pontua o suficiente para existir uma razão para ele estar em quadra. Para ele ter minutos, importância, é necessário que ele defenda ou invente um arremesso de três. Não adianta pegar rebote. Tem que saber defender. Tem que ser como Clint Capela ou Rudy Gobert para ter sobrevida.
Não podemos nos esquecer que ele sequer saiu do banco no jogo em que o Lakers foi eliminado pelo Phoenix Suns, simplesmente porque ele estava fazendo Deandre Ayton parecer um superstar. E, é óbvio, que Ayton não é.
Mas por que Ayton ainda tem tempo de quadra? Simples. Ele defende e tira vantagem daqueles que não sabem marcar minimamente. Mas, daí, dizer que ele já é um astro, aí é não enxergar o jogo como um todo, como foi o matchup que ele enfrentou. Sim, ele está se desenvolvendo dos dois lados da quadra e é possível sonhar com o cara em um Jogo das Estrelas no futuro próximo, mas calma aí.
E o Gobert, hein? Eleito o melhor defensor da liga pelo terceiro ano na carreira, era uma peça solta no jogo em que o Utah Jazz foi eliminado pelo Los Angeles Clippers. A partida estava “gritando” por formação baixa, mas o técnico Quin Snyder manteve o francês que, embora saiba defender nas trocas de pick and roll, não pode ficar como o responsável primário por um jogador baixo.
Tem, ainda, o fato de que a NBA não consegue produzir um jogador como Shaq. Todas as imitações baratas foram descartadas rapidamente. Não sobrou ninguém. Aquele sujeito enorme, forte, que ficava preso lá perto da tabela, não existe mais. O pivô dominante é coisa do passado.
A NBA começou a trazer jogadores com biótipos e características diferentes, como Karl-Anthony Towns, Joel Embiid e Nikola Jokic. Destes, que são considerados os mais talentosos da liga atual, o espaçamento em quadra é o primeiro ponto a ser destacado. Embiid é o único que defende, de fato, mas Towns e Jokic possuem o arremesso e, também, o passe. O próprio Shaq sabia passar para o perímetro quando era marcado por dois ou três jogadores.
Não por menos, Jokic foi o primeiro pivô a ser eleito MVP de uma temporada desde quem? Shaquille O’Neal, em 1999-00.
O estilo de jogo de alguns jogadores atuais é mais comparado a outros tempos.
Boban Marjanovic é um exemplo que foi para a NBA na década errada. Ele foi MVP da liga sérvia por três temporadas seguidas e, na Euroliga de 2014-15, Marjanovic fez 16.6 pontos e 10.7 rebotes em cerca de 27 minutos pelo Estrela Vermelha, números suficientes para Gregg Popovich dar a ele uma oportunidade no San Antonio Spurs. Apesar dos 2,24 metros, Boban nunca teve espaço, de fato, na liga. Depois do Spurs, ele teve passagens, apagadas, por Detroit Pistons, Los Angeles Clippers, Philadelphia 76ers e, finalmente, pelo Dallas Mavericks.
Mesmo Marjanovic tendo capacidade para espaçar a quadra, é completamente desnecessário ter um jogador com essa altura longe do garrafão. Vale lembrar que, no dia em que a NBA parou, no ano passado, por conta da pandemia do coronavírus, ele fez 31 pontos e pegou 17 rebotes na vitória sobre o Denver Nuggets e, nesta temporada, ele foi titular diante do Los Angeles Clippers na primeira rodada dos playoffs em três jogos.
Certa vez, Drew Gooden, que jogou ao lado de Anderson Varejão no Cleveland Cavaliers, estava perdendo espaço na liga. Depois de passagens por Orlando Magic, Sacramento Kings e Milwaukee Bucks, entre outros, Gooden viu que não tinha mais condições de jogar como antes. Vale lembrar que ele chegou a ser ala no Memphis Grizzlies, no início da carreira, quando a NBA encasquetou que dava para jogar com três caras grandes.
Gooden começou a treinar o arremesso de três e seu agente enviou vídeos de seus treinamentos para alguns times. Não demorou muito e o Washington Wizards entrou em contato com ele. Tudo bem que não foi lá essas coisas (31.6% de aproveitamento em 117 tentativas em três temporadas), mas isso mostrou o caminho para outros jogadores da posição. Era preciso mudar a mentalidade. Gooden ganhou mais três anos na liga.
Quantos times já chamaram Kenneth Faried para treinamentos? Inúmeros. Mas, como não é um grande defensor, é baixo e não consegue espaçar a quadra, ele praticamente se aposentou da NBA aos 29 anos!
Tudo é questão de querer evoluir. Nikola Vucevic, do Chicago Bulls, havia convertido sete arremessos de três em 26 tentativas (26.9% de aproveitamento e representavam 0,06% do volume) nos seus cinco primeiros anos de liga. Em 2020-21, ele acertou 176 em 440 arremessos (40% de aproveitamento e 31.5% do volume). Ou seja, o pivô passou a arriscar, a cada dez arremessos totais em uma partida, pelo menos, três eram de longa distância. Resultado: All Star pela segunda vez na carreira.
Um dos líderes do Dream Team Original, Larry Bird, era reconhecido por ser um dos melhores arremessadores de todos os tempos. Ele, que jogava de ala e ala-pivô, converteu 37.6% de três na carreira. Dezenove pivôs acertaram, ao menos, 37.6% de suas tentativas em 2020-21. Trinta fizeram 35% ou mais.
Isso é evolução do basquete.
Cento e seis jogadores acertaram, pelo menos, 100 arremessos de três na temporada 2020-21. Nada menos que 504 atletas converteram, ao menos, uma bola de três. Dos que mais estiveram em quadra e não fizeram, foram: Rudy Gobert, Clint Capela, Mason Plumlee, Andre Drummond, DeAndre Jordan, Moses Brown, Nerlens Noel, Daniel Gafford, Bismack Biyombo, Tristan Thompson, Steven Adams, Robert Williams, Mitchell Robinson, Montrezl Harrell e Jakob Poeltl.
PS: eu gostaria de ter uma palavrinha com o responsável pelas análises de estatísticas do Boston Celtics. Alguém pode providenciar?
Entre os 15 jogadores que tiveram melhor aproveitamento no arremesso de três em toda a temporada, utilizando os critérios de mínimo de cestas de três, quatro deles são jogadores de garrafão: Bobby Portis, Marcus Morris, Michael Porter e Marc Gasol.
Lembra daqueles três itens? Se eles não estiverem em, pelo menos, um deles, é bom esperar pouco tempo de quadra nos próximos anos. Ou nenhum.
É o fim do pivô tradicional na NBA, que vai perder espaço até querer mudar ou, até, não existir mais.