Chaves da Formação #9 – Ronaldo Pacheco defende abordagem humanizada com jovens atletas

Coordenador do Cerrado Basquete, Pacheco é espelho para uma geração de técnicos estudiosos

Fonte: Coordenador do Cerrado Basquete, Pacheco é espelho para uma geração de técnicos estudiosos

A temática da saúde mental e do controle emocional tem ganhado espaço na grande mídia com a maior abertura de atletas de alto nível para discutir o assunto. Após uma série de atuações muito abaixo do habitual na primeira rodada dos playoffs da NBA, o astro Paul George, do Los Angeles Clippers, revelou estar sofrendo crises de ansiedade desde sua chegada à “bolha” montada pela liga, em Orlando.

Ao expressarem essa vulnerabilidade inerente a todo e qualquer ser humano, ídolos como George prestam um serviço importante para a comunidade esportiva: eles lançam um holofote sobre a importância de um acompanhamento psicológico junto a atletas de performance.

O experiente treinador Ronaldo Pacheco – coordenador técnico do Cerrado Basquete – é um especialista no assunto que há muito levanta essa bandeira, destacando a importância da realização de um trabalho específico por parte dos técnicos e da estrutura do clube em questões relacionadas à autoconfiança, controle emocional, liderança, concentração e a agressividade já nas categorias de base.

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Treinador há 42 anos, período no qual comandou equipes masculinas e femininas das mais diversas categorias – incluindo a profissional, nível no qual foi campeão nacional pelo Brasília como assistente técnico, em 2007-2008 -, Pacheco tem servido como espelho para uma nova geração de treinadores brasileiros que buscam abordar o basquete com uma maior complexidade teórica, unindo os conceitos técnicos do jogo a uma indispensável veia social, sem a qual é impossível se criar uma identidade-nacional sustentável no esporte.

Em entrevista concedida à Central do Draft, o treinador nascido no Rio de Janeiro compartilhou essa visão multifacetada do basquete, analisou o atual momento da estrutura de formação do país e, claro, expressou suas preferências quanto às principais características técnicas a serem dominadas por jogadores de cada uma das posições do jogo.

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Confira abaixo a íntegra do bate-papo na 9ª edição da série ‘Chaves da Formação’:

 

Central do Draft – Antes de falarmos sobre os aspectos técnicos e conceituais do jogo, gostaria de explorar um pouco sua expertise no âmbito da psicologia do esporte – tema que tem ganho cada vez mais relevância no esporte de alta performance.

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Ronaldo Pacheco – Na sua visão, qual o peso desse aspecto ‘mental’ no sucesso ou no insucesso de um atleta em formação? Também olhando de uma maneira mais ampla, gostaria que você falasse sobre como esse trabalho de apoio ao desenvolvimento psicológico pode contribuir para este indivíduo como cidadão – em todas as áreas da vida.

Sempre tive uma curiosidade muito grande para entender o que se passa no campo emocional de um atleta e notei que existia um despreparo dos técnicos para lidarem com suas equipes neste ponto. Principalmente nas questões relacionadas à autoconfiança, controle emocional, liderança, concentração, e a agressividade. Isso sempre foi trabalhado de forma intuitiva pelos técnicos e muitas vezes baseado nas experiências positivas e negativas que esse técnico teve na sua formação, principalmente para aqueles que foram jogadores.

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Esta forma de orientar pode gerar, em muitos jogadores, desequilíbrios na parte emocional que eles carregam para sua carreira, e que com o passar do tempo, torna-se mais difícil modificar. Por isso acho muito salutar que os técnicos atuais, tenham bastante informações sobre os conceitos da psicologia, não para que façam intervenções diretas com os jogadores, mas para que possam entendê-los melhor e nos casos em que necessitem, indicarem o acompanhamento de um psicólogo do esporte.

Estas informações servem muitas vezes até para provocar modificações no modo de agir do próprio treinador o que levará a ter uma relação mais salutar com a sua equipe.

Quanto a segunda parte da sua pergunta, não há dúvidas que um indivíduo que se conheça melhor, tenha maior controle emocional sobre suas ações, e compreenda como são as relações estabelecidas no esporte e fora dele, terá possibilidade de ter uma vida social muito mais equilibrada e consciente para desempenhar os seus diversos papéis sociais.

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Central do Draft – Quais são as maneiras de se trabalhar o fortalecimento um atleta nesse aspecto psicológico? Como você tem visto a evolução do foco das equipes formadoras nesse aspecto ao longo dos anos?

Ronaldo Pacheco – O ideal é que todas as equipes tivessem um psicólogo do esporte para acompanhar os atletas desde a sua formação. Sabemos que essa realidade, infelizmente ainda é impraticável na maioria das equipes brasileiras. Diante dessa dificuldade, o que se pode fazer para minimizar essa situação, é trazer aos técnicos conhecimentos básicos dos conceitos da psicologia do esporte para que eles possam identificar esses problemas e assim compreender melhor as reações dos seus atletas e buscar orientá-los da melhor forma possível.

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Lembrando sempre que algumas intervenções mais complexas estão restritas a um psicólogo do esporte.

 

Central do Draft – Mais do que um treinador de basquete, você é um acadêmico respeitado. Nesse ‘chapéu’ de professor, como você vê o estágio do desenvolvimento dos nossos profissionais nesse aspecto mais teórico do jogo e do esporte em geral? Qual a importância de fortalecermos essa cultura de uma linha estudiosa entre nossos treinadores e gestores?

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Ronaldo Pacheco – Acho importantíssimo tocar nesse assunto da formação dos professores de educação física e futuros treinadores esportivos.

Tenho tido uma preocupação constante com os caminhos que os cursos superiores de educação física vêm seguindo nos últimos tempos. Temos um currículo cada vez mais enxuto, com ênfase nos aspectos biológicos e sociais (que sem sombra de dúvidas têm a sua importância), em detrimento da formação pedagógica e esportiva. As disciplinas esportivas específicas têm sumido das grades curriculares e o futuro professor tem saído do curso sem maiores conhecimentos da pedagogia do esporte, dos conteúdos específicos de cada modalidade, de repertório de exercícios, dos princípios esportivos e das relações entre as dimensões motoras, cognitivas, afetivas e sociais vivenciadas em aulas. Estas dimensões são muito exploradas no campo teórico, porém pouco vivenciadas pelos alunos.

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Isso é mais agravado ainda, quando muitas destas aulas são feitas à distância, tirando a oportunidade de vivenciar, correções na prática da execução e a importante relação professor-aluno, que será fundamental nos comportamentos futuros como professor/treinador.
Quanto aos estudos, creio que hoje em dia, são disponibilizadas muitas informações a respeito dos diversos esportes e isso fez com que o nível de professores e técnicos interessados, subissem bastante, no entanto, aquele aluno que saiu recentemente dos cursos de educação física, vai sentir falta da base que o permita compreender a gama de informações de qualidade que estão circulando no ambiente esportivo.

E porque falo nos recém formados? Porque são eles que deveriam estabelecer os primeiros contatos dos jovens com as modalidades esportivas e sem os conteúdos iniciais, sem uma base que os dê respaldo para entrarem com segurança em uma aula, estaremos diminuindo a possibilidade dos jovens terem uma boa iniciação no esporte. Me preocupa muito esta formação inicial pois repercutirá na formação de atletas a médio prazo.

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Quanto à formação específica dos treinadores de basquete, acredito que o nível de estudos e conhecimento dos nossos treinadores cresceu muito nos últimos anos, devido ao intercâmbio através de clínicas e acesso às informações. Vejo que a nova geração de técnicos está muito bem embasada e isso está provocando uma evolução das equipes brasileiras que a médio prazo voltará ao patamar das grandes potências do basquete.

 

Central do Draft – Você nasceu no Rio de Janeiro, mas já há alguns anos trabalha no basquete do Distrito Federal – local que tem tido sucesso no cenário nacional nas duas últimas décadas. A que você atribui esse sucesso? Os títulos e as finais disputadas pela equipe de Brasília têm se refletido no aumento do interesse do jovem ‘candango’ no basquetebol?

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Ronaldo Pacheco – O Distrito Federal sempre teve uma ligação muito grande com o basquete. O grande público nacional só teve conhecimento do que acontecia aqui, depois de equipes profissionais se instalarem na cidade, mas a verdade é que o basquete daqui sempre foi forte e um centro formador de atletas de qualidade. Muito fizeram e fazem sucesso em equipes de outros estados, mas tiveram sua formação aqui em Brasília. Os campeonatos locais tinham grande público e rivalidades sadias entre as equipes.

Nos campeonatos brasileiros de base, o DF sempre foi muito bem representado e era a partir dessa vitrine que vários jogadores eram convidados a ingressarem em equipes do eixo SP/RJ e MG. Com a participação das equipes profissionais e principalmente os resultados obtidos, a cidade teve mais divulgação, no entanto, no âmbito interno, por dificuldades financeiras, muitos clubes deixaram de oferecer basquete para a comunidade.

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A partir deste novo cenário, surgiram associações e instituições que ocuparam este espaço deixado pelos clubes. Dos clubes, o único que se manteve foi o Vizinhança, no entanto surgiram várias associações, como o Cerrado Basquete, o Lance Livre, o Filadélfia, o MoveOn, além do trabalho feito nos colégios e centros olímpicos.

Ter equipes disputando os principais campeonatos nacionais amplia o interesse dos jovens no esporte, porém é necessário que essas equipes também mantenham o trabalho de base e não apliquem todos os seus investimentos nos profissionais. Além disso é necessário que as instituições existentes continuem seus trabalhos para que os jovens tenham aonde se iniciar e prosseguir no esporte.

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Central do Draft – O basquete brasileiro de alto nível tem por característica ser um tanto quanto centralizado na região sudeste – contando com algumas exceções, dentre as quais figura o Distrito Federal. Primeiro, você concorda com essa avaliação? Segundo, que malefícios essa configuração acaba trazendo para o ‘aproveitamento da mão de obra atlética’ de outros estados. E, por último, como mudar esse cenário?

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Ronaldo Pacheco – Concordo que as equipes competitivas de alto nível se concentram nas regiões sudeste, com algumas raras exceções, no entanto se formos verificar a origem dos jogadores destas equipes, veremos que muitos deles vêm de estados que não estão representados por equipes profissionais. Existe um ótimo trabalho de formação fora da região sudeste no entanto produzir jogadores e vê-los ir para outros estados causa um desestímulo para estes centros formadores que assistem ao encerramento de atividades de várias instituições formadoras e com isso a diminuição da quantidade de atletas.

Para mudar esse cenário, na minha opinião, como primeiro passo é importante a volta dos campeonatos brasileiros de base disputado por seleções estaduais. Isso motiva os atletas e os clubes a terem seus jogadores representando o seu estado e com isso fortalece o campeonato local.

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Temos hoje os campeonatos de base promovidos pelo CBC, porém muitos clubes não tem acesso pelo fato de não serem associados e não possuírem recursos para a inscrição nos campeonatos. Por isso vejo que os campeonatos nacionais de seleções nas categorias de base seria um passo importante.

Outra coisa que precisamos lutar bastante é por uma política de esportes que integre o trabalho das escolas, clubes e universidades para que possamos ter mais praticantes e um percurso seguro no desenvolvimento esportivo.

 

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Central do Draft – Gostaria de aproveitar sua presença pra falarmos também sobre seus os conceitos do jogo. O que você mais observa/mais te chama a atenção nos jovens jogadores em cada uma das posições do basquete?

Ronaldo Pacheco – Quanto a este tópico, acredito que não existe muita diferença entre as opiniões dos técnicos formadores. Todos desejam jogadores que exerçam mais de uma função e que tenham domínio sobre as diversas habilidades requeridas no jogo, mas algumas características são mais determinantes para responder as exigências específicas de cada posição.

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Para não me tornar repetitivo em todas as funções, uma das características básicas para os jogadores atuais é ter excelente trabalho defensivo, conhecendo as diversas opções para conter movimentos dos adversários. Não adianta apenas ter qualidades ofensivas se não possui os requisitos básicos de defesa.

Armador: Nas últimas décadas, nesta posição houve uma mudança de mentalidade. De um jogador que tinha como prioridade “fazer os outros jogarem”, para um jogador que também pontua. Na minha opinião, são características básicas para um armador: Liderança, leitura de jogo, qualidade e diversificação no passe, excelente domínio do drible, velocidade, capacidade de infiltração e bom aproveitamento nos arremessos de longa distância. Ter ótimo trabalho defensivo para poder diminuir as ações do armador adversário.

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Alas-armadores: Necessitam ter características próximas às do armador (leitura, velocidade, domínio do drible), ao mesmo tempo que deve ser um excelente finalizador (arremessos e infiltração), ter velocidade para a transição ofensiva e defensiva e excelente arremesso de longa distância.

Alas: Normalmente são jogadores que se destacam por serem excelentes definidores do ataque. Devem ter alto aproveitamento de arremessos além de ter iniciativa e técnica para as infiltrações. É importante que seja um jogador que tenha boa presença nos rebotes defensivos e ofensivos.

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Alas-pivôs: Jogadores que apesar de altos, tenham boa agilidade, velocidade, arremessos de curta, média e longa distância. Que saibam jogar de frente (cortes e arremessos) mas também saibam trabalhar de costas para a tabela. Alas pivôs que conseguem ter um bom aproveitamento jogando aberto, facilitam muito abrindo a quadra para os companheiros.

Pivôs: Foi uma das posições, no meu modo de ver, que sofreu mais alterações nos últimos anos. Antes se buscava um jogador alto e pesado para atuar nos rebotes e nos trabalhos próximos à cesta. Hoje em dia, deve ser um jogador ágil, que tenha bom domínio de drible, bom trabalho de pés, e que tenha força e velocidade para os trabalhos de pick, além de ter boa movimentação defensiva nos casos de trocas de marcação. Outra característica primordial é saber trabalhar de costas para a cesta, principalmente na posição de poste baixo. Muitos pivôs tem se especializado também nos arremessos de três pontos, o que abre ainda mais a quadra para os companheiros.

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Central do Draft – Quais são os atributos que mais se traduzem da base para o profissional?

Ronaldo Pacheco – Sempre priorizamos as qualidades técnicas e elas realmente são essenciais, no entanto, na preparação mental, uma das características que um atleta deve levar para que possa se firmar nas categorias de cima é a sua “personalidade esportiva”. Ter autoconfiança, determinação, disciplina e consciência do seu potencial.

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Muitos atletas com potencial, inibem seu jogo ao subir para o profissional ou então ficam ansiosos para se firmar na equipe e aí acabam atropelando os passos para que se firmem na equipe. A orientação do técnico para definir claramente o papel que espera que desempenhe na equipe, é um dos fatores primordiais para essa fase de transição.

Outro ponto importante é ter conhecimento do jogo. Estudar o jogo e saber interpretá-lo. Para isso, sua base teórica deve ser bem reforçada nas categorias de transição da base para o profissional (sub-19, sub-22).

 

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Central do Draft –  E quanto ao inverso? Que questões permitem que os atletas se destaquem nas categorias de base, mas que – não necessariamente – se transferem para o basquete profissional?

Ronaldo Pacheco – Muitas vezes, na categoria de base, um jogador com capacidades físicas superiores aos demais, se destacam no jogo. Pode ser pelo aspecto do biotipo ou mesmo da velocidade e força. Porém ao chegar no profissional, encontrará jogadores com os mesmos atributos, o que lhe tirará a vantagem obtida até então.

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De novo devemos ressaltar que os aspectos técnicos e o conhecimento e interpretação do jogo (leitura) são os atributos que poderão fazer com que ele encontre seu espaço nas equipes profissionais.

 

Central do Draft – Para você, quais são as principais lacunas dos jogadores formados no Brasil – que deveriam receber mais atenção dos responsáveis pelo desenvolvimento dos jovens atletas do país?

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Ronaldo Pacheco – Acredito que os principais pontos na questão de formação têm sido solucionados pela atual geração de técnicos formadores. O primeiro ponto é a valorização do trabalho defensivo. Antigamente se valorizava muito o jogador pontuador sem uma preocupação maior com seu trabalho defensivo.

Outro ponto seria a questão da tomada de decisão que depende muito da leitura que o jogador tem do jogo. Para isso é importante que seja esclarecido ao jogador, desde a base, a questão da ocupação de espaços, espaçamento entre os jogadores, iniciativa própria e reação (reposicionamento) às iniciativas dos companheiros de equipe.

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Percebo que esta nova geração de técnicos tem tido acesso á muitas informações a esse respeito e com isso tem procurado sanar essas lacunas que diferenciavam a preparação dos nossos jovens jogadores.

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