A vida depois dos 40

Guilherme Gonçalves comenta sobre jogadores que vieram do fundo do draft para o sucesso

Fonte: Guilherme Gonçalves comenta sobre jogadores que vieram do fundo do draft para o sucesso

A vida começa depois dos 40 anos. Você já deve ter escutado essa frase, esse testemunho, essa afirmação que transborda sabedoria e experiência em algum período da sua vida. Leva tempo, mas cada um de nós chega(rá) a esse momento definidor da trajetória pessoal: quebrar a barreira dos 40 é marcante. Passar dos 40 pode ser um ponto especial na vida de cada um, rumo a uma transformação de hábitos e escolhas, ou à definição do próprio futuro: basta apenas uma decisão para isso.

Como a vida imita a arte (popular da “sabedoria de boteco” e suas frases clichés), o basquetebol também segue a linha de que, sim, há vida depois dos 40: depois dos 40 escolhidos no draft, a seleção de calouros que ocorre a cada interstício de final e início de nova temporada. Muito já se falou sobre erros prematuros, escolhas ruins e desperdícios de direitos de escolha nas primeiras posições da seleção, mas talvez nem tanto se falou sobre os acertos e as tiradas-de-coelho-da-cartola que já aconteceram com escolhas depois da 40ª posição. Senta um pouquinho, meu filho: deixa eu te contar um história que você ainda vai me agradecer…

Este início de temporada 2016-2017 tem sido marcante por conta do desempenho espetacular de alguns jogadores: James Harden, do Houston Rockets, e Russell Westbrook, do Oklahoma City Thunder, parecem brigar cabeça a cabeça pelos prêmios de MVP da temporada e de maior máquina humana capaz de criar triplos-duplos seguidamente. Westbrook está em vantagem no último quesito, Harden parece ser o jogador mais valioso em atividade até agora. LeBron James guia facilmente o Cleveland Cavaliers a uma dominância silenciosa na conferência leste, enquanto Kevin Durant juntou-se ao Golden State Warriors a ponto deste ser o time mais divertido de se assistir na TV ou com o qual se jogar videogame.

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Outros desempenhos são notáveis também pelas circunstâncias que envolvem alguns astros considerados “patinhos feios” nas seleções de calouros. Isaiah Thomas é o nome mais certeiro que pula à mente neste aspecto. Thomas, armador que vem guiando o Boston Celtics ao, até agora, terceiro melhor posto em sua conferência, já foi um all star na temporada anterior: ele só melhorou de lá pra cá. Com médias por jogo de mais de seis assistências e quase 28 pontos ele é o quinto na corrida para ser o cestinha da temporada: todos os atletas acima dele foram escolhidos no top 5 do draft (os já citados Westbrook e Harden, além de Anthony Davis e DeMarcus Cousins). Thomas, pasme, foi a última escolha na seleção de 2011. Sim, você leu direitinho. Última. Outros 59 atletas foram draftados antes dele.

Brigando para ir ao All Star Game mais uma vez, agora em Nova Orleans, o atleta de apenas 1,75m de altura poderá ser titular da partida pela primeira vez na carreira pelo atual desempenho que tem encantado fãs, jogadores e especialistas. Não dá pra duvidar que será a última. A altura de Thomas, considerada muito baixa para atletas profissionais até mesmo fora da NBA, fatalmente foi o aspecto que fez com que sua escolha fosse tão baixa. Inspirado em Allen Iverson, outro “baixinho” altamente notável, que já declarou estar assistindo Thomas e torcendo por ele, o camisa 4 do Celtics prova que estereótipos existem, são levados em consideração pelos olheiros e que estão sempre a espera de serem combatidos.

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Um outro estereótipo definiu parte da carreira de Marc Gasol, pivô do Memphis Grizzlies. Marc foi selecionado como a 48ª escolha do draft de 2007 pelo Los Angeles Lakers e, em seguida, trocado na operação que levou seu irmão mais velho, Pau Gasol, do Tennessee para a Califórnia. É sabido hoje, declarado em entrevistas e registrado em livros, que o Houston Rockets tinha uma predileção pelo seu jogo e pensava em Gasol como a escolha número 26 daquela seleção. O atual general manager da equipe, Daryl Morey, chegava ao time texano naquela temporada e reparou que havia uma cultura da equipe em dar apelidos aos prospectos observados pela equipe de olheiros: o nome de Marc vinha com a jocosa alcunha de “homem com peitos”, claramente alusiva à forma física e peso do espanhol depois de ser observado.

O apelido pegou, o interesse da franquia caiu, Aaron Brooks foi a escolha do Rockets naquela seleção. Gasol se tornou um atleta de alto nível dentro da NBA e por sua representatividade internacional, e os apelidos, depois disso, foram banidos por Morey no Rockets. Além de perder muito peso, Marc hoje é conhecido como um dos pivôs mais versáteis, ágeis e inteligentes da NBA. Duas vezes escolhido para o Jogo das Estrelas, foi o melhor jogador de defesa da liga na temporada 2012-2013. Nada mau para um gordinho com o jogo calibrado e em forma: quase 20 pontos, 6 rebotes, mais de 4 assistências, mais de um toco e um roubo por partida atuada em 2016-2017. Mais que enxuto: preparado – se os bordões de funk me permitem.

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Outro que chama atenção no noticiário especializado nesta parte da temporada é Paul Millsap, ala-pivô do Atlanta Hawks. Millsap continua fazendo um grande trabalho: com médias de quase 18 pontos, mais de 8 rebotes e quase 4 assistências por embate, ele ainda é um expoente ofensivo e defensivo do garrafão do time da Geórgia, agora ao lado de Dwight Howard, apesar de ter seu nome especulado como “linha de frente” para trocas e aquisição de atletas para reconstrução do time – seu contrato com a equipe expira em junho de 2017 e o medo de perdê-lo de graça faz o Hawks cogitar negociação, apesar da técnica, raça e inteligência da escolha de número 47 no draft de 2006.

Praticamente nos acréscimos daquela seleção, o Utah Jazz escolheu Millsap, que iniciou seus passos na NBA em Salt Lake City, mas desenvolveu-se como um dos melhores alas-pivôs da Liga atuando com a camisa do Hawks.

O já três vezes all star é outro que teve sua cotação trazida pra baixo, mas dessa vez em razão de sua estatura: listado como um atleta de 2,03m de altura, algo até mesmo comum para alas e armadores que atuam nas posições 2 e 3 – nem tanto na posição 4 como ele -, Millsap seria baixo pra atuar perto da cesta. Claramente, isto varia de atleta para atleta e o sucesso do profissional depende de sua envergadura, características de jogo, adaptação ao esquema utilizado pela equipe e, mais que tudo, trabalho duro. Atletas mais baixos que ele, como Charles Barkley e Dennis Rodman, são alguns dos mais lendários alas de força da história, e trouxeram tudo isso para a quadra a cada noite. Millsap desde sempre foi conhecido pela energia que empenhava nas partidas, seja no ataque ou na defesa, e se o rumor de sua troca se concretizar, a equipe que o tiver à disposição no plantel tende a evoluir em aspectos gerais.

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Há muitos outros casos de atletas selecionados depois do número 40 no draft durante a história. Os casos acima relatados trazem exemplares dos últimos dez anos de recrutamento e ainda agrupam as situações de, por exemplo, Goran Dragic – armador esloveno do Miami Heat, selecionado pelo San Antonio Spurs e imediatamente trocado para o Phoenix Suns e já condecorado com o prêmio de jogador que mais evoluiu em 2013-2014 – e Patty Mills – escolha de número 55 pelo Portland Trail Blazers em 2009, campeão da NBA com o San Antonio Spurs em 2014 e maior pontuador dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012 -, jogadores com impacto em suas equipes sem ter o nome tão em voga atualmente. Voltando um pouco mais tempo no tempo há o fantástico caso de Manu Ginóbili, 57ª e penúltima escolha do recrutamento de 1999 pelo San Antonio Spurs, quando ainda jogava na Itália. Dezessete anos depois, quatro campeonatos da Liga com o time texano, uma medalha de ouro olímpica em Atenas-2004 e o resto é história: a memória já não alcança todos os louros conquistados.

Situações e casos como esses comprovam que, mesmo que de vez em quando, há vida depois dos 40. Do alto de meus 26 anos de idade, desde os 14 acompanhando a NBA, é claro e límpido perceber que em outras oportunidades no futuro isso também acontecerá. Não se pode, de certa forma, condenar ou maldizer o trabalho de olheiros, treinadores e diretores de equipes para os atletas aqui relatados. Entretanto, não se pode deixar de observar alguns apontamentos realizados em decorrência de aspectos gerais que impliquem no recrutamento de um jovem. Se um jogador é draftado antes ou depois, isto depende de inúmeros fatores: talento, comportamento, perspectiva de carreira, quantidade de atletas da mesma posição já inseridos no plantel, idade, etc. O fato é que algumas indicações acabam sofrendo mais com o medo de errar em detrimento da vontade de acertar. Mas nada que não seja algo remediável… Isso é coisa da vida, meu filho: leva tempo. Depois dos 40 tudo fica mais fácil de se entender, e depois de muitos erros fica um pouquinho mais fácil de se acertar.

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